Na Bíblia, no livro sagrado dos cristãos, está bem escrito: “… O que Deus uniu o homem não separa”. Na vida, a história nem sempre é assim que termina. Até mesmo para quem tem a missão na vida de lembrar que o casamento é uma união sagrada e, de preferência, indissolúvel, a idéia do amor eterno ‘até que a morte nos separe’ nem sempre dá certo.
A população evangélica, por exemplo, conhecida por conceitos mais radicais e tradicionais em relação aos preceitos bíblicos, começa a repensar o assunto em relação aos seus próprios pastores. Isso mesmo. Nesse início de um novo milênio, mesmo sem números oficiais, são cada vez mais comuns pastores divorciados e que, sem problemas e com argumentos, lembram que casamento é algo que pode, sim, durar para sempre, mesmo que isso não tenha acontecido com eles próprios.
Algo tranqüilo para alguns? Nem todos. O assunto ainda também é tabu. Parte da própria igreja evangélica condena a idéia de pastores divorciados e nem pensa duas vezes sobre o assunto; ao contrário, é bem enfática: pastores divorciados ou que pretendam se separar precisam decidir se preferem o divórcio ou a vida de missionário.
Na verdade, o que primeiro causa questionamentos é a idéia de que: será que um pastor divorciado estaria preparado para aconselhar famílias, casais, falar sobre a indissolubilidade do casamento? Os próprios evangélicos têm opiniões distintas. Se eles tiverem argumentos de que a separação foi o único caminho (como a traição do parceiro, por exemplo) ou de que não conheciam profundamente os conceitos bíblicos para superar as crises da união, tudo bem. Por outro lado, uma parte dos cristãos evangélicos acredita que não há desculpa para o divórcio. Quem orienta ‘ovelhas’ não tem a chance de dar o ‘mau-exemplo’.
Nessa polêmica, a própria Bíblia entra em campo como argumento de opiniões dos favoráveis e dos, totalmente, contrários à idéia de que o divórcio pode ser algo permitido, sim, até mesmo para os pastores das igrejas evangélicas. Citações ajudam a reforçar a idéia de que quem resolve casar é porque ama o companheiro e assim precisa encarar tudo para continuar junto sempre. Mais à frente, há quem garanta que a própria Bíblia é bem clara: houve traição, separar é permitido, sim. Até porque todo mundo tem o direito de ser feliz, não é mesmo? Agora, se for feliz e bem casado, melhor ainda.
A polêmica em torno do tema parece estar bem longe de acabar. Enquanto não se chega a um consenso, cada um defende a sua própria visão, e como não cabe a ninguém julgar, conforme está escrito na Bíblia, o melhor mesmo é aceitar que os tempos mudaram.
Separados, eles encontram novo amor
Quando começou a freqüentar a Igreja Batista, o agora pastor Luís Paulino de Melo Pinheiro já estava divorciado. Hoje, começa a se preparar para um novo casamento. Todo o período dentro da igreja, a formação evangélica e os conhecimentos da Bíblia, diz ele, ajudaram a entender que estar casado faz parte dos planos de Deus. Ou seja, se o primeiro não deu certo, é uma pena. “O casamento é uma instituição de vida. Quando Deus fez o homem viu que ele não poderia ficar sozinho e criou a mulher. Hoje, ainda não estou casado, mas no próximo ano estarei casado de novo”, diz ele, que preside o Ministério Resgatando Vidas na Primeira Igreja Batista.
Pastor e divorciado, Luís diz que boa parte dos evangélicos, na verdade, não vê qualquer problema em entender o divórcio, quando ele realmente parece ser a única saída para um casal. “O casamento é indissolúvel quando feito no Senhor, quando há uma aprovação divina. O relacionamento de um casamento é algo muito bom, mas se não houver confiança, fica difícil”, ressalta, garantindo que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito ou discriminação por atuar como pastor e ao mesmo tempo estar fora de um casamento.
Pastor Luís, que também é professor em Teologia e Hermenêutica, expõe alguns trechos da Bíblia que falam sobre o casamento e até mesmo sobre a possibilidade do divórcio, se houver traição do companheiro. “Sou contra a idéia de quem se casa já pensando em se divorciar, mas quando você vive com uma pessoa e quando há a traição, não só nos atos, como na consciência, aí acredito que todos merecem ser felizes. Se não existe amor, para que o casamento continuar? A Bíblia diz que o divórcio pode existir se houver caso de infidelidade conjugal. Se alguém não foi feliz com uma pessoa, tem que se dar a chance de ser feliz com uma outra”, reforça.
Na opinião do pastor, se o divórcio é permitido, isso não quer dizer que a opção por se manter assim – fora do casamento – deve ser encarada da mesma forma. E isso vale para qualquer um, diz ele. Se um pastor resolver se manter solteiro – ou divorciado – por exemplo? “Aí ele estará na solidão. Eu vou ficar só por quê? É importante que o pastor divorciado case novamente, porque casado ele está reestruturando sua família, deletando lembranças tristes do passado”, responde, fazendo questão de ressaltar que, mesmo na missão de pastor, é importante que a família também esteja em primeiro lugar. “Nas minhas palestras, digo para os jovens que a família deve ocupar o primeiro lugar na vida de um pastor. Se para ele a igreja é prioridade, está errado, porque a família é uma bênção de Deus”.
Número de separações vem aumentando
De acordo com o IBGE, dados do Registro Civil no Brasil relativos a 2004 mostram que o número de separações judiciais e divórcios vem aumentando gradativamente na Paraíba. De 1993 a 2003, o volume de separações subiu de 793 para 1.058, reduzindo um pouco em 2004, chegando a 1.010. O número de divórcios também cresceu em uma década, passou de 2.009, em 1993, para 2.635, em 2003. Apenas em 2004, houve uma redução, passando de 2004 para 2.601.
Mas, se o divórcio é algo permitido e possível para todos, para alguns pastores evangélicos, divórcio significa abrir, literalmente, mão do trabalho de missionário. “Na nossa igreja há algumas divergências de opiniões, mas, na nossa doutrina, só existe um pensamento: a de que o divórcio não deve existir. Zelamos por isso. Divórcio para pastores, a gente não aceita”, diz o pastor Rosildo Ferreira, da Assembléia de Deus de Missões de João Pessoa.
Uma opinião pra lá de radical? Não mesmo, garante o pastor. O divórcio pode até existir entre os membros da igreja, mas para quem tem a missão de ser um orientador da igreja, não justifica. “Seria algo muito constrangedor. Como é que aquele pastor vai ensinar suas ovelhas, que exemplo ele vai ensinar?”, questiona.
Segundo o pastor, na Bíblia também está lá: “O que Deus une, o homem não separa”. Portanto, divórcio não é visto com bons olhos nem mesmo entre os integrantes da igreja, mas nesse caso pode acontecer. Já para quem atua como pastor, nem pensar. E se ele estiver extremamente infeliz com o casamento? “Aí ele vai ter que escolher, até porque ele precisa ser feliz. Mas ele vai ter que abrir mão do pastorado”, reforça.
Homens e mulheres enfrentam dificuldades
Se para algumas igrejas, trabalhar como pastor e ser divorciado é algo, no mínimo, complicado, imagine ser uma mulher pastora e também divorciada. A pastora da Primeira Igreja Batista de João Pessoa, Suênia Marques, sabe bem o que é isso. Ela, que foi a primeira mulher a assumir a liderança de uma igreja Batista na Paraíba, diz que mesmo com um pensamento mais aberto dos membros da Batista, no início teve que conviver com um pouco de desconfiança por parte das suas ‘ovelhas’. “Há sempre um pouco de preconceito. Tanto por ser mulher quanto pelo divórcio. Na igreja em que era missionária, a maioria dos membros era de mulheres; percebia que elas se sentiam um pouco enciumadas, como se questionassem algo do tipo: será que uma pessoa divorciada pode orientar um casal? Por outro lado, encontrei respaldo para falar sobre o meu divórcio. Eu era muito jovem, imatura e não conhecia o que dizia o evangelho”, conta ela, ressaltando que, se fosse diferente, talvez a separação não tivesse acontecido.
Hoje – ela que começou a trabalhar como pastora em 1998 e que fundou uma igreja Batista no bairro de Mangabeira – casou novamente e se diz muito feliz. “O divórcio traz muitas dificuldades e também uma certa paz. No meu caso, trouxe essa paz. Se eu não tivesse me divorciado, talvez não tivesse me dedicado tanto à palavra de Deus”, conclui.
Fonte: Jornal da Paraíba