Um momento de orações para orientar o fiel a encontrar uma maneira consciente de resolver seus problemas financeiros. É dessa forma que a Igreja Universal conceitua o culto “Nação 318”, que ocorre toda segunda-feira em três horários diferentes.
O evento tem chamado tanta a atenção das pessoas desesperadas por uma solução para seus problemas financeiros que a cada semana a sede da Igreja na avenida Prainha, bem no centro de Cuiabá, recebe mais pessoas, fiéis ou não.
Em cada sessão, cerca de 200 participantes acompanham, durante uma hora, orações, depoimentos de outros que passaram pela mesma situação, cantam e ouvem as orientações do pastor responsável sobre a única maneira realmente eficaz, conforme a congregação, para resolver os problemas financeiros: entregar 10% de tudo o que recebe para a Igreja como dízimo, para se aproximar do reino de Deus e ser agraciado por suas bênçãos.
Em meio a depoimentos de pessoas que dizem só ter resolvido seus problemas depois que “não tocaram” mais no dízimo, os fiéis são convidados a fazer um esforço para na próxima semana trazer um dízimo mínimo de R$ 50, “porque quanto mais o dízimo, maior o seu Deus e a graça recebida”, nas palavras do pastor que celebra o culto.
Depois de orientados a pegar o envelope do dízimo para levar o culto na semana seguinte – quando segundo o pastor, haveria algumas atividades especiais, como colocar um pedido por escrito dentro de um balão de gás para soltá-lo simbolizando a aproximação com os céus – os fiéis são chamados a participar com uma contribuição em troca de poder ungir com azeite todos os documentos, boletos, cartões de crédito ou talões de cheque que tiverem.
De acordo com o pastor, o ato de ungir com aquele azeite os documentos irá trazer várias bênçãos e abrirá os caminhos para solucionar os problemas. O azeite é então espalhado na beira do altar pelos auxiliares. O dinheiro da contribuição, segundo recomendação do pastor, deve ser colocado em cima do altar, para simbolizar mesa farta. Os que podem doar R$ 50 ou mais – mesmo com cheque pré-datado – são chamados primeiro. Os fiéis sobem ao altar, depositam as notas de R$ 50 na mesa (um realmente faz o cheque) e descem, levando os documentos para a unção.
O segundo grupo chamado é o de pessoas que podem doar entre R$ 20 e R$ 40. O procedimento é o mesmo e o número de pessoas que contribuem aumenta. Os próximos grupos são os que doam valores mais baixos até chegar a quem não pode contribuir. Nesse ponto, quando os fiéis passam pela mesa, já há um auxiliar coletando.
A cada minuto que passa, mais fiéis entram no templo aproveitando o horário de almoço. Todos levam os documentos para serem ungidos e poder “desamarrá-los”. Há pessoas que apresentam escrituras de casas, cópias de processos judiciais, boletos bancários, boletos de lojas. Entre os participantes não há um perfil definido. Vão ao culto crianças, jovens e idosos de todas as classes sociais. Há pessoas com roupas simples e aqueles que usam jóias caras.
Após uma hora de orações, sempre ressaltando a importância do dízimo, o pastor anuncia o final do culto e diz que poderá atender os fiéis com dúvidas separadamente. Anuncia também que para pequenos empresários há uma reunião especial às quintas-feiras e lembra a todos que os fiéis devem se esforçar para cumprir o acordo de trazer o dízimo mínimo de R$ 50 na semana seguinte, mas que se não conseguirem, podem trazer o que tiver. O importante, para não ter problemas, é não tocar no dízimo. Isso sim, pode significar problemas sérios na vida do fiel, de acordo com o pastor.
Durante o culto, um dos fiéis conta à reportagem que vai todas as semanas no “Nação 318” e até hoje não conseguiu resolver os problemas financeiros. Mas o fiel, que não quis se identificar, falou que acredita que as graças pedidas realmente virão e vai continuar indo e contribuindo com a Igreja.
Religiões tomam lugar do Estado
Os especialistas acreditam que celebrações como o “Nação 318” dão tão certo porque as pessoas precisam acreditar em alguma coisa que traga solução aos seus problemas, já que o poder público não consegue atender a todas as reivindicações da população.
Para o professor de filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso, Roberto Freire, como a população não tem uma nação cívica, o que resta para se apegar é uma religião. Desde a infância, comenta o professor, a única coisa em que o brasileiro é preparado para viver é a religiosidade. Mesmo assim, afirmou, isso não acontece lá com muita fé, porque as pessoas trocam de religião com muita freqüência.
“Se o Estado não atua da forma como deveria e a sociedade não é preparada para viver a República, com noções de cidadania, a única coisa que tem para participar é a religião. Já que a população não tem esperança alguma nos governantes, só resta contar com Deus. Por isso, esses cultos chamam tanta atenção”, explica Freire.
O sociólogo Naldson Ramos entende que, mesmo sem condições, os fiéis contribuem financeiramente com a Igreja porque a racionalidade da religião trabalha com o sentimento das pessoas, o que a induz a adotar determinados comportamentos, como acreditar que a fé superará os maus momentos que existem na Terra.
Ramos cita o filósofo Max Weber, que pressupunha que a racionalidade fosse cada vez mais tirando magia das coisas que vivenciamos no dia-a-dia, acarretando um desencantamento do mundo, principalmente com as explicações dadas pelos cientistas. Para Ramos, na verdade o que vem acontecendo é um reencantamento, um crescimento vertiginoso das explicações mágicas, principalmente por intermédio das religiões.
Fonte: Diário de Cuiabá