PSICOSE: Quando o filho se torna o “falo” da mãe?

Quando falamos em constituição do sujeito na psicose, não estamos falando em déficit, deficiência, falha, incapacidade ou inaptidão, mas estamos falando da relação entre o sujeito e o Outro. Lançarei mão de alguns teóricos da psicanálise para tratar do tema em questão. No texto “Projeto para uma psicologia científica”, Freud fala sobre o desamparo fundamental do bebê, este assim que nasce se depara com esse desamparo, pois depende de um outro para sobreviver. Sendo assim, Freud fala da necessidade de se realizar uma ação específica, tendo em vista que essa ação não pode ser realizada pelo próprio bebê, pois ele precisa de um outro para realizar essa ação. Freud traz a ideia de desamparo fundamental para justificar o fato de que o bebê precisa de um outro para cuidar dele. Na maioria das vezes, essa função é desempenhada pela mãe. Para Lacan, a mãe é o Grande Outro primordial, referenciando o bebê ao Outro da linguagem, dando sentido aos seus sons e gestos, pois falam de uma demanda e apenas assumem valor de mensagem quando um Outro lhe atribui esse sentido. Então, a ação específica trazida por Freud fala exatamente dessa relação de dependência do bebê à leitura e ao desejo do outro. Assim, a partir de Lacan podemos compreender esse sujeito que se constitui a partir do desejo do Grande Outro, um marco na constituição psíquica do sujeito e da sua entrada no campo do simbólico. Freud em seus escritos sobre o narcisismo, fala do lugar do bebê, como “Sua Majestade”, fala esta designada pelos pais. Fala também desse lugar do bebê na economia libidinal, investido pelos pais. Segundo Lacan, isso significa dizer que antes de nascer o bebê já é dito, nomeado por seus pais, que dão ao bebê um determinado lugar simbólico.

Na clínica com os psicóticos é necessário que se atribua a eles uma demanda particular, pois gritos falam de uma demanda própria do sujeito. Segundo Lacan “a fala só é fala na medida em que alguém nela crê” (LACAN, 1953-4 [1983], p.272). É necessário que, para isso sejam atribuídas significações às manifestações do bebê, e assim possam ser articuladas com a demanda desse bebê, para que sejam tomadas pela mãe como uma demanda de amor, já que, segundo Lacan, toda a demanda do sujeito é uma demanda de amor.

É importante compreender o que vem a ser o desejo da mãe segundo Lacan, pois para o bebê tudo passa pelo desejo da mãe. E assim se consolida a tese de Lacan de que todo desejo do sujeito é “desejo do desejo do Grande Outro”. Nesse momento podemos mencionar a “metáfora paterna” que é o significante “Nome do Pai”, que virá em substituição ao significante desejo da mãe, colocando este desejo no inconsciente. Então, essa metáfora paterna, conceito que aparece em decorrência da inscrição no Outro do significante Nome do Pai. Possibilitando o nascimento do sujeito do inconsciente. Em Lacan, o desejo da mãe segue submetido a uma lei do pai. A mãe em decorrência dessa lei, fica privada da criança enquanto objeto que a completava, como tampão da sua falta. O pai entra como terceiro na triangulação. Então, podemos compreender a inscrição do significante do Nome do Pai, como aquele que irá caracterizar a estrutura neurótica. Segundo Nasio:

“Na totalidade dos casos, quer se trate de neurose ou de psicose estamos diante da incapacidade do eu de se defender contra o perigo de uma representação psíquica intolerável. (…) diz respeito a um fragmento de realidade excessivamente investido, ligado à experiência da castração. (…) a castração do Outro, a da mãe.” (NASIO, 1997, p.174).

E quando a inscrição do significante do Nome do Pai vier a faltar? A sua foraclusão define a estrutura psicótica, o significante que fora excluído na psicose. Segundo Lacan, “tudo o que é recusado na ordem simbólica (…) reaparece no real” (LACAN, 1955-6 [1988], p.21). O significante primordial ausente que foi rejeitado é o Nome do Pai. Sem a inscrição do Nome do Pai no Grande Outro (mãe), o sujeito fica acometido por delírios, alucinações, distúrbios da linguagem. O psicótico se torna objeto de gozo desse Outro que lhe invade. Segundo Roudinesco em seu dicionário, foraclusão é :

“Conceito forjado por Jacques Lacan para designar um mecanismo específico da psicose, através do qual se produz a rejeição de um significante fundamental para fora do universo simbólico do sujeito. Quando essa rejeição se produz, o significante é foracluído. Não é integrado no inconsciente, como no recalque, e retorna sob forma alucinatória no real do sujeito. No Brasil também se usam “forclusão”, “repúdio”, “rejeição” e “preclusão”. (ROUDINESCO, 1998, p.245).

Segundo Lacan, o psicótico está inserido na linguagem, no simbólico, mas não no “discurso”, que é a forma de comunicação social inteligível, compreensível para com o outro. Por estar fora do discurso, ele estará fora do simbólico e do imaginário (“fantasia”) ficando à mercê do real.

Freud, em um relato autobiográfico de um caso de paranoia, apresenta o delírio como “auto-recuperação”. Lacan apresenta o conceito de metáfora delirante. Assim o delírio para Lacan ajudaria a reconstruir a realidade. O delírio seria uma suplência ao Nome do Pai, devido a ausência da inscrição do Nome do Pai na psicose, o que difere do neurótico, que por sua vez constrói a realidade através da fantasia pelo simbólico e pelo imaginário. No campo simbólico pela inscrição do Nome do Pai e no campo imaginário pela significação fálica.

O que seria significação fálica? O imaginário da mãe, que antes era realidade através da vinculação simbiótica ao filho (falo da mãe).

Segundo Lacan, na psicose, a metáfora delirante faz às vezes da metáfora paterna que está ausente. O que seria a metáfora delirante? É aquilo que une os três registros, os três elos (Real, Simbólico, e Imaginário), numa tentativa de substituir a metáfora paterna (Nome do Pai, Lei), dando assim uma sustentação provisória ao psicótico.

Para Lacan, anteriormente na década de 1950, o Nome do Pai estava vinculado à metáfora Paterna. Com a pluralização do conceito Lacaniano “Nome do Pai”, esse significante passou a conter os três registros, passando a ser um elo que permitirá a amarração dos três registros: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Lacan assim descreve:

“Quanto àquilo de que se trata, a saber, o atamento do Imaginário, do Simbólico e do Real, é preciso, essa ação suplementar em suma de um toro a mais, aquele cuja consistência seria de referir-se à função dita do Pai.” (LACAN, [1974-5], p.31-2).

Inumerosos são os operadores que fazem a função de atamento do Imaginário, do Simbólico e do Real. A pluralização do significante Nome do Pai destituiu o Édipo. Pois, o Nome do Pai intervém para interditar o falo da mãe, ou seja, o filho. Lançando-o no imaginário. Dissociando do Édipo, a estrutura do nó borromeneano dá aos três registros (Real, Simbólico e Imaginário) o mesmo estatuto em igualdade de condição.

É essa a amarração entre os três registros que situa o sujeito na existência.

Falar em função paterna é falar de nomeação e amarração. Mas, Lacan em sua teoria, também nos traz o conceito de Objeto “a”. No livro 11 Lacan fala sobre aquilo que não pode ser assimilado pela linguagem, ao que não pode ser simbolizado e dessa forma por escapar à simbolização, mas, comportar essa falta se aproxima do Real.

Então, todo sujeito é faltante e terá que lidar com a falta estrutural do Outro. Na clínica, a função paterna é uma operação de suplência à essa falta estrutural do Outro, com a qual temos que conviver pelo simples fato de não conseguirmos simbolizá-la.

Por fim o que seria o sintoma?

O sintoma amarra os três registros na psicose?

Lacan observou que o sintoma é o que o sujeito tem de mais Real, vem do Real através da intervenção do simbólico, amarrando o nó, como um quarto elo, fazendo às vezes de Nome do Pai.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1895a). In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 333-454, v. I.

_________. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (1911). In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 14-89, v. XII.

_________. Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914). In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 75-108, v. XIV.

LACAN, J. O seminário, livro 01: os escritos técnicos de Freud (1953-1954). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1983.

LACAN, J. O seminário, livro 03: as psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988.

LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1955-1956). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

LACAN, J. O seminário, livro 22: R. S. I (1974-1975). Inédito.

NASIO, Juan-David. Lições sobre os 7 conceitos cruciais da psicanálise; tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

ROUDINESCO, E. PLON, M. Dicionário de psicanálise; tradução, Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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Helena Chiappetta
Maria HELENA Barbosa CHIAPPETTA é Psicanalista Clínica pela ABRAPSI. É Psicóloga Clínica (CRP - 02/22041), é também Neuropsicóloga. É Avaliadora Datista CORETEPE (CRTP-1041). Tem Especialização em: Psicanálise, Psicopatologia e Saúde Mental; Terapia Familiar; Arteterapia; Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Ciências da Religião; Licenciatura em Filosofia e em Pedagogia, além do Bacharelado em Teologia. É Bacharelanda em Psicanálise. Atualmente é Docente no SEID Nordeste e SEID Uberlândia. É Professora Convidada no Curso de Formação em Psicanálise da SNTPC. Tem experiência como docente de Hebraico Bíblico, Psicanálise e Teoria Analítica, Educação Religiosa, Artes, Teologia com ênfase em Ciências da Religião Aplicada e Liderança Institucional. Dedica-se ao estudo das neuroses atuais. É colunista deste Portal Folha Gospel. E-mail: helena.chiappetta@icloud.com Instagram profissional: @h.chiappetta
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