A complicada questão do diálogo entre os cristãos e os muçulmanos seguramente não será resolvida em três dias de discussões no Vaticano – de terça, 4, a quinta-feira, 6 de novembro.

Contudo, o Fórum que, de maneira inédita, está reunindo 29 altos responsáveis da Igreja católica e outros tantos dignitários muçulmanos, e que não estará aberto nem para o público, nem para imprensa, possui um alcance simbólico que não deve ser menosprezado dentro de um contexto pouco propício para relações apaziguadas.

De um lado, a atual situação das minorias cristãs nos países muçulmanos vem provocando preocupações recorrentes no Vaticano, que denuncia os entraves à liberdade religiosa. Do outro, o pontificado de Bento 16, um papa conhecido por ser menos inclinado do que o seu predecessor a promover intercâmbios com as outras religiões, tem se caracterizado por atitudes e iniciativas que vêm suscitando incompreensões, tanto no mundo muçulmano quanto entre os partidários do diálogo islâmico-cristão.

O discurso do papa em Ratisbon (na Alemanha), em setembro de 2006, no decorrer do qual ele estabeleceu uma vinculação entre o Islã e a violência, foi um desses momentos marcados por fortes tensões. Este discurso esteve na origem da “carta dos 138”, um apelo dirigido ao papa e a todos os responsáveis cristãos, de autoria de dignitários muçulmanos. Esta carta, que insiste na prevalência de “uma palavra comum, fundamentada no amor de um Deus único e no amor pelo próximo”, acabou resultando no encontro de Roma. Na manhã da quinta-feira, Bento 16 deverá reunir-se pessoalmente com os participantes. Este gesto foi saudado por unanimidade pelos muçulmanos.

A “meditação” do papa na Mesquita azul de Istambul, que ocorreu três meses depois do discurso de Ratisbon, ou ainda o seu encontro com o rei da Arábia Saudita em novembro de 2007 já haviam sido bastante apreciadas pelo mundo muçulmano.

Contudo, paralelamente a esta vontade evidente de dialogar, as fontes de tensão vêm ressurgindo regularmente. Este foi o caso por ocasião do batismo espetacular de um ex-muçulmano convertido ao catolicismo, que Bento 16 celebrou pessoalmente em março, ou ainda durante a visita do papa na França, em setembro. Na ocasião, diante de uma platéia de bispos franceses, o sumo pontífice havia especificado que “o objetivo do diálogo (entre as religiões) é a procura da Verdade. O próprio Cristo é a Verdade. É recomendável começar ouvindo os nossos interlocutores, e então passar para a discussão teológica, o que desembocará finalmente no anúncio da fé”, disse.

No entanto, esta demonstração foi recebida por alguns muçulmanos como uma forma de incentivar a conversão. Para Dom Michel Santier, encarregado, na França, das relações com as outras religiões, além de ser um dos católicos que participam do Fórum, isso significa simplesmente que “sob o pretexto de desenvolver o diálogo não se deve recalcar os fundamentos da nossa fé”.

Aparentes contradições

Recentemente, por ocasião de um sínodo que reuniu 250 bispos em Roma, estes últimos consideraram que era preciso “permanecer prudente no quadro do diálogo com as outras religiões, para não arriscar incorrer no sincretismo”. “Embora ele não seja um especialista no Islã, o papa sabe que ele não tem escolha. Ele deve dialogar com os muçulmanos. Contudo, ele talvez não tenha conseguido converter os mais céticos para a importância desse diálogo”, considera Mustapha Chérif, um intelectual argelino que é um dos signatários da “carta dos 138”.

Segundo os especialistas no diálogo entre as religiões, essas aparentes contradições comprovam, sobretudo, a complexidade da questão. Eles se interrogam igualmente a respeito da representatividade dos muçulmanos que estão participando do fórum em Roma. A sua delegação é liderada pelo “grande mufti” (jurisconsulto supremo, considerado o intérprete qualificado do alcorão) da Bósnia, Mustafá Ceric; enquanto a dos católicos é conduzida pelo cardeal Jean-Louis Tauran, encarregado, no Vaticano, do diálogo com as outras religiões.

Em relação ao fundo da questão, os participantes deveriam dar uma ênfase toda particular, na quarta-feira, por ocasião das discussões dedicadas ao “respeito mútuo”, para o tema da “reciprocidade” no plano da prática religiosa, um assunto muito sensível para um grande número de católicos.

Fonte: Le Monde

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