Frente do Conselho Tutelar em Osasco
Frente do Conselho Tutelar em Osasco

Thaiza Pauluze
Folha de S. Paulo

Responsáveis por zelar pelos direitos de crianças e adolescentes, Conselhos Tutelares estão tendo neste domingo (6) eleições pelo país permeadas por disputas ideológicas entre evangélicos, católicos, entidades progressistas e partidos políticos. 

Esta será a segunda vez em que há eleição direta e unificada para os postos. A primeira foi em 2015. A nova regra também possibilitou que os conselheiros possam se candidatar quantas vezes quiserem. Antes, era previsto um mandato de quatro anos com apenas uma recondução.

Criados pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em 1990, os Conselhos Tutelares são órgãos autônomos responsáveis por receber denúncias de violações de direitos e notificar o Ministério Público e o Judiciário, solicitar a troca de guarda familiar, fiscalizar e articular políticas públicas para menores, entre outras coisas. 

Em cada município há ao menos um conselho, composto de cinco membros eleitos e cinco suplentes. Os salários podem chegar a R$ 4.000.

Para concorrer à vaga, basta morar na cidade, ter mais de 21 anos e reconhecida idoneidade moral. Alguns municípios, porém, exigem curso superior ou experiência no atendimento a crianças e adolescentes, além de submeter os candidatos a testes. O próximo mandato é de 2020 a 2024. 

Para votar, basta ter o título eleitoral em dia. Mas, como o voto é facultativo, têm vantagem candidatos apoiados por organizações capazes de mobilizar eleitores, como igrejas. Segundo o Datafolha, 51% dos brasileiros se dizem católicos e 32%, evangélicos. 

Entidades ouvidas pela Folha de S. Paulo dizem que, embora organizações religiosas tenham sempre participado das eleições, o fenômeno vem se intensificando à medida que igrejas evangélicas expandem sua atuação política e ocupam espaços em órgãos públicos.

Muitos candidatos também encaram a cadeira como um trampolim para disputar outras eleições no futuro, principalmente para vereador.

Mas, embora não haja dados sobre a presença de religiosos nos conselhos hoje, pipocam candidatos que se apresentam como pastores e padres e citam passagens bíblicas nas redes sociais. 

Um exemplo é o pastor Noel José Pereira, da Igreja Batista Monte Calvário, em Santópolis do Aguapeí (SP). Ele, que tenta reeleição, se diz contra a “ideologia de gênero, aborto, legalização das drogas, destruição dos valores da família, doutrinação nas escolas e ofensas religiosas”. 

A publicação, compartilhada pelo pastor Noel, foi feita pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), que tem publicado pedidos como “procure um candidato evangélico no seu bairro, alinhado aos valores da família”. 

O site Conselheiro do Bem divulga nomes ligados à Igreja Universal do Reino de Deus “SUGERIDOS”, em letra maiúscula, para o pleito de domingo na cidade de São Paulo.

A igreja também vem publicando em seu site artigos sobre o tema, como um intitulado “Conselho Tutelar: é nosso dever participar”.

O texto exorta os fiéis a votarem em candidatos “com valores e princípios e que, acima de tudo, tenham compromisso com Deus”. Mas vale observar, segue o site, que os membros “devem atender a todas as demandas que surgem, sem discriminar a etnia, a opção de gênero ou grupo econômico da criança”.

Marcos Xavier concorre pela primeira vez a uma vaga de conselheiro titular em Samambaia, cidade satélite de Brasília, com o slogan “pastor Marcos, em favor da família”. Ele ministra cultos na Assembleia de Deus há dez anos. 

Entre suas propostas, está a de fiscalizar o plano de ensino dos colégios. Ele explica: “É que tentaram implementar a ‘ideologia de gênero’ nas escolas públicas —uma das principais bandeiras da bancada religiosa no Congresso. Estão ensinando sexualidade, que uma criança de 6 anos tem direito de escolher se quer ser homem, mulher. Isso meus princípios não aceitam”, diz.

Em casos de denúncias de homofobia, no entanto, o pastor diz que não deixaria de atuar. “Sou contra todo tipo de discriminação, bullying. Tem que respeitar, mesmo eu não sendo obrigado a concordar.” O STF (Supremo Tribunal Federal) equiparou a homofobia ao crime de racismo.

Se eleito, o pastor também pretende “dar assistência religiosa às famílias”. É que, em alguns casos, diz, “os problemas nos lares são espirituais. Não precisa de ajuda psicológica, nem social, às vezes tá precisando simplesmente de uma oração, a palavra de Deus”.

Recém-graduado em direito, o empresário de construção civil Marcos diz que sua atuação na igreja o gabarita para trabalhar com crianças e adolescentes. “Estou sempre em contato com as crianças, orientando, ensinando.”

Também faz trabalho voluntário com a esposa. “Levamos doações de lanche, oferecemos reforço escolar, lazer.”

Indagado se há apoio da Assembleia de Deus para sua candidatura, Marcos lembra que a lei eleitoral proíbe a campanha dentro das igrejas.

“Mas o pastor ali pode falar seu nome, que você é candidato. Não você ir lá pessoalmente. Tenho andando nas igrejas, me apresentando”, diz.

No Rio, o Ministério Público investiga a atuação de milicianos e grupos religiosos nas eleições. Em uma das reclamações, um candidato apoiado por um vereador estaria oferecendo cestas básicas em troca de votos na zona norte.

Em São Paulo, maior cidade do país, serão eleitos 260 titulares com seus suplentes, para atuar em 52 conselhos. Neste ano, uma das regras é a exigência de experiência no tema. Mais de cem candidatos foram barrados por apresentar como comprovação apenas a atuação em uma igreja. Alguns conseguiram liminar autorizando a participação. 

Católicos nos conselhos tutelares

Com a ascensão do número de evangélicos disputando o pleito, a Igreja Católica também faz a sua ofensiva.

Em carta, o bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, dom Devair Araújo da Fonseca, afirma que “infelizmente a participação da Igreja Católica nestes conselhos é baixa”. 

A maioria das vagas, continua, “são ocupadas pelos nossos irmãos evangélicos”.

Por isso, foram identificados candidatos que se apresentam como católicos e conclama apoio a tais postulantes. 

“Pedimos que se abra espaço para que se apresentem à comunidade”, diz. “Encaminho cartazes informativos que devem ser fixados em lugares visíveis para informar aos paroquianos, alunos, familiares, agentes de pastorais… da importância da participação neste processo de escolha.” 

Também no site da arquidiocese, Sueli Camargo, coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor paulista, conclama os católicos a participarem da eleição sem citar os evangélicos. 

“Se nós, enquanto cristãos conscientes, responsáveis e sabedores da importância desses conselhos, nos ausentamos dessa participação, outras pessoas com interesses nem sempre legítimos se ocuparão dessa função.”

No outro flanco, dos candidatos à esquerda, há campanha por um “Conselho Tutelar laico”, que pede votos em candidatos que não queiram transformar o órgão num “espaço de evangelização”.

A ofensiva também preocupa entidades de defesa de direitos de crianças e adolescentes e o Judiciário, temerosos de que os órgãos passem a ser aparelhados por instâncias religiosas e legendas políticas.

A princípio, não há irregularidade em candidaturas de religiosos, afirma o juiz da Vara da Infância e da Juventude, Iberê de Castro Dias. “O que não pode é o conselheiro se valer da sua crença religiosa para decidir se vai ou não respaldar o direito de uma criança previsto em lei”, diz. 

Ele cita a obrigatoriedade de vacinar prevista no ECA. “Se um conselheiro segue uma religião que é contra vacinação, ele não pode deixar de relatar que os pais foram omissos em não vacinar uma criança.” 

Outras hipóteses: “um conselheiro não pode achar que é necessário o acolhimento de uma criança por ela ser cuidada por um casal gay” nem se recusar a proteger crianças discriminadas por serem de religiões afro-brasileiras. 

Caso se comprove que descumpriram as funções, os conselheiros podem sofrer sanções e até perder o cargo, embora a punição seja rara.

Fonte: Folha de S. Paulo

Comentários