O Gênesis do Apocalipse

Gênesis e Apocalipse se parecem muito, pois, tanto o principio quanto o fim, mostram as mesmas coisas, apenas em escalas diferentes.

Deus não tem que fazer nada para julgar o mundo. Ele criou todas as coisas como Natureza; ou seja: como aquilo que é um sistema de auto-renovação, e evolução em total adaptabilidade. Portanto, aquilo que como natureza é vida, também pode ser morte e auto-extinção; pois, se caminha sem intervenções conscientes, vai sempre na direção da adaptação e da reinvenção de si mesma; todavia, quando sofre intervenções conscientes, como a dos humanos, o ciclo natural se quebra, e a natureza desvanece sob nossas vaidades contra ela.

E mais: ela se torna mutante contra nós: nascem cardos e abrolhos; e os partos se enchem de dores, o mundo se complexifica com roupas e coberturas, e o trabalho exaustivo de lavrar a terra com o suor do rosto, acabou por, no curso dos milênios, gerando o quadro anti-natural que hoje se vê.

O fato é que homem e natureza não conseguem se entender; ou melhor: o homem, de um modo geral, nunca enxergou, discerniu ou compreendeu sua dependência fundamental daquilo que se chama Natureza.

Na realidade, é que a capacidade de vê-la “de fora” — que é o que acontece com o homem —, dá a ele a falsa idéia de que como ele a enxerga, ele não faz parte dela. Como se natureza fosse apenas a parte da criação que não manifesta consciência própria.

De fato, a Natureza não tem consciência individual. Todavia, o sistema natural carrega um poder vital inconsciente; o qual, como sistema, é capaz tanto de acolher a harmonia, quanto também tem o poder de abalar, numa revolta que cresce na medida do agravo que contra ela é perpetrado.

No Gênesis é o encontro do homem com uma Natureza Proibida aquilo que o faz cair. Deus não fez nada. Foi a Natureza das coisas — “nossa” e da “natureza” —, aquilo que aconteceu como ira de Deus que julgou os homens; isso pela violação da Natureza Proibida. Assim, foi o homem quem criou sua própria queda, quando decidiu entrar na Natureza Proibida.

Poder comer de tudo, “menos de uma Árvore”, que era de Conhecimento do Bem e do Mal, era poder perceber que há um limite do homem na própria Natureza.

O mais foi desconstrução espiritual e psicológica que a invasão, pelo homem, da Natureza Proibida, gerou tanto na Natureza quanto no próprio homem. Pois, na mente, a Natureza das coisas é que a mente seja governada pela própria natureza da mente. E está é, mais que tudo, psicológica.

Dessa forma, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal não existia como tal fora do homem, mas apenas na natureza de sua própria mente.

Nesse sentido, pode-se dizer, que nós fazemos sempre, como seres que existem da e na Natureza, aquilo que será nossa própria morte e juízo, sempre que em nossa natureza mental deixamos de obedecer nossos limites na Natureza.

No Apocalipse é assim também. A natureza faz todo o trabalho de juízo conforme o padrão contra ela praticado, apenas porque não sendo ela mesma e sem intervenções anti-naturais (coisa que somente o homem consegue realizar), sua natureza, nesse caso, é se desconstruir; posto que sua harmonia é em si tão grande, que todas as alterações que nela são feitas, acabam por se transformar numa espécie de desígnio do caos.

“Os poderes são abalados!”

No Apocalipse, a maior parte dos juízos são naturais; e são revoltas dos céus agindo na natureza aquilo que carrega a “ira do Cordeiro”. Daí o Apocalipse ser todo marcado por catástrofes naturais no ar, no mar, nos rios, na vegetação, e mediante catástrofes que sacodem a Terra de seu eixo.

De fato três são as denuncias do Apocalipse: contra os que não adoram ao Cordeiro (antes se entregam aos domínios das Bestas humanas e seus sistemas de domínio e morte), contra os que escravizam e manipulam a alma dos homens, e contra os que destroem a Terra.

O fato é que a “ira do Cordeiro” apenas deixa que os “anjos da natureza” (dos rios, dos mares, do ar, e das vegetações—todas essas menções feitas no próprio texto do Apocalipse), potencializem aquilo que sistematicamente os humanos praticam contra a Natureza; ou, no dizer bíblico mais comum, contra a criação.

Assim, no começo, a desgraça se deflagra a partir da invasão humana da Natureza Proibida. E, no final, é uma espécie de revolta sistêmica e ecológica aquilo que carrega o juízo do Cordeiro sobre a raça humana.

Foi a invasão da Natureza Proibida aquilo que tirou do homem toda a capacidade de ser parte da natureza, posto que uma vez que ele comeu da Natureza Proibida, ele foi tomado pelo surto de, como Deus, não ser parte da Natureza; e, assim, a violentou “de fora”, esquecido de que ele é Natureza também, e depende dela para ser quem é na Terra.

Desse modo, a presente devastação é apenas a manifestação com cara apocalíptica do estender de mão que um dia comeu e interviu na Natureza Proibida.

O tal Conhecimento do Bem e do Mal foi o que nos desconectou do sentido natural da vida.

Desse modo, o comer de uma árvore foi o que nos levou a destruir quase todas elas; assim como foi a invasão da Natureza Proibida aquilo que hoje nos volta como Veto da Natureza contra a presença humana na Terra.

A Natureza está gemendo. Fenômenos como o Tsunami e o Katrina, são apenas os primeiros espasmos de um parto que a Natureza não sabe como evitar, pois, esse filho ela quer abortar.

Jesus chamou isto de “principio das dores”. E, sem dúvida, não havendo um arrependimento em relação a Deus, ao que o homem faz ao homem, e quanto ao que ele mesmo faz à Natureza, o resultado inevitável, sem mão divina, mas apenas como conseqüência do homem ser como ele é —, é o próprio juízo que hoje já todos vislumbram.

Nele, que é o Cordeiro imolado por homens e pala Criação,

Caio

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