ÉTICA NO DESEJO?

O Enigma do Desejo Surrealismo de Dali
O Enigma do Desejo Surrealismo de Dali

Te desejo…

(Alceu Valença)

O desejo é uma força que brota de raízes muito profundas do nosso ser, do nosso inconsciente. Às vezes eclode tão fortemente, que não conseguimos controlá-lo. É possível construir uma postura ética no desejo?

A depressão, considerada mais profunda do que a tristeza, tem recebido o apelido de “mal do século”, comprometendo as atividades do dia a dia por uma perda de interesse em todas as atividades da vida.

Nesse artigo pretendemos falar um pouco mais sobre depressão, mas em suas articulações com o desejo.

Freud construiu toda uma teoria a partir da repressão da sexualidade: por trás do desejo sexual estão todos os outros desejos. Pelo fato de o desejo sexual ser conflituoso, e pelos primeiros objetos (pai e mãe) serem proibidos, então desejar provoca angústia, e daí surge a recusa desses objetos onde investimos a libido, ou seja, nosso desejo. Nós nos sentimos culpados por transgredir nossos desejos proibidos.

Na religião, entendemos a transgressão como pecado, mas para a psicanálise, a transgressão da lei pelo desejo nos torna responsáveis, consciente ou inconscientemente, pelas nossas ações. Então a pessoa cede ao desejo transgredindo a lei pela imposição do desejo do inconsciente. A transgressão da lei pelo desejo do inconsciente vai gerar culpa.

No âmbito do desejo, o psicanalista Jacques Lacan nos coloca diante da questão ética: “Agiste conforme o desejo que te habita?” (LACAN, 1959-1960/1991, p. 376). Uma ética que não leve em conta o desejo do inconsciente não pode ser compreendida como ética da psicanálise.

O que o desejo tem a ver com a depressão? A depressão está diretamente relacionada ao desejo ou à falta do desejo. O depressivo não quer desejar. A verdade é que o depressivo recusa a realização dos seus desejos. A depressão tem tudo a ver com a angústia. E a angústia por sua vez com o vazio do inconsciente.

Na pergunta de Lacan – “Agiste conforme o desejo que habita?” – podemos compreender a depressão como uma renúncia do depressivo ao desejo. O depressivo sente desejo, mas não quer desejar.

Segundo Lacan:

“… ao longo desse período histórico, o desejo do homem, longamente apalpado, anestesiado, adormecido pelos moralistas, domesticado por educadores, traído pelas academias, muito simplesmente refugiou-se, recalcou-se na paixão mais sutil, e também a mais cega, como nos mostra a história de Édipo, a paixão do saber.” (LACAN, 1959-1960/1991, p. 388-389).

Ficamos deprimidos por não nos reconhecermos no nosso próprio desejo. Sendo o desejo conflituoso, tornamo-nos sempre insatisfeitos; daí, buscamos substituições para o preenchimento desse vazio que nasce pela renúncia do objeto de desejo amado, mas proibido.

E por não sabermos o que realmente desejamos, podemos compreender a importância do nosso vazio como regulador do desejo. É ele, o vazio, que aponta o caminho para a realização dos nossos desejos.

A proposta da ética psicanalítica é questionar e agir conforme o desejo. É pela censura, pelo recalque que nos tornamos responsáveis pelo nosso desejo, seja este inconsciente ou consciente.

Na verdade, a psicanálise propõe um “remédio” para a depressão. O remédio é que nos interroguemos sempre sobre o nosso desejo e que também sejamos responsáveis por ele. Será que conseguimos? Esse questionamento diário nos conduz a uma ética do desejo, e novamente nos coloca diante da necessidade de responder à questão: “Agiste conforme o desejo que te habita?”.

Quando a vida inventou o desejo

O desejo, num outro desejo, se transformou

O desejo não para, o desejo não cansa

É o moto contínuo que a vida inventou

(Alceu Valença)

Por Helena Chiappetta

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