As mulheres espanholas poderão decidir por si mesmas durante as 14 primeiras semanas de gravidez se desejam ser mães ou não. Sem tutela. Um Senado de maioria conservadora aprovou de forma definitiva a reforma legal do aborto, introduzindo no país um sistema de prazos que já funciona em quase toda a Europa.

Depois de aproximadamente dois anos de duras negociações e um debate encarniçado na mídia, o governo conseguiu que seu texto fosse aprovado como havia saído do Congresso dos Deputados, com 132 votos a favor, 126 contra e 1 abstenção. Só foi rejeitado pelo Partido Popular (PP, conservador), o União do Povo Navarro (UPN, conservadores que governam Navarra com apoio socialista) e o Partido Aragonês (regionalista). Os representantes da Coalizão Canária (CC, nacionalista de centro-direita) e Convergência e União (CiU, direita nacionalista catalã), com liberdade de voto, se dividiram.

A nova Lei de Saúde Sexual e Reprodutiva e de Interrupção Voluntária da Gravidez, que será publicada no Boletim Oficial do Estado nos próximos dias e entrará em vigor dentro de quatro meses – durante os quais serão feitos os desenvolvimentos regulamentares necessários -, chega 25 anos depois da primeira descriminalização do aborto na Espanha democrática. A norma de 1985 o permitia só em três casos estritos (violação, malformação fetal e grave risco para a vida ou a saúde física ou psíquica da mulher), que acabaram sendo interpretados de forma muito ampla e com poucas garantias para as mulheres e para os profissionais de saúde. Tratava-se de uma lei que, nas palavras do Conselho do Estado, era preciso “adaptar” à realidade, “porque nada é mais contrário a um Estado de direito que o divórcio radical entre as normas e sua aplicação”.

A aprovação definitiva da norma serviu para os socialistas como ato de reivindicação da ministra da Igualdade, Bibiana Aído, promotora do projeto e “transformada na pessoa mais insultada de um governo democrático”, nas palavras da senadora Leire Pajín, que estreou na quarta-feira no Senado (depois do boicote durante meses do PP a sua nomeação como senadora autonômica pela Comunidade Valenciana) com a defesa desse projeto de lei (muito oportunamente vestida com um blazer vermelho). A ministra da Saúde, Trinidad Jiménez, e o titular da Justiça, Francisco Caamaño, também agradeceram a Aído sua coragem diante dos “embates” que suportou durante o último ano e meio.

Foi uma lei de parto difícil. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, no governo), que incluía a reforma do aborto em seu programa eleitoral de 2004, a esqueceu em 2008, exceto por uma menção à necessidade de iniciar um debate social sobre o tema. De fato, houve debate.

Pela manhã o Senado rejeitou os três vetos que haviam sido apresentados à lei, um do PP, outro do UPN e um terceiro de um senador do União (partido democrata cristão da coalizão catalã CiU). À tarde foram votadas as 88 emendas apresentadas. Nenhuma prosperou. O senador socialista Roberto Lertxundi agradeceu em sua intervenção as contribuições dos grupos e afirmou que o conteúdo de algumas dessas emendas seria levado em conta no desenvolvimento regulamentar da norma. O que o governo e o grupo socialista queriam evitar na medida do possível é que a aprovação de alguma emenda tornasse necessário devolver a lei ao Congresso.

Fonte: El Pais

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