Xi Jinping, presidente da China
Xi Jinping, presidente da China

Ao longo dos últimos dois anos, os cerca de 60 milhões de cristãos da China têm sentido o poder de um novo e assertivo governo ávido por fazer sua fé se ajoelhar.

As autoridades demoliram centenas de igrejas protestantes, derrubando cruzes de campanários e expulsando as congregações.

Católicos sofreram medidas similares, mas o governo chinês adotou uma abordagem diferente no fim de setembro, firmando um acordo diplomático qualificado por funcionários do Vaticano como uma conquista histórica: o primeiro reconhecimento formal de Pequim da autoridade do papa sobre as igrejas católicas na China.

Mas, com a medida, Pequim parece ter o mesmo objetivo por trás das demolições de igrejas: maior controle sobre a veloz disseminação do cristianismo.

“Estamos em um momento decisivo”, afirmou Ying Fuk-tsang, diretor da escola de estudos religiosos da Universidade Chinesa de Hong Kong. “A atual administração entende que o governo foi muito frouxo no passado, e agora pretende aumentar a pressão.”

No acordo, o papa Francisco reconhece a legitimidade de sete bispos nomeados por Pequim, em troca de um poder de decisão sobre como os futuros bispos chineses serão escolhidos.

O Partido Comunista considera a concessão mútua em relação ao Vaticano como um passo na direção da eliminação de igrejas clandestinas, onde há várias gerações os católicos que se recusam a reconhecer a autoridade do partido se reúnem para rezar. Com o reconhecimento do papa a todos os bispos e membros do clero das igrejas católicas oficiais, a igreja clandestina pode perder a razão de existir.

A manobra é parte de uma iniciativa mais ampla do governo de impor sua autoridade em todos os aspectos da sociedade, em curso desde que Xi Jinping assumiu o poder como líder do partido, em 2012.

Xi tem comandado um vasto combate à corrupção, às organizações cívicas e ao jornalismo independente, mas sua abordagem em relação à religião tem sido mais seletiva.

Com muitos chineses em busca de valores e tradições em meio ao confuso e caótico período de mudanças econômicas, Xi tem encorajado o crescimento de algumas religiões, como budismo e taoismo, enquanto toma medidas para garantir que elas se mantenham leais ao partido.

Ele assumiu uma posição muito mais rigorosa em relação ao islamismo, que as autoridades associam à dificuldade de governar minoria étnicas, algumas delas envolvidas com grupos separatistas ou terroristas no longínquo oeste chinês. O governo está prendendo inúmeros muçulmanos para reeducação, no mais abrangente programa de confinamento desde a era de Mao.

O cristianismo representa um conjunto diferente de desafios. Ele se espalhou mais rapidamente entre os profissionais de escolaridade mais elevada, nas maiores cidades e regiões mais prósperas da China, muitos deles frequentando igrejas fora da esfera de controle do governo – e as táticas do governo refletem os destinos diferentes de suas denominações.

O número de católicos na China acompanhou o crescimento da população, elevando-se de 3 milhões em 1949 para cerca de 10 milhões atualmente, representando a menor das crenças aprovadas oficialmente na China.

Milhões desses crentes resistem com teimosia ao controle do governo. Em algumas partes da China, as populações de católicos de distritos inteiros frequentam igrejas clandestinas, e as igrejas controladas pelo partido permanecem vazias.

Isso tudo pode mudar com a reaproximação entre o Vaticano e Pequim.

Vários bispos clandestinos na China deverão abdicar para abrir caminho aos bispos indicados por Pequim que o papa concordou em reconhecer. Em troca, o papa está obtendo algum poder na nomeação de novos bispos.

Não está claro como será exatamente o funcionamento desse sistema, mas algum tipo de poder de veto informal parece provável. O Vaticano poderia rejeitar candidatos sugeridos pelas autoridades chinesas, mas principalmente por meio de consultas discretas, em vez de votações formais.

“Acho que, se isso ajudar a unir a Igreja, será algo positivo”, afirmou o escritor católico You Yongxin, que vive em Fuzhou. “Se o papa está certo de que conseguirá indicar bons bispos por meio deste acordo, devemos confiar que assim será.”

Ainda assim, o pacto representou um choque para muitos católicos chineses. Paul Dong Guanhua, um bispo auto-ordenado na igreja clandestina, da cidade de Zhengding, no norte da China, afirmou que não faz sentido para Pequim assinar qualquer acordo que poderia fortalecer a Igreja.

“Bom, se há um acordo, então há um acordo”, disse. “Mas eu o considero absurdo e imagino quantos outros católicos poderão concordar com essa decisão.”

A situação é bem diferente para os protestantes na China, cujo número aumentou acentuadamente, passando de cerca de 1 milhão em 1949 para mais de 50 milhões atualmente, em parte por causa da ausência da hierarquia eclesiástica, o que permitiu o crescimento mesmo em tempos de perseguição.

Sem um representante diplomático com quem negociar, as autoridades chinesas empregaram uma tática diferente: demoliram algumas igrejas para mandar um recado a outras.

A iniciativa começou em 2014, quando a província de Zhejiang demoliu uma grande igreja protestante e começou a remover campanários de centenas de outras. Até 2016, mais de 1.200 igrejas, protestantes em sua maioria, tinham sido “decapitadas” em Zhejiang.

O ritmo parece ter se acelerado este ano, com várias igrejas em outras partes do país sendo fechadas ou demolidas.

O governo também baniu as vendas online da Bíblia e incentivou o desenvolvimento de uma teologia cristã ao estilo chinês.

O objetivo parece ser forçar as igrejas protestantes a se registrar no governo. “A mensagem é que elas não podem ser independentes”, disse o professor Ying. “A questão é o controle.”

Fonte: The New York Times via Estadão

Comentários