O ministro das Comunicações, Hélio Costa, telefonou ontem para a presidência da Record e afirmou que “jamais” fez “qualquer tipo de pressão” ou lobby para que o presidente Lula deixasse de comparecer à estréia da Record News, na última quinta-feira.

A estréia do canal de notícias –gratuito, em UHF– deflagrou uma operação de guerra por parte de executivos da Globo, que consideram a nova emissora ilegal, mesma opinião da ONG Intervozes, que atua na fiscalização de concessões.

Segundo a legislação, uma mesma pessoa não pode ter dois canais de radiodifusão, do mesmo tipo, numa mesma localidade. A Record nega ser dona da Record News, diz que apenas fornece conteúdo e que a emissora não pertence ao bispo Edir Macedo.

Caso semelhante –e jamais questionado pela Globo– ocorre entre Band e Play TV (ex-canal 21), cujo fornecimento de conteúdo provém da Gamecorp, empresa de um dos filhos do presidente da República.

O ministro Hélio Costa declarou ainda ao presidente da Record, Alexandre Raposo, que, ao contrário do que foi “espalhado”, ele incentivou “o presidente Lula a comparecer à estréia da Record News”, e que, como ministro, não tem “nenhuma relação com a Globo”.

Na década de 70 e parte da de 80, Costa foi correspondente da Globo e implantou a sucursal da emissora na capital dos EUA, Washington.

Clima pesado

Na sexta-feira, cerca de 12 horas após a estréia da Record News, os executivos João Roberto Marinho (vice das Organizações Globo), Evandro Guimarães (Globo), Guilherme Stoliar (SBT) e Raposo, da Record, tiveram uma reunião da Abert na sede da Globo, em São Paulo.

Durante a reunião, Raposo pediu a palavra para festejar a estréia da Record News. “Muitos contribuíram para a realização do sonho”, discursou, “mas uns poucos tentaram impedir que a festa acontecesse”, disse olhando diretamente para Marinho.

Houve constrangimento na sala. Logo após essa fala, Marinho convidou aos presentes para um almoço. Raposo disse que tinha um reunião e partiu.

Record volta a atacar Globo que se defende

A Record cumpre à risca o que determinou o bispo Edir Macedo, dono da emissora e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. Na noite desta segunda-feira (1º), foi dada mais uma “cutucada no fígado” da Globo, na forma da leitura de um editorial durante o “Jornal da Record”.

Em nota, a Globo rebateu as acusações, classificando o editorial como “ataque leviano” e “calúnias requentadas”.

O texto da Record, lido pelo apresentador Celso Freitas, começa fazendo referência a uma nota publicada pelo blog de Josias de Souza na Folha Online, que informou no último sábado (29) que o diretor de relações institucionais da Rede Globo, Evandro Guimarães, tentou impedir em Brasília a inauguração do canal Record News.

“Afinal, por que a Rede Globo teme tanto a Record News?”, questiona a nota, enumerando, em seguida, as supostas razões. A primeira seria porque o Globo News, por ser um canal pago, se sentiria ameaçado com a perda de assinantes. A segunda, o temor da concorrência de um outro canal fornecendo notícias de “melhor qualidade”. E o terceiro o medo da perda do “monopólio”.

“Só podemos extrair algo bom dessa atitude vergonhosa da Rede Globo: é a certeza que o país mudou”, diz o editorial, lembrando ainda um episódio da década de 60, no qual a Rede Globo teria falsificado documentos. “O monopólio da informação é um câncer para o Brasil”, encerra a nota.

Na quinta-feira passada, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governador de São Paulo, José Serra (PSDB) e outras autoridades, Edir Macedo atacou a Globo durante seu discurso na cerimônia que marcou o início das transmissões do canal de notícias Record News.

“Fígado”

“Nós fomos injustiçados por muitos anos por um grupo de comunicação que tinha e mantém o monopólio da notícia no Brasil. Daí nosso desejo de dar um fim a esse monopólio”, afirmou Macedo, em uma referência indireta à emissora carioca. Logo em seguida, em entrevista exclusiva à Folha Online, Edir Macedo afirmou que iria “cutucar o fígado” da concorrente até ela cair.

Esta é mais uma batalha da guerra travada entre Record e Globo. As duas empresas estão batendo de frente pelo fato de a Record News concorrer com a Globo News. A Record News herdou a freqüencia da Rede Mulher e entrou sem pedir licença na operadora Net. Ligada à Globo, a Net ameaçou não distribuir o canal. A Record, por sua vez, ameaçou ir à Justiça. As duas se reuniram e abriram negociações. Ficou decidido que a Net manteria o canal durante um mês, enquanto essas negociações durassem.

A Central Globo de Comunicação rebateu, na noite desta segunda-feira (1º), os ataques do editorial lido no “Jornal da Record”. A emissora carioca chamou de “calúnias requentadas” as acusações feitas por sua concorrente.

Leia a íntegra da nota da Globo:

“O público que assistiu hoje à noite à Rede Record foi desrespeitado pelo uso de suposto espaço jornalístico para a defesa de interesses particulares e inconfessáveis.

As denúncias ali apresentadas são calúnias requentadas; todas já desmoralizadas pela Justiça. Assim como são fantasiosas as alegadas articulações para coibir os negócios da Record.

Os poderes constituídos da República têm isenção e independência para agirem por livre iniciativa.

A TV Globo valoriza a concorrência porque ela reforça nossa filosofia de sempre aprimorar o nosso trabalho.

Também, quanto maior é a competição, mais valiosos são os resultados de audiência, que evidenciam a ampla preferência do público pela nossa programação.

Neste caso, estamos apenas acompanhando a interpretação da legislação para avaliar nossas opções no futuro.

Esse ataque leviano não chega a ser surpreendente: é de se esperar que um grupo que lucra pela manipulação da fé religiosa queira também manipular a opinião pública, chamando de monopólio a escolha democrática dos brasileiros.”

Lula inaugurou emissora ilegal, diz ONG

Apresentado ao lado do presidente Lula como dono da Record News, em cerimônia na última quinta-feira, o bispo Edir Macedo não aparece entre os cotistas da Rede Mulher de Televisão, nome oficial do novo canal de notícias da Record.

A Rede Mulher tem seis sócios, todos de confiança de Macedo. Assim, dribla-se a legislação, que impede que uma pessoa tenha mais de cinco concessões _o bispo é formalmente dono de cinco TVs Record.

Em texto publicado no portal “Observatório do Direito à Comunicação”, a ONG Intervozes, que atua na fiscalização de concessões, diz que Lula inaugurou uma emissora “ilegal”.

A ONG afirma que a Record transformou uma retransmissora da Rede Mulher, o canal 42 de São Paulo, em geradora. A concessão da Rede Mulher fica em Araraquara (SP), mas toda a programação é produzida em São Paulo. Dessa forma, aponta a ONG, a Record acaba tendo duas concessões na mesma cidade (São Paulo), o que é ilegal.

A Record afirma que a operação Record News é legal. Diz que Edir Macedo é dono da TV Record, que atua como “fornecedora” de programação (Record News) para a Rede Mulher. Afirma também que apenas o centro de produção fica em São Paulo: o sinal é enviado para Araraquara e depois reenviado, via satélite, para SP.

Procurado desde sexta-feira, o Ministério das Comunicações não se manifestou.

Fonte: Folha de São Paulo

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