Como conter a crescente polêmica com alguns rabinos ultraortodoxos que ordenam aos soldados que desobedeçam as ordens de evacuação dos colonos? O ministro israelense da Defesa, Ehud Barak, tinha de escolher entre duas más soluções: não fazer nada, correndo o risco de a epidemia da desobediência se estender até o exército; ou punir, o que poderia fazer com que os interessados fossem elevados ao papel de “mártires”,reforçando sua aura.

Seguindo as recomendações do chefe do estado-maior das Forças Armadas, o general Gabi Ashkenazi, Barak optou pela segunda solução. A guilhotina caiu sobre o rabino Eliezer Melamed, chefe da yeshiva hesder (escola talmúdica ligada ao exército) de Har Bracha, uma colônia com fama de “dura”, situada ao sul de Nablus. A sanção é primeiramente financeira: o exército cortou seus laços com a escola do rabino Melamed, que perderá um subsídio de 700 mil shekels (R$ 340 mil), ou seja, 20% do seu orçamento.

O resultado não demorou: além de o rabino rebelde (ele havia se recusado a atender a uma convocação do ministro da Defesa) ter recebido uma recepção triunfal da parte de seus seguidores, um grande número de rabinos, ainda que hostis às teses extremistas de Eliezer Melamed, se opuseram contra a medida ministerial, em nome da liberdade de expressão religiosa.

Alguns dias antes dessa decisão, o rabino David Stav, porta-voz da União das Yeshivas Hesder, havia dado sua opinião: “Não concordo com o rabino Melamed, mas Israel é uma democracia, ele tem direito de dizer o que pensa. Se a yeshiva for punida, certamente vai ganhar em popularidade, talvez até se torne a maior yeshiva”.

Barak avaliou cuidadosamente os riscos de se indispor com os partidos religiosos. O programa das yeshivas hesder é uma forma de serviço militar adaptado, que todos os anos permite a cerca de 7.500 soldados religiosos que encurtem suas obrigações militares (dezoito meses no lugar de três anos), ao mesmo tempo em que prosseguem com o estudo da Torá nas escolas talmúdicas. Ele foi criado para encontrar uma resposta ao crescente fenômeno dos sionistas religiosos dentro do exército.

São muitos os soldados que usam o quipá, e, segundo o rabino Stav, as Forças de Defesa de Israel contariam hoje com 50% de religiosos entre seus oficiais subalternos. Ora, por definição, os sionistas religiosos são favoráveis aos colonos. No momento em que o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu iniciou um confronto com o movimento dos colonos, era urgente contra-atacar o mau exemplo dado pelo rabino Melamed, que havia apoiado abertamente os soldados rebeldes.

Três batalhões

Tudo começou em 22 de outubro. Nesse dia, cerca de 750 soldados do batalhão Shimshon faziam juramento diante do Muro das Lamentações, em Jerusalém. Vários deles brandiram uma faixa na qual se podia ler “O batalhão Shimshon não evacuará Homesh”, nome de uma colônia ilegal evacuada em 2005 e parcialmente reocupada. Em 16 de novembro, seis soldados do batalhão Nahshon penduraram uma faixa na parede de seu alojamento com esta frase: “Nahshon também não evacuará”.

Três dias mais tarde, foi descoberta em uma terceira unidade um cartaz com a inscrição “Kfir não expulsa os judeus” , o que preocupou tremendamente o alto comando das Forças de Defesa de Israel e as autoridades políticas. Tudo isso lamentavelmente fazia lembrar o episódio de agosto de 2007, quando doze soldados do batalhão Duhifat haviam se recusado a participar da evacuação de colonos em Hebron.

Esses três batalhões – Duhifat, Shimshon e Nahshon – têm em comum o fato de que fazem parte da brigada Kfir, especializada na contra-insurreição na Cisjordânia. Os soldados rebeldes, todos eles punidos, haviam sido treinados nas yeshivas hesder, especialmente na do rabino Melamed. É cedo demais para saber se Ehud Barak conteve uma rebelião logo em seu início, ou se jogou lenha na fogueira.

As yeshivas hesder se tornaram um bastião da extrema direita, e o risco de criar um “exército religioso” dentro do exército é real hoje. A princípio, é a polícia que se responsabiliza pela evacuação dos colonos. Mas em caso de acordo de paz entre Israel e Palestina, ela não será suficiente. Ora, sem uma disciplina rígida, o exército não poderá ser mobilizado.

Fonte: Le Monde

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