Dos 434 bispos no Brasil, 11 são afrodescendentes, que representam apenas 2,5% do episcopado brasileiro, segundo dados da Pastoral Afro-brasileira da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Há mais estrangeiros do que negros entre os bispos no País.
Números compilados pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), órgão da CNBB, mostram que há mais estrangeiros do que negros entre os bispos no País.
Os estrangeiros representam 21% do total de bispos, um percentual mais de oito vezes superior ao de negros. Enquanto os afrodescendentes são minoria em cargos importantes, a imigração germânica consolida-se como a maior produtora de religiosos para o alto escalão católico. Entre os oito cardeais brasileiros, quatro têm origem alemã e dois têm parentes italianos. Mas não há nenhum negro no grupo.
“É uma realidade problemática no perfil racial do nosso episcopado, cujo padrão étnico se choca com o da população brasileira”, disse à BBC Brasil o padre José Oscar Beozzo, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, especialista em história eclesiástica da América Latina. Segundo o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), 45% dos brasileiros são negros.
Discriminação
A face discriminatória do catolicismo com os negros no Brasil é antiga. A igreja, as confrarias e as ordens religiosas foram grandes proprietárias de escravos durante a colônia e o império.
Enquanto os abolicionistas lutaram pelo fim da escravidão desde a Independência do Brasil, em 1822, a Igreja Católica só divulgou a encíclica do papa Leão XIII condenando a escravidão em junho de 1888, um mês depois da Abolição.
Nas primeiras décadas do século passado, a discriminação permaneceu, com os seminários brasileiros vetando a entrada de noviços negros e mulatos. Somente alguns anos depois da aprovação da Lei Afonso Arinos, em 1951, punindo todas as atitudes de discriminação racial, as congregações religiosas tiraram oficialmente de seus estatutos e normas internas a proibição de acesso para os negros.
“Houve uma época em que os negros tinham dificuldades em ingressar nas congregações religiosas”, lembra dom Gílio Felício, bispo responsável pela Pastoral Afro-brasileira da CNBB. “Depois que isto acabou, ficaram os condicionamentos. Hoje, o País conta com cerca de mil padres negros. O número diminuto deles acaba determinando esta pequena presença de afrodescendentes no episcopado”, acrescentou o bispo.
“Influência de candomblé”
Para Antônio Wagner da Silva, bispo de Guarapuava, no Paraná, o baixo percentual de negros na Igreja reflete um problema enfrentado por toda a sociedade. “O número de afrodescendentes não é pequeno apenas no episcopado brasileiro. É assim nos altos escalões das Forças Armadas e também do governo”, diz dom Wagner. “As oportunidades restritas no acesso às escolas, às universidades e à formação de sacerdotes e religiosos pode ser uma das razões para este quadro discriminatório.”
Segundo o bispo, muitos na Igreja não assumem o fato de serem afrodescendentes por medo de preconceito. “Um italiano pode formar seu grupo de danças, por exemplo. Alemão pode, polonês pode, ucraniano pode, português pode, todo mundo pode. Mas quando um grupo de negros se reúne e quer fazer suas danças, isso se torna um escândalo. Passa como atrevimento, como influência de candomblé”, disse o bispo à BBC Brasil.
Dom Zumbi
No pequeno grupo dos afrodescendentes, dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, de 88 anos, é uma referência. Por conta de sua atuação na luta contra o racismo, ele ficou conhecido como dom Zumbi.
“Somos muito gratos a ele”, disse dom Gílio Felício, primeiro e único bispo negro gaúcho. “Ele foi um dos pioneiros na organização do clero afro-brasileiro a denunciar a discriminação e a alertar os bispos sobre a necessidade de a Igreja dar mais atenção aos negros.”
Conforme números da CNBB, o País conta hoje com 18.685 sacerdotes. Destes, 15.882 são brasileiros e 2.803 são estrangeiros. Os negros representam apenas 6,3% dos padres nascidos no Brasil.
Apesar da presença dos afrodescentes no clero brasileiro ainda ser insignificante, a situação está mudando. Pelo menos, é o que acredita dom João Alves dos Santos, nomeado bispo de Paranaguá pelo papa Bento 16 no final do ano passado.
“Pouco antes de ser informado da nomeação, um amigo teólogo me avisou que eu seria bispo e um dos motivos era por eu ser negro”, disse. “Acredito que a nomeação é um reconhecimento ao meu trabalho na formação dos seminários e nas missões populares. Mas, também, um reconhecimento à igreja da base, aos povos nativos e afrodescendentes.”
Dom João está otimista. Ele acredita que a sua nomeação deva virar uma tendência. “A realidade do Brasil, do nosso povo, é de uma grande miscigenação”, disse. “O grupo de afrodescendentes no episcopado brasileiro só tende a aumentar.”
Fonte: Estadão