Hinos solenes e preces vão soar pelo domo dourado das catedrais ortodoxas por toda Ucrânia na sexta-feira, 25, para marcar o aniversário de 1.020 anos da conversão da região ao cristianismo.
No entanto, os sons podem ser abafados pelo barulho de uma feroz briga política.
Ucranianos estão determinados a usar os eventos como um lobby pela autonomia da igreja local da russa, enquanto o Patriarcado de Moscou vai brigar para reter sua influência sobre o país majoritariamente ortodoxo, de 46 milhões de habitantes.
Para os líderes ucranianos, o reconhecimento da Igreja Ortodoxa Ucraniana como igual à Igreja de Moscou marcaria um passo importante em seu objetivo de conseguir a independência da influência russa. Esse esforço ganhou força depois da Revolução Laranja de 2004, que afastou o país da Rússia e o aproximou do Ocidente.
“A Ucrânia é um estado independente como a Bulgária ou a Georgia, e é normal que tenha sua própria igreja”, disse Anatoliy Kolodny, chefe do departamento de estudos da religião da National Academy of Sciences. “Não há nada estranho nisso.”
O Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla, o mais importante líder ortodoxo, em Istambul, Turquia, vai comparecer às cerimônias e poderia apoiar a autonomia da igreja ucraniana, apesar da oposição do Patriarca Alexy II da Rússia.
Mas qualquer decisão de última hora de Bartolomeu pode criar uma grande ruptura entre os 250 milhões de ortodoxos do mundo e estabelecer ferozes batalhas por paróquias e propriedades valiosas de igrejas na Ucrânia, com alguns padres tomando o lado de Moscou e outros, de Kiev.
“Se essa decisão for tomada hoje, ela levará a uma nova ruptura na igreja”, disse Andrei Zolotov, editor-chefe da revista russa Profile, e especialista em questões da igreja ortodoxa.
O reconhecimento da independência da igreja ucraniana também poderia quebrar um dos mais antigos laços entre dois países vizinhos: Rússia e Bielo-Rússia.
A conversão do mundo eslavo ao cristianismo começou quando o príncipe Volodymyr entrou com seus servos rio Dnieper, em Kiev, para ser batizado, há 1.020 anos.
Esforços para conseguir a autonomia já levaram a uma ruptura na igreja ucraniana. Duas igrejas separatistas se estabeleceram desde o colapso soviético em 1991 – o Patriarcado de Kiev da Igreja Ortodoxa Ucraniana, cujo patriarca, Philaret, foi excomungado por Alexy com um renegado, e a outra parte, a Igreja Autocéfala Ucraniana, também não reconhecida.
Ambas as igrejas são menores que a afiliada à Rússia, que diz ter 28 milhões de crentes no país.
As duas igrejas separatistas buscaram se unir na tentativa de conseguir reconhecimento de Bartolomeu I, mas esses esforços ainda não renderam resultados.
O presidente Viktor Yushchenko, ortodoxo devoto, apoiou Philaret, visitando sua igreja em feriados religiosos com sua família e aliados. Especialistas dizem que Yushchenko, que tem retratos seus com Bartolomeu I por toda Kiev, têm feito lobby com o patriarca para reconhecer as igrejas separatistas unidas como uma igreja autônoma.
Outro cenário que os líderes ucranianos poderiam estar buscando é conseguir que Bartolomeu reconheça a igreja ucraniana como independente. Neste plano, a igreja ucraniana então englobaria as duas igrejas separatistas.
Isso poderia tentar Bartolomeu, que quer expandir sua influencia global em relação ao patriarca de Moscou, a maior igreja ortodoxa, com 95 milhões de fiéis.
Conforme as celebrações se aproximavam nessa semana, cresceram as tensões. Ambos os lados se acusaram de tentar sabotar os eventos, marcados para começarem na sexta-feira, 25, e seguirem ate domingo, 27.
Os dois lados podem ser culpados de misturar religião com política.Em comícios políticos, padres das duas igrejas geralmente benzem ativistas e expressam apoio a candidatos. O patriarca de Moscou recentemente fez uma procissão cerimonial em Kiev, rezando para que a Ucrânia não seja aceita na Otan.
A maioria dos especialistas acredita que a igreja ortodoxa ucraniana acabará ganhando a mesma independência que as igrejas ortodoxas têm em outros países importantes. A única coisa que não se sabe é quão abrupta será a ruptura.
Fonte: Estadão