LUTO E MELANCOLIA

Morte e Vida é uma pintura a óleo sobre tela do pintor simbolista austríaco Gustav Klimt
Morte e Vida é uma pintura a óleo sobre tela do pintor simbolista austríaco Gustav Klimt

Epitáfio
Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o Sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração…

… Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o Sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor… (Titãs, 2002).

Freud diz que os psiquiatras compreendem tudo como sendo origem orgânica, podendo também ser acrescentada uma parte psíquica. Ele assevera que, em sua prática clínica, a afirmação da psiquiatria de que todos os casos de luto patológico e de melancolia são de origem orgânica não se sustenta, pois, para ele, é de origem psicogênica e não somática (corpo).

O luto pode ser normal ou patológico; em algumas pessoas, existe uma disposição patológica. A origem dessa patologia situa-se na primeira infância em torno dos seis meses.

Apesar de no luto estar envolvida a perda dos objetos amados, dentre eles, os entes queridos, isso é uma condição normal que não necessariamente precisa de tratamento médico, podendo com o tempo ser elaborado o luto, no caso de pessoas normais.

Para Freud, a melancolia tem características próprias:

Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão em autorrecriminação e autoenvilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição (FREUD, 1914/1916, p. 250).

Freud falou sobre a similaridade nos sintomas entre o luto normal e o patológico mas existe uma diferença, apenas uma diferença que o próprio Freud afirma como sendo a auto-estima que não se perde em pessoas que apresentam o luto normal.

Esse quadro torna-se um pouco mais inteligível quando consideramos que, com uma única exceção, os mesmos traços são encontrados no luto. A perturbação da auto-estima está ausente no luto; afora isso, porém, as características são as mesmas. O luto profundo, a reação à perda de alguém que se ama, encerra o mesmo estado de espírito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo externo – na medida em que este não evoca esse alguém -, a mesma perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor (o que significaria substituí-lo) e o mesmo afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele (FREUD, 1914/1916, p. 250).

O trabalho que o luto realiza é de favorecer a retirada do desejo da pessoa amada que não existe mais por morte ou qualquer outra perda na vida que não seja por morte. É fato que nunca as pessoas conseguem abandonar de forma total o desejo que é investido no outro e nas relações afetivas, seja com pessoas ou coisas que elegemos para investir o nosso afeto.

Quando tudo isso passa, o EGO volta ao normal; já na pessoa melancólica isso não acontece, pois o luto continua por toda a vida.

No luto normal se observa uma falsa depressão, porque logo em seguida a pessoa volta ao normal, já no luto patológico do melancólico, trata-se de uma depressão profunda da qual o melancólico não se livrará nunca mais.

Este artigo foi publicado originariamente em 1º de dezembro de 2021.

Leia também o artigo: Trabalhar o luto e a melancolia


REFERÊNCIA

FREUD, S. (1917 [1915]) Luto e melancolia. Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Artigo anteriorTrabalhar o luto e a melancolia
Próximo artigo‘A Religião no Espaço Público’
Helena Chiappetta
Maria HELENA Barbosa CHIAPPETTA é Psicanalista Clínica pela ABRAPSI. É Psicóloga Clínica (CRP - 02/22041), é também Neuropsicóloga. É Avaliadora Datista CORETEPE (CRTP-1041). Tem Especialização em: Psicanálise, Psicopatologia e Saúde Mental; Terapia Familiar; Arteterapia; Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Ciências da Religião; Licenciatura em Filosofia e em Pedagogia, além do Bacharelado em Teologia. É Bacharelanda em Psicanálise. Atualmente é Docente no SEID Nordeste e SEID Uberlândia. É Professora Convidada no Curso de Formação em Psicanálise da SNTPC. Tem experiência como docente de Hebraico Bíblico, Psicanálise e Teoria Analítica, Educação Religiosa, Artes, Teologia com ênfase em Ciências da Religião Aplicada e Liderança Institucional. Dedica-se ao estudo das neuroses atuais. É colunista deste Portal Folha Gospel. E-mail: [email protected] Instagram profissional: @h.chiappetta
Comentários