A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a restituir um carro e pagar uma indenização de R$ 10 mil à viúva Gilmosa dos Santos, de Goiânia. A decisão foi tomada na última sexta-feira (30 de novembro) pelo juiz Jeová Sardinha de Moraes, da 7ª Vara Cível de Goiânia.
Segundo o processo, a viúva disse que, após a perda do marido, em 2005, a filha do casal, Edilene dos Santos, entrou em depressão e passou a freqüentar os cultos da Universal. Com o tempo, a moça começou a ser pressionada pelo pastor a fazer doações.
A promessa do religioso era de que as recompensas viriam em dobro. Edilene vendeu seus utensílios domésticos, móveis e até a cama onde dormia para dar dinheiro à Igreja. A doação seguinte foi o carro da mãe, que assinou o documento de transferência pensando que o automóvel seria vendido.
Ao se dar conta da situação, Gilmosa foi à Igreja com a filha tentar reaver o veículo, mas alega ter sido maltratada e agredida fisicamente.
Em sua sentença, Moraes afirmou que a ofensa se agrava por ocorrer em um templo religioso, onde se espera reinar a paz espiritual. O juiz determinou que o carro fosse imediatamente restituído, com um pagamento adicional para ressarcir o desgaste e a depreciação do automóvel. Além da restituição, fixou em R$ 10 mil a indenização por danos morais. Cabe recurso à decisão.
A sentença não se baseou em aspectos religiosos, mas no que os juristas chamam de erro substancial, ou seja, quando alguém realiza um negócio pensando estar fazendo outro. Nesse caso, a fiel faz uma doação supondo estar vendendo um bem – em troca de bençãos.
Em sua decisão, o juiz enfatiza que a filha afirmou ter sido pressionada pelos religiosos para convencer a mãe a assinar o documento em branco. O juiz considerou “inconteste” a má fé da Igreja por aceitar a doação de um carro por uma pessoa que não era sua proprietária.
Precedente perigoso
A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada recentemente em São Paulo a restituir a doação de um fiel. Na época, ele havia doado R$ 2 mil. Segundo o processo, o fiel foi induzido ao erro por estar transtornado. O homem se tornou objeto de zombarias em sua cidade e decidiu abrir processo para reaver o dinheiro. Em primeira instância, o juiz julgou o pedido improcedente. No recurso ao Tribunal, o fiel convenceu o juiz.
Para o presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo (OAB-SP), José Luiz de Oliveira, decisões como esta podem abrir precedentes perigosos. “As doações são importantes para as Igrejas. Se muitos juízes passarem a condenar as Igrejas, isso pode prejudicar as obras assistenciais e, pior, abalar a fé das pessoas”, afirmou.
O advogado, no entanto, lembra que as doações devem ser sempre espontâneas.
Perseguição
O maior temor de Oliveira é que haja uma perseguição às igrejas evangélicas e que oportunistas as processem quando virem que seus desejos não foram atendidos.
O ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP, Raul Haidar, discorda. Para Haidar, o direito ao culto deve ser preservado, mas muitas igrejas se aproveitam de pessoas fora de suas plenas capacidades mentais para manipulá-las. “Qualquer pessoa é livre para doar o que quiser, a grande questão é determinar se o doador tinha a capacidade de tomar decisões lúcidas.”
Em casos em que o fiel se vê coagido a fazer doações, ou percebe que foi manipulado, Haidar crê que a Justiça deve ser acionada. “Já que as autoridades são covardes em relação a muitas igrejas e as deixam se aproveitar do desespero e das crendices populares, a Justiça, apesar de suas falhas, é a última trincheira de defesa do cidadão”, afirma.
Fonte: Revista Época