O Vaticano apresentou hoje o documento do Papa Bento XVI que facilita a celebração da missa em latim, junto com uma carta do Pontífice ressaltando que o missal saído do Concílio Vaticano II “permanece” como a forma “normal” da liturgia, e que o tridentino é “extraordinário”.

Bento XVI afirmou que a missa em latim segundo o rito tridentino nunca foi juridicamente suspensa e sempre esteve permitida, e que, nestes anos, muitas pessoas e movimentos – como o do cismático arcebispo Marcel Lefebvre – permaneciam ligadas à mesma.

Por isso, ressaltou o Papa, havia a necessidade de um regulamento mais claro para chegar também a “uma reconciliação interna na Igreja”.

Com essas palavras, segundo observadores vaticanos, o Papa estendeu a mão ao movimento cismático do falecido arcebispo francês, ferrenho defensor da tradição e da liturgia tridentina, que o Concílio Vaticano II não reconhece.

“Trata-se de chegar a uma reconciliação interna no seio da Igreja. Olhando para trás, há a impressão de que, em momentos críticos nos quais a divisão surgia, os responsáveis da Igreja não fizeram o suficiente para conservar ou conquistar a reconciliação e a unidade”, afirma a carta.

“Esse olhar nos impõe hoje uma obrigação: fazer todos os esforços para que seja possível a todos aqueles que têm verdadeiro desejo de unidade”, escreveu o Papa.

Bento XVI reconhece que, embora a “fidelidade” ao missal em latim seja o “distintivo externo”, as razões da ruptura “são mais profundas”.

O desejo de unidade levou o Papa a preparar o “motu proprio” – documento que o Pontífice escreve por iniciativa própria – “Summorum Pontificum” sobre o uso da liturgia romana anterior à reforma de 1970, ou seja, o missal promulgado por João XXIII em 1962, poucos meses antes do começo do Concílio Vaticano II e que ainda contemplava a missa de São Pio V, conhecida como tridentina.

O Papa manifestou na carta, dirigida aos bispos, que o documento – escrito em latim e traduzido para as principais línguas – é fruto de “longas reflexões, múltiplas consultas e de oração”, e lamentou que “notícias e julgamentos sem informação suficiente tenham criado confusão”.

Bento XVI acrescentou que, nestes meses, as reações foram divergentes, incluindo a “aceitação de uma oposição dura a um documento desconhecido”, em referência às criticas de que era anti-semita e significava uma volta atrás no caminho aberto pelo Concílio Vaticano II.

O Pontífice ressaltou que o “temor de que se menospreze e se coloque em dúvida” a autoridade do Concílio Vaticano II não existe, já que o missal publicado por Paulo VI em 1970 “obviamente é, e permanece, a norma formal da liturgia ordinária”, e o de 1962 é a “extraordinária”.

“Trata-se de um duplo uso do mesmo e único rito”, afirmou o Papa.

O rito de São Pio V pode ser utilizado em qualquer dia do ano, menos durante o Tríduo Pascal (Semana Santa).

Quando for uma missa sem a presença de fiéis, o sacerdote não precisa de nenhuma permissão para celebrá-la.

Os párocos devem aceitar “de boa vontade” a realização da missa em latim quando for solicitada por um grupo estável de fiéis. Será possível celebrar em qualquer dia da semana e criar paróquias “tradicionalistas”.

Também haverá a possibilidade de realizar casamentos, funeral, batismo, unção de doentes, penitência e todos os sacramentos através desse rito.

O “motu proprio” não especifica a orientação de quem celebra a missa – no tridentino, o sacerdote fica de costas para os fiéis e, após o Concílio Vaticano II, se impôs o contrário -, por isso o Papa deixa liberdade de escolha ao sacerdote, que pode usar o velho rito de frente para os presentes.

Se algum pároco colocar impedimentos à missa em latim, os fiéis poderão reclamar ao bispo, que deverá “satisfazer” o desejo.

O documento entrará em vigor em 14 de setembro deste ano.

Bento XVI pediu aos bispos que, dentro de três anos, mandem um relatório para saber como foi a medida e afirmou que, “se aparecerem dificuldades sérias, serão buscadas soluções”.

O Concílio Vaticano II (1963-1965) introduziu o “Novus ordo missae”, uma nova forma de celebrar a missa, que permitia a realização da mesma nos diferentes idiomas e representou a decadência da missa em latim.

Em 1982, João Paulo II decretou que, para oficiar uma missa pelo rito tridentino, era preciso recolher assinaturas e pedir permissão ao bispo da diocese, que podia negar o pedido.

Nestes anos, escreveu hoje Bento XVI, muitos fiéis familiarizados com a missa em latim e que aceitaram o Concílio Vaticano II queriam voltar a celebrá-la, ao ver que, em muitos lugares, a missa não era feita de forma fiel ao novo missal, “chegando freqüentemente a deformações da liturgia ao limite do suportável”.

O Papa diz que fala “por experiência”, porque ele também viveu “aquele período, com todas suas expectativas e confusões”.

Fonte: Último Segundo

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