Judas Iscariote, um dos 12 apóstolos escolhidos por Jesus e que, segundo o Novo Testamento, acabou por traí-lo, merece uma revisão atenta em sua tradicional imagem de traidor, ladrão e corrupto, na opinião dos autores do livro “O Evangelho Segundo Judas, por Benjamin Iscariote”, que foi lançado nesta quarta-feira (21/3) em oito idiomas em todo o mundo.

O anglicano lorde Jeffrey Archer, autor britânico de best-sellers e antes um promissor político conservador caído em desgraça, e o católico australiano especialista em Bíblia Francis J. Moloney, dos salesianos de Dom Bosco, escreveram juntos esse livro que pretende questionar tanto a visão ancestral exclusivamente negativa de Judas como as recentes tentativas – surgidas de um antigo manuscrito copta divulgado pela National Geographic Society – de transformá-lo em mero instrumento do plano divino, e, portanto, em herói que, com sua conduta, consegue que se realize a morte e a ressurreição de Cristo.

“O silêncio dos evangelistas Marcos, Lucas e João sobre a traição de Judas em troca de 30 dinheiros me levou a pensar que o relato de Mateus é tendencioso, e que na realidade não se sabe nada com certeza”, disse ontem o salesiano Moloney na apresentação mundial do livro, da qual participou Stephen Pisano, reitor do Pontifício Instituto Bíblico. Pisano salientou que sua presença “não implica que o Pontifício Instituto, o Vaticano ou o papa aprovem o livro, mas que permitem o debate acadêmico sobre um aspecto do Novo Testamento”.

Foi Jeffrey Archer quem buscou um bibliólogo para escrever o livro e contatou Moloney por sugestão do cardeal Carlo Maria Martini. Moloney aceitou sob a condição de impor um método: “Nem tudo o que o livro narra pode ser considerado provável, mas tudo deve ser possível”. Resultado: o volume recolhe em formato de versículos semelhantes aos Evangelhos a vida de Jesus vista por Judas e redigida por seu filho, Benjamin Iscariote. O relato é baseado em textos do Novo Testamento e um glossário reúne esclarecimentos do bibliólogo.

Do livro emerge para o profano que Judas não recebeu 30 peças de prata por vender Jesus, algo já sabido pelos bibliólogos. O livro argumenta que Jesus não caminhou sobre as águas nem transformou água em vinho nas bodas de Canaã, episódios ampliados pela Igreja primitiva. Outra tese nova para o grande público: Judas não queria que Jesus fosse preso em Getsêmani, mas esperava convencê-lo a fugir para a Galiléia com a ajuda do escriba, e foi o escriba quem traiu Judas. Os autores questionam o suicídio de Judas por enforcamento narrado por Mateus e afirmam que foi crucificado pelos romanos.

Assim, disse Moloney, Judas torna-se um personagem trágico, mas livre para dizer sim ou não, de modo que não se pode considerá-lo obrigado pelo plano divino, como dizem os que defendem o manuscrito da National Geographic, que é uma tradução para o copta do século 3º de um texto grego gnóstico anterior.

Fonte: La Vanguardia

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