A Igreja Católica havia se recusado a fornecer-lhe uma sepultura, e o então governador da região dera ordens para que o seu cadáver ressecado fosse mantido dependurado nos galhos de uma árvore. Contudo, cerca de um século após a sua morte, em maio de 1909, o lendário bandido Jésus Malverde continua sendo venerado como um santo por um número crescente de fiéis, dos dois lados da fronteira americano-mexicana.

Ao lado da Virgem de Guadalupe e de São Judas Tadeu, o santo padroeiro das “causas difíceis”, ele faz parte da “Trindade Latina” à qual dirigem suas orações tanto os migrantes em busca de um mundo melhor quanto os delinqüentes que querem se proteger da polícia. Desde o início dos anos 1970, um santuário lhe é dedicado em Culiacán, a capital do Estado de Sinaloa (no noroeste do México), de onde ele seria originário.

É um pequeno hangar com janelas, onde uma cruz está pendurada. O recinto está lotado de altares e de ex-votos colocados ali para agradecê-lo pelos seus “favores” – que vão desde uma pescaria de camarões milagrosa até a cura de doentes, passando pelo sucesso no exame de conclusão do segundo grau do filho primogênito.

“Abençoe o meu caminho e permita que eu retorne”: esta é a fórmula ritual inscrita nos medalhões de couro que compram os candidatos à viagem rumo aos Estados Unidos.

No interior do santuário, vendem-se talismãs e bustos representando o “santo”: um sujeito de cabelo castanho-escuro, bigodudo e de pele clara, trajando uma camisa branca, e com um lenço em volta do pescoço. A sua fisionomia avantajada lembra muito as dos atores Jorge Negrete e Pedro Infante (este último, também um nativo do Sinaloa), ídolos da idade de ouro do cinema mexicano e arquétipos do “macho” de coração generoso.

“Robin Hood” de Sinaloa

Reza a lenda que Malverde (o “mal verde”) trabalhou inicialmente como ferroviário até tornar-se uma espécie de Robin Hood local, roubando os ricos para entregar parte dos bens aos pobres. Ele deve o seu apelido ao hábito que ele tinha de se disfarçar em meio às folhagens antes de atacar suas vítimas. Por mais que os historiadores nunca tivessem encontrado prova alguma da sua existência, e que a hierarquia católica desaprovasse abertamente este culto, nada nunca conseguiu impedir que os crentes se multiplicassem. “Você que está perto de Deus, dê ouvidos para os sofrimentos deste humilde pecador”, implora a “Oração a Jésus Malverde”.

Uma figura ambígua, o “santo padroeiro dos pobres” é também o dos criminosos, e serve de vínculo entre dois mundos que comungam através dele. “Muitas são as pessoas que pedem, no santuário, uma ajuda financeira em caso de aperto e, em geral elas a recebem”, explica Alejandro, um motorista de táxi de Culiacán.

Os fundos são encaminhados por vias misteriosas, e então redistribuídos para os mais merecedores. Com isso, os narcotraficantes vão constituindo uma clientela que prefere expressar seu reconhecimento a Malverde, o pobre martirizado pelos poderosos, em vez de agradecer aos chefes dos cartéis e ao seu séqüito de matadores sanguinários.

Nos últimos anos, o “Robin Hood” de Sinaloa passou a contar também um santuário em Tijuana, a cidade fronteiriça com a Califórnia, e mais um na Cidade do México. Ele está ficando cada vez mais conhecido nos Estados Unidos, onde o seu busto não raro é colocado em destaque em restaurantes, bares e discotecas freqüentados pela comunidade de língua espanhola.

Desde 2007, uma companhia comercializa neste país uma cerveja chamada “Malverde”. É também possível encomendar por meio da Internet cerca de vinte produtos que levam o seu nome: velas, uma loção perfumada, chaveiros, e até mesmo bombas aerossóis “para ajudar você a rezar para que o santo intervenha”, conforme sugere a sociedade Wisdom Products. Esta foi até mesmo obrigada, recentemente, a enviar pelo correio bustos do santo padroeiro mexicano para a Itália… sem saber se esses clientes europeus pertencem à Máfia siciliana.

Isso porque a sua reputação de “santo dos narcotraficantes” é tenaz. Segundo o “New York Times”, tribunais da Califórnia, do Kansas, de Nebraska e do Texas admitiram que a presença de talismãs e de diversos amuletos representando Jésus Malverde podia constituir uma prova, entre outras, de que suspeitos processados pertencem a uma rede de tráfico de drogas.

Fonte: Le Monde

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