Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo
Recentemente, um grupo de pesquisadores se debruçou sobre a origem dos dados que afirmam que o Brasil é o país que mais mata gays, lésbicas e travestis no mundo e que a cada 19 horas, um LGBT é assassinado ou comete suicídio.
O resultado da análise chegou à conclusão de que os dados originais são exagerados.
Há quase quatro décadas, o Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado pelo historiador Luiz Mott em 1980, desenvolve um levantamento de dados independente que tem sido tratado como fonte de um número oficial pela imprensa e órgãos nacionais e internacionais como a Anistia Internacional e a ONU.
A estatística anual de mortes violentas por homofobia do GGB já apareceu em publicações como O Globo, Estadão, Folha de São Paulo, Gazeta do Povo, Reuters, BBC, NPR, The New York Times (que, com base nela, disse que o Brasil passa por uma epidemia de violência antigay), entre outras.
Segundo o estudo, apenas 9% do total pode ser considerado confiável. Ou seja: de 347 casos citados em um estudo específico, apenas 31 casos indiscutivelmente relacionados à violência contra homossexuais e travestis.
Casos duplicados
“Para descobrir até onde vai a imprecisão, nós refizemos todo o trabalho do GGB referente ao ano de 2016, checando todos os dados colhidos pelo grupo”, informa o estudo, liderado pelo pesquisador mineiro Eli Vieira, biólogo de 32 anos, mestre em genética e biologia molecular, com doutorado em genética pela Universidade Cambridge, na Inglaterra.
Eli Vieira, que é homossexual, ficou famoso em 2013, quando questionou em vídeo uma afirmação dada pelo pastor Silas Malafaia, a de que boa parte dos homossexuais tinha histórico de abuso na infância.
“Descobrimos que o banco de dados de vítimas da homofobia em 2016 no Brasil do GGB sofre de graves problemas de rigor”, o estudo prossegue. “Apesar do relatório se referir ao Brasil, estão incluídos seis casos de mortes no exterior. Há alguns casos duplicados. Em alguns casos descobrimos uma leitura incompleta do relato jornalístico: por exemplo, um casal heterossexual supostamente viciado em drogas foi assassinado por um traficante no Ceará. Aparentemente, o caso foi incluído pelo GGB somente porque a manchete omitiu o sexo da mulher, dando a entender erroneamente que poderia ser um casal gay”.
O Brasil não tem um levantamento oficial de violência contra LGBT. Além disso, nem 10% dos casos de homicídio do país são solucionados, o que dificulta identificar as causas de cada assassinato. Por isso, grupos de militantes se organizam para apurar estatísticas, com base nas notícias de jornais. O resultado, segundo Eli Vieira, é exagerado.
“No estudo de 2016”, ele afirma em entrevista à Gazeta do Povo, “encontramos 31 casos em que um LGBT morreu por ser LGBT no Brasil. É uma amostragem muito baixa, não permite fazer comparações rigorosas. Na verdade, não sabemos nada sobre a violência contra essas pessoas. Não podemos sequer fazer comparações com outros países. Tudo o que podemos afirmar é que problema existe, mas é menor do que afirma o GGB”.
Imprensa em crise
O pesquisador afirma que, na falta de dados confiáveis, só se pode especular. “Se é possível afirmar que o Brasil é excepcional na violência contra algum grupo LGBT, eu diria que provavelmente é contra as transexuais. Existem casos de mortes com dezenas de facadas, são pessoas que passam vários minutos atacando um corpo já morto. É muita motivação da parte do assassino”.
Para Eli Vieira, os pesquisadores que fazem esses estudos não aplicam conhecimentos mínimos de estatística. “A maioria vem da área de humanidades, onde, no Brasil, o ensino e a aplicação de estatística são deficientes. Além disso, existe um tribalismo político envolvido, há mais interesse em contrariar a vertente oposta do que em buscar a verdade”.
Isso tudo leva, diz o pesquisador, a um raciocínio circular: “Incluem casos incertos nos dados porque a homofobia é estrutural. E dizem em documento escrito em parceria com o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos em 2018 (quando ainda era chamado apenas de Ministério dos Direitos Humanos), que a homofobia é estrutural porque os dados deles mostram isso”.
Para o pesquisador, a facilidade com que a imprensa aceita esse tipo de relatório é sinal de falta de qualidade no trabalho. “O próprio fato de estarem surgindo agências de checagem indica que a imprensa está em crise. Afinal, a checagem correta de fatos deveria estar na base de todas as reportagens.”
Aliás, duas agências de checagem, a Pública e a Lupa, já se debruçaram sobre os mesmos dados e concluíram que não é possível, com base neles, afirmar que o Brasil é o país que mais mata LGBT.
“Como seríamos o país que mais mata se existem lugares onde homossexualidade é crime punido com pena de morte?”, questiona o pesquisador.
Fonte: Gazeta do Povo