Governo ameaçou tornar ilegais atividades religiosas devido a orações realizadas na praça da Independência.
Apesar da convicção de que a política é uma questão secular, e apesar dos riscos a suas instituições, igrejas de diversas denominações têm se aliado, na Ucrânia, e exigido a resolução pacífica da crise que hoje divide o país.
“Estamos protegendo o povo”, diz à Folha o arcebispo-mór Sviatoslav Shevchuk, que lidera a igreja greco-católica ucraniana –de rito bizantino, mas subordinada à Santa Sé e responsável por 10% da população do país, o equivalente a 4,5 milhões de fiéis. “O pastor tem de estar onde estiver seu rebanho.”
O arcebispo fala rindo, com orgulho, dos padres de sua igreja que foram fotografados, nos últimos dias, lendo a Bíblia entre a fileira de policiais e a barricada da praça da Independência, onde manifestantes foram mortos no dia 22, em confronto.
“Ele não sabia o que fazer, então ficou ali, lendo, por 1h30. As forças de segurança ouviram”, diz. “Padres agiram como escudos humanos para prevenir a violência.”
Ele também sorri quando confirma à reportagem que recebeu uma carta do Ministério da Cultura ameaçando tornar ilegais as atividades da igreja devido às orações realizadas na praça. “Tentaram nos pressionar, mas fiz questão de anunciar o conteúdo ao público”, afirma.
Shevchuk nota que, como homem de fé, seu dever não é apresentar soluções políticas, e sim insistir no diálogo. “Mas é difícil superar a violência contra os protestos, então decidimos atuar”, diz.
Quando o Ministério do Interior anunciou o sequestro de policiais por manifestantes e indicou que tomaria ações repressivas, no sábado, o Conselho das Igrejas e Organizações Religiosas exigiu que a oposição se reunisse com o presidente Viktor Yanukovich e negociasse.
“Fomos à praça da Independência e explicamos ao povo que o diálogo era preciso. Eles gritaram nos agradecendo”, afirma o arcebispo.
MÉTODO
“Não podemos fazer o trabalho dos políticos”, afirma à reportagem o padre Georgy Kovalenko, porta-voz da igreja ortodoxa ucraniana. “Não pedimos que ninguém venha fazer a nossa liturgia.”
Em seu escritório no monastério de Lavra, um dos locais mais importantes da igreja ortodoxa, ele diz que a decisão inicial foi de que não haveria rezas na praça. “Mas os padres foram até lá. Não podemos impedir pessoas de se expressar politicamente.”
Kovalenko admite ter recebido uma carta semelhante à do arcebispo Shevchuk, mas se recusa a divulgar o conteúdo. Ele diz em seguida, porém, que “os tempos mudam, mas os métodos não”, em referência à repressão à igreja ali durante a URSS.
No fim da tarde, um padre evangélico, que não se identificou, caminha pela praça. “Nos lembramos dos tempos de comunismo, em que era impossível evangelizar.”
“Estamos aqui para acalmar o desejo de vingança das pessoas, que é forte.”
[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]