Numa minúscula cidade de Santa Catarina, um grupo de católicos fervorosos tomou a liberdade de escrever uma carta ao papa Bento XVI solicitando a mudança de regras históricas da Igreja.
São três os pontos principais: que os padres possam se casar, que as mulheres tenham permissão para exercer o sacerdócio e que os divorciados que se casaram de novo tenham direito à hóstia.
A ousada missiva demorou para ficar pronta. No salão paroquial da igreja de Luzerna, cidade de 5 mil habitantes, 110 homens e mulheres se reuniram nos fins de semana de agosto e setembro para discutir o documento, cada vírgula, cada argumento.
Esse grupo inclui um homem que largou a vida religiosa para se casar e uma mulher que deseja virar sacerdotisa. Recentemente, numa missa, eles se recusaram a receber as hóstias para protestar contra o fato de os casais católicos de segunda união não poderem comungar.
Assim como essas atitudes, nenhuma das três reivindicações é vista com bons olhos pelo Vaticano. Por isso, os encontros para a redação da carta se deram quase na clandestinidade. O padre local apoiou. Mas o bispo responsável pela região nem sequer imagina que idéias tão liberais estão brotando sob seus domínios.
Fiéis piedosos, eles deixam transparecer uma ponta de receio. “Nós ficamos preocupados com a reação que pode vir lá de cima”, admite Maria Aparecida Patzlaff, de 45 anos. “E se formos excomungados?”, aventa Lurdes Brunetta Cureau, de 64.
Cada um dos 110 leigos deixou a assinatura na carta que, como frisa o envelope, deverá ser entregue a Bento XVI “em mãos”. Um portador viajará ao Vaticano para tentar fazer com que isso realmente ocorra.
Esses catarinenses acreditam que a Igreja precisa mudar suas regras para estancar a perda de fiéis e sacerdotes. Na carta, apresentam estatísticas sobre a crescente debilidade da Igreja Católica no Brasil.
Gilmar Bilibio, de 48 anos, por exemplo, já recebeu inúmeros convites para aderir a igrejas evangélicas, com o tentador argumento de que lá não será discriminado por ser um divorciado que se casou de novo. “Continuo católico, porque Deus é um só. Mas é ruim ir à igreja e não poder me encontrar com Jesus na comunhão”, diz ele, um dos 110 signatários.
Do grupo de Luzerna, talvez a mais audaciosa seja Maria Aparecida. Casada e com três filhos, ela revela ter vocação para o sacerdócio. “Se for preciso, curso o seminário.” De longe, o frei David Santos, pároco de Luzerna, apóia seu rebanho. “Estou muito orgulhoso. Eu ficaria preocupado se fossem omissos na luta por uma Igreja melhor.”
Fonte: Estadão