O quanto às pessoas conhecem a si mesmas?
Esta pergunta tem no “mundo” sua auto-explicação; pois, o que chamamos de “mundo”, é apenas a soma de todas as nossas ações, omissões, comissões, parcimônias, alienações e realidades interiores; tanto espirituais, quanto mentais, psicológicas, e de qualquer outra forma ou natureza. Ou seja: o mundo somos nós.
Portanto, o mundo é a nossa confissão acerca de nós mesmos; e de nossa incapacidade para o auto-conhecimento; e, também, o mundo é a nossa declaração de que mesmo quem se enxerga tem muita dificuldade para admitir o que vê em si mesmo. Por esta razão, transfere para outro o que é seu. E, assim, mata a si mesmo no sacrifício que faz do outro.
Por isto o mundo é como é; e assim será enquanto nós fomos como somos!
Outra questão é: Quanto estamos dispostos ao auto-conhecimento?
Inicialmente devo dizer que se por “auto” estivermos falando daquilo que supostamente é proveniente de si mesmo, então, tal “auto” seria algo como um outro nome de Deus.
Mas se por “auto” estivermos falando do homem fazer o melhor para si mesmo e dele próprio, então, esse “auto”, pra mim, é ato de morte; pois, somente o suicídio é um “auto” do homem. Sim, o homem ficou livre para morrer.
Assim, não creio em auto-conhecimento; e, portanto, não o recomendo; pois não conheço homem algum que tenha sobrevivido à viagem.
Creio, todavia, na revelação de Deus ao homem, mas tal revelação só não mata quando experimentada na Graça. Fora da consciência da Graça de Deus, até a revelação de Deus mataria — mesmo que tal fosse possível.
Por isto, toda revelação de Deus é ato de toda Graça.
O homem não faz a viagem, e a ela sobrevive, porque a Árvore da qual comeu deu a ele apenas o poder de morrer.
Assim, somente Deus (como se Deus e somente fossem antagônicos) sabe o que é. Por isto, conhecer “É” acontece somente como revelação Daquele que É.
O homem pode conhecer “É”, mas o conhecerá sempre de seu próprio lugar finito; e, assim, fazendo de “É” algo que já não É. Pois o homem não pode conhecer “É” em plenitude enquanto habita a finitude; mas a conhecerá em plenitude quando o que ainda não é em nós, for trocado pelo que já somos; embora, hoje, ainda não sejamos o que Nele já somos; posto que Nele somos, embora ainda não nos tenhamos tornado como Ele é, posto que em parte O vemos e O contemplamos.
Assim, não existe auto-conhecimento possível ou desejável a quem quer que seja. Pois, todo auto-conhecimento é suicídio.
Ou que melhor conhece o homem que o poder da morte?
Fale o mundo acerca disto!
Ora, se deixarmos de falar em “auto-conhecimento”, e passarmos a falar de revelação de Deus ao homem, então creio que a maioria absoluta também não deseja ter tal experiência.
Auto-conhecimento é algo que intrinsecamente fala ao homem de sua própria morte!
Por isto, todos fogem de todo verdadeiro auto-conhecimento enquanto temem morrer!
Somente quando se perde o medo da morte é que se pode ter a coragem em fé de se abismar no mergulho!
Uns, entretanto, negam ter tal escolha, em razão de que se escondem sob mantos de superficialidade. Eles até entendem, mas temem entender isso de vez — e, assim, ficarem sem alternativa ao salto no abismo. Então fogem de qualquer conhecimento que induza ao encontro com a pessoa cada vez mais real que existe em nós; mas que em geral não conhecemos.
Assim, também creio em auto-engano. Pois engano e morte são gêmeos. Assim como verdade e vida são gêmeos também.
Mas para um ser que foge da revelação e, em contra-partida, busca auto-conhecimento — toda presunção de real percepção já é engano essencial!
Por isto, no que tange ao homem, creio apenas em auto-morte!
Mas será que creio nisto de modo absoluto?
Na realidade creio que não. Afinal, o Apocalipse nos ensina que há dias que escurecem o sol, e nos quais os porões dos abismos espirituais se abrem, e dele saem seres híbridos, todos oriundos da Terra; os quais recebem o poder de atormentarem os homens, sem, entretanto, matá-los. Assim, os homens recebem o pior de todos os venenos, que é a incapacidade de morrer quando bem o desejem. A supressão da capacidade de morrer é uma indizível angustia para todo aquele para quem existir é algo sentido como sendo pior que a morte.
Ora, esse estado de não poder morrer, gera um ardente desejo de morrer. Assim, anuncia-se um tempo no qual nem mais morrer os homens conseguem. E isto é inferno!
Assim, quando se fala de auto-conhecimento o homem sabe tratar-se de algo que ele só pode conhecer como morte. Mas como existir ainda não lhe é pior que a morte, então, engana-se “existindo”, porém sem vida. Entretanto, quando lhe chegar o Dia, então saberá que era morte o que conhecia e não sabia; pois, nesse dia, o homem saberá para si mesmo, em vida, o que é morte — quando a buscar para fugir da existência e não a encontrar.
Esse é Dia do mais profundo auto-conhecimento. Sim, o dia em que até a morte foge dos homens sem permissão para morrer; e sem o poder de viver.
Mas a revelação não é como o é o auto-conhecimento; pois, pelo auto-conhecimento se conhece a morte; para, daí para frente, ela fugir de nós, sem que nós possamos alcançá-la a fim de nos livrarmos da angustia de saber disso; pois é somente até aí que leva o auto-conhecimento do homem.
A vida, portanto, não habita o auto-conhecimento; pois ela é habitada pela revelação.
Pelo auto-conhecimento se encontra neurose, paranóia, medos e fobias. Pela revelação, entretanto, se encontra o amor de Deus, onde não existe neurose, paranóia, fobia e medo; posto que o verdadeiro amor lança fora o medo. E do medo essencial todas as desgraças nasceram e nascem.
Somente na experiência do amor de Deus é que todo conhecimento que tenhamos de nós mesmos não nos fará mal; até à loucura; o que é mais angustioso que morrer.
Portanto, o que se deve buscar não é auto-conhecimento, mas sim conhecimento de Deus; posto que somente em Deus eu posso me conhecer sem que isto me seja loucura ou morte, mas vida, alegria e paz — pois somente na Graça de Deus o homem conhece a si mesmo e deseja ardente viver.
Nele, que é,
Caio