Leia Efésios 2 e II Coríntios 3
Ficamos tortos na nossa essência, que se tornou, assim, pecaminosa, e, por isto, deliberamos pecar…; ou, quando não seja assim, quando não pecamos por deliberação, pecamos por sentimentos, interpretações, emoções, omissões, e, muitas vezes, até à revelia da nossa vontade consciente — ou seja: por impulso; tamanha é a profundidade inconsciente de nossa corrupção essencial.
Assim, em nossa carne trazemos a transgressão como inclinação, como propensão, como desejo latente. Todavia, além disso, a soma de todos nós, o nosso conjunto humano, a sociedade, a civilização, ou, como diria Paulo, “o curso deste mundo”, cria um Superego de fatalização de desobediência para nós, fazendo com que consciente ou inconscientemente nos ponhamos na condição de necessidade de adequação à transgressão como inserção e pertencimento à norma humana e social; e isto até nas coisas que a coletividade celebra como boas; coisas como a justiça, que de fato se manifesta como vingança; ou a honra, que nos dá o direito ao revide; ou a dignidade, que nos obriga a responder à altura do que seja “digno”; ou a moral, que é a justificadora de todas as demandas que realizam o poder do mal em nome da norma, da maioria, do linchamento.
Entretanto, para além da nossa individualidade pecaminosa e da soma dos nossos sentimentos, movimentos e acordos sociais ou consentimentos [ou mesmo desacordos] que se tornem fenômenos coletivos, formando o Inconsciente Coletivo… — existe ainda uma camada superior, a qual o Evangelho chama de “regiões celestes”, ou de “principados, potestades e poderes”, os quais, negativamente, são os grandes interventores invisíveis, os quais habitam camadas de mundos paralelos, que, no linguajar de Paulo, são as “regiões espirituais do mal”.
Ora, tais poderes têm seu poder por enquanto limitado ao relacionamento entre o que eles nos propõem e nós aceitamos, ou àquilo que nós, da nossa própria vontade, desejamos, e eles emulam e superlativizam, criando termos de expressão de tais realidades em perspectiva não apenas maiores na intensidade, mas também coletivizadas.
Tal acontece sem que nós mesmos saibamos como essa coisa se universalizou tão rapidamente — e isto muito antes de haver “mídia”, posto que com o fenômeno das mídias tecnológicas esses poderes tenham ganhado um poder de difusão incomensurável na construção do Inconsciente Coletivo e no fortalecimento do mundo paralelo designado como “Principados e Potestades”.
Assim, temos a individualidade humana essencialmente corrompida e egótica; mais a soma das individualidades formando a coletividade; e ainda a soma inconsciente da coletividade criando o Inconsciente Coletivo; e os animadores do Inconsciente Coletivo, os “principados e potestades do mal”, que, num efeito bumerangue, também são os emuladores dos nossos desejos individuais, sem que com isto a fonte do desejo deixe jamais de ser o próprio homem, escravo de sua própria cobiça; a saber: a concupiscência da carne, dos olhos e a soberba da vida.
Este é o intrincamento básico do que o Evangelho chama de “mundo”, negativamente falando, ao mesmo tempo em que afirma que tal realidade/sistema/mundo “jaz no maligno”; ou seja: existe sob a batuta do diabo.
Foi por isto que o próprio diabo disse a Jesus: “Tudo isto te darei [os poderes deste mundo] se prostrado me adorares”.
Foi acerca de tal interconexão dimensional que Jesus pediu ao Pai que Seus discípulos ficassem livres [João 17], embora tenha também rogado que isto não produzisse alienação social; ou seja: livres do mundo sistêmico, porém inseridos na humanidade; e mais: discernindo a diferença entre as camadas presentes no fenômeno mundo.
Ora, no que nos diz respeito, além de discernirmos esse tal vértice de dimensões, temos que saber que o emulador radical de tudo isto, no que nos concerne, não tem que ser visto como o poder dos mundos paralelos, mas sim o poder que na nossa natureza se corrompeu contra o amor; ou seja: o nosso pecado, e a nossa tendência a o chamarmos de “meu direito de ser”.
Paulo chama esse surto do “direito de ser” como algo que de fato decorre de entregarmo-nos a fazer a “vontade da nossa carne e dos nossos próprios pensamentos”.
A fórmula de tal engano é:
Eu sou…; logo tenho direito de ser como puder e conseguir ser; e tenho o direito de buscar me realizar ao máximo!
Ou ainda:
Eu sou…; logo tenho o direito de um deus […] de ser conhecedor do bem e do mal!
Paulo diz que enquanto o padrão do nosso pensar/agir/interpretar/comportar for esse, somos entes “vivos/mortos”; ou seja: somos apenas entes existentes, porém mortos no paradoxo do existir; posto que existamos contra a vida; contra o que Deus designa como vida humana; visto que por tal via apenas sejamos entes pulsionais, mas não viventes; e isto em razão de que o Deus chama vida é aquilo que existe por, pelo e para o amor; o que é algo diametralmente oposto ao existir humano universal.
Então, em meio a tal tragédia, surge um “Mas Deus…”
Sim, “estando nós mortos…”; sim, “estando nós vivendo como filhos da ira e da desobediência”; sim, “estando nós fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”; sim, estando nós sendo usados como médiuns “do espirito que agora atua nos filhos da desobediência” ao mandamento do amor de Deus — fomos do Nada, de Graça, objetos do amor inefável; sim, de um amor que é totalmente alienígena, que não decorre de causa e efeito; visto ter sido arbitrariamente decido pelo Pai, sem que fosse emulado por nenhuma obra humana; ao contrário, apesar da nossa inimizade contra Deus, Ele, Deus, agiu contra nossa inimizade, conforme Jesus disse que o Pai é; ou seja: amando os inimigos, intercedendo pelos que O perseguem, e dando a vida pelos que odiavam o Seu chamado ao amor!
Ora, somente a revelação dessa Graça, desse Favor Louco e Indecente, é o que pode nos abrir os olhos. Sim, é uma revelação que nos abre o entendimento; e sem tal revelação, nada e nem ninguém consegue de si mesmo ver; e, portanto, quebrar o fluxo da morte/existência em sua pseudo-vida!
E como essa graça é Graça mesmo, ela pode acontecer de modo explicito, mediante o anuncio do Evangelho, assim como ela pode acontecer de modo implícito, quando o poder da Luz do Evangelho alcança pessoas que não ficam sabendo da Informação Histórica do Evangelho, mas aderem ao mistério da sua pulsão [do Evangelho], na forma da rendição ao amor como dogma do viver.
Sem tal milagre todos vão existindo como filhos da ira e da desobediência, embora, na Cruz, Deus já tenha se reconciliado com todo o mundo!
Ora, a reconciliação de Deus com o mundo apenas retira do mundo a Ira de Deus, mas não muda o homem no seu existir como um filho da ira e da desobediência.
Por isto é que se diz que Deus nos constituiu embaixadores dessa reconciliação, pela qual devemos clamar ao mundo, rogando a todos que aceitem e vivam uma vida reconciliada com Deus, o Pai de todos!
Mas nem por causa disso o mundo está salvo. Afinal, cada individuo é livre para decidir existir contra o amor até ao fim; e digo: … até mesmo depois do que nós chamamos de “fim”; ou seja: mesmo depois de “morto na carne”; posto que com todas as luzes acesas sobre sua consciência [numa dimensão que está para além de nós], pode ainda o indivíduo decidir não amar o amor; e, assim, morrer em si mesmo, caindo no Inferno; o qual, para o homem, é a dimensão de suas escolhas livres contra o amor; sendo, portanto, um existir sem vida, pois, somente existe vida no amor de Deus.
Assim Paulo clama:
“Pela Graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem de obras para que ninguém se glorie”.
Todavia, quando a revelação da Graça/Gratuita [bendita redundância] nos alcança, o ser de fato muda; e já não sabe mais viver em atendencia ao fluxo deste mundo, nem tampouco para ser continente para com sua natureza caída; posto que nele se instale a consciência do significado do que seja vida e do que para o quê ele foi criado; ou seja: para tornar-se um filho de Deus conforme o Filho de Deus; ou posto de outro modo: para viver segundo Cristo neste mundo.
Este é o Evangelho; sim, tanto para a vida quanto para a morte!
Pense nisto neste dia chamado Hoje!
Nele, a Quem rogo que nos ilumine para compreendermos o sentido da Vida,
Caio