Documento do Vaticano divulgado nesta terça-feira (10), que aponta a Igreja Católica como a única a reunir todos os requisitos da comunidade fundada originalmente por Cristo e seus apóstolos, já provoca reações de igrejas cristãs não-católicas.

Para especialistas e religiosos, o documento pode afetar o diálogo da Igreja Católica com outras religiões cristãs, embora os católicos afirmem que o compromisso com o ecumenismo continue. A obra reforça posição de Bento XVI de que protestantes não são “igreja” de verdade.

O pastor da Igreja Presbiteriana Independente Leonildo Silveira Campos, professor de pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo, define o documento como “um passo atrás” no processo de aproximação entre as igrejas. “Esse segundo documento vem causar outro dissabor no relacionamento de evangélicos e católicos. Ele pode ser um tiro nos pés, porque ao mesmo tempo em que fala de ecumenismo, a Igreja Católica tira a possibilidade desse diálogo ter continuidade”, diz ele, referindo-se ao polêmico documento “Dominus Iesus”.

O texto retoma o “Dominus Iesus”, de responsabilidade do então cardeal Joseph Ratzinger, divulgado no ano 2000. O novo documento revela estratégia do Papa Bento XVI de fazer da Igreja a guardiã da herança cristã e reafirma a idéia de que o catolicismo é o único meio pelo qual se pode alcançar a salvação espiritual com a ajuda da fé em Jesus Cristo.

O protestante Leonildo Campos acrescenta que o novo texto do Vaticano pode dar força a setores mais conservadores das igrejas cristãs que se opõem a um diálogo ecumênico.

Para o monsenhor Dario Bevilacqua, o texto do Vaticano não vai afastar o catolicismo das demais religiões porque, no diálogo travado entre elas, cada igreja deve dizer qual a sua visão. “O diálogo entre as igrejas deve ser franco. (O documento) não atrapalha o diálogo porque ele deve se basear na verdade, e não em uma presunção.”

O religioso reconhece, entretanto, que o ecumenismo possui momentos difíceis. “O ecumenismo busca a unidade. Nem sempre é fácil de se obter a unidade.” O monsenhor afirma que o documento deixa claro que a Igreja Católica tem convicção de que é a única plena. Nesse sentido, explica ele, “as outras igrejas não realizam plenamente” a vontade de Jesus Cristo.

‘Atravancar’ diálogos

“Determinada igreja que se põe como hegemonia, como autoridade superior a outras igrejas cristãs, pode atravancar alguns diálogos”, avalia Eulálio Figueira, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para o teólogo, a reafirmação de que a Igreja Católica é a única “plena” não representa, contudo, um retrocesso no ecumenismo liderado por João Paulo II, antecessor de Bento XVI. O especialista diz que o catolicismo determina com quem dialoga. Eulálio Figueira exemplifica recordando que a reunião do atual pontífice com líderes religiosos no Brasil não incluiu representantes do candomblé e neopetencostais.

Apesar de o documento ter potencial para provocar mal estar na comunidade cristã não-católica, o teólogo Eulálio Figueira encara o texto como “perfeitamente plausível” porque é esperado que uma religião apresente-se como superior às demais. “Tem que dar um tempo para ver como o documento vai repercutir, se vai ser olhado como uma provocação do catolicismo. Mas eu não veria como um grande problema. (O documento) É natural se partir do pressuposto de que as igrejas se firmam trazendo um diferencial em relação às outras”, acrescentou o especialista.

Para ele, a reafirmação pela Igreja de que o catolicismo é portador de uma referência religiosa e moral única está em linha com o pontificado de Bento XVI. Entretanto, ele critica o documento ao dizer que neste momento há outras questões que poderiam ser discutidas. “A Igreja Católica não precisa mais justificar seus referenciais. Seus dois mil anos de história já são suficientes.”

Fonte: G1

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