Reforma da previdência é desaprovada por luteranos, católicos e 51% dos brasileiros
Reforma da previdência é desaprovada por luteranos, católicos e 51% dos brasileiros

No último dia 29 de março, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), emitiu um manifesto em que destaca vários pontos contrários ao evangelho que têm sido fomentados em políticas nacionais, entre eles, a promoção do discurso de ódio, de desmantelamento de políticas ambientais (citam Brumadinho e propostas de liberação de agrotóxicos), um modelo econômico excludente e uma reforma da Previdência que aprofunda desigualdades.

No que se refere à Previdência, o documento destaca que “preocupa de forma especial o assunto da Previdência Social. Quem trabalha tem direito a aposentar-se de forma digna. Reconhecemos que é necessário reformar o sistema previdenciário para garantir sua sustentabilidade, mas defendemos que sejam observadas as diferentes análises da situação da Previdência, que sejam cobradas as dívidas astronômicas e que a distribuição dos benefícios seja justa”.

Para cúpula luterana, “a proposta de reforma previdenciária diminui benefícios, mas não mexe em privilégios de certas classes. Ela também não considera as diferenças entre profissões e as expectativas de vida regionais”.

O manifesto destaca ser imprescindível mais transparência sobre a aplicação dos recursos para sustentar a previdência social. Precisamos nos unir para além das diferenças partidárias e de interesses privados, buscando o bem comum e amparando especialmente as pessoas mais necessitadas.

CNBB contra a reforma

A Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) divulgou no fim do mês de março, nota em que se posiciona contra a proposta de reforma da Previdência, PEC 06/2019, apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro.

No documento, o cardeal Sergio da Rocha, presidente da CNBB, destaca que a proposta sacrifica os brasileiros mais pobres, as mulheres e os trabalhadores rurais. 

“Fazemos um apelo ao Congresso Nacional que favoreça o debate público sobre esta proposta de reforma da Previdência que incide na vida de todos os brasileiros. Conclamamos as comunidades eclesiais e as organizações da sociedade civil a participarem ativamente desse debate para que, no diálogo, defendam os direitos constitucionais que garantem a cidadania para todos”, diz a nota.

Pesquisa Datafolha

O jornal Folha de S. Paulo publica hoje uma pesquisa que mostra que a reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro é rejeitada por 51% dos brasileiros. São favoráveis 41%, 2% se dizem indiferentes e 7% não sabem.

A oposição à reforma é maior entre mulheres (56%) e supera o apoio por pelo menos dez pontos em todas as faixas etárias até 59 anos de idade.

Já entre homens, 48% se dizem a favor e 45% contra, um empate técnico (a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos).

O apoio à reforma é numericamente superior também entre os de renda familiar acima de dez salários mínimos (R$ 9.998 em 2019), 50% apoiam a reforma; 47% são contra.

A maior rejeição, de 63%, aparece entre funcionários públicos (5% da amostra).

O Datafolha ouviu 2.086 brasileiros com 16 anos ou mais, em 130 municípios em todo o Brasil, em 2 e 3 de abril.

Leia na íntegra, as notas da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da CNBB:

Manifesto da IECLB: Nosso compromisso é o Evangelho

  1. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) é Igreja de Jesus Cristo no país. O alicerce que sustenta essa Igreja é o Evangelho de Jesus Cristo, manifestado nas Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos (Constituição da IECLB, Art. 1º e 5º). Como Igreja fundamentada no Evangelho, a IECLB deve seguir os ensinamentos de Jesus Cristo e prestar contas, em primeiro lugar e acima de tudo, ao Senhor da Igreja.
  2. A Igreja de Jesus Cristo tem a tarefa de ser sal e luz do mundo (Mateus 5.13-16). Este é um chamado para fazer a diferença. Mas o que significa tudo isto: ser sal, luz e fazer a diferença? A IECLB entende esta tarefa nos seguintes termos: propagar o Evangelho de Jesus Cristo; estimular a vivência evangélica pessoal, familiar e comunitária; promover a paz, a justiça e o amor na sociedade; participar do testemunho do Evangelho no País e no mundo (Constituição da IECLB, Art. 3º).
  3. Propagar o Evangelho é anunciar aquilo que Jesus Cristo proclamou: “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependam-se e creiam no evangelho” (Marcos 1.15). Propagar o Evangelho é também anunciar o que Jesus Cristo fez por nós: Jesus morreu pelos nossos pecados e ressuscitou (1 Coríntios 15.1-4). Aquilo que Jesus proclamou e aquilo que ele fez por nós constituem o Evangelho que anunciamos. O anúncio de Jesus teve consequências em sua época e tem implicações em nosso contexto. Qual é o efeito do Evangelho nos dias de hoje?
  4. O Evangelho tem consequências em todos os âmbitos da vida. Não é possível separar aquilo que é anunciado na Igreja daquilo que se vivencia no dia a dia: “Ao SENHOR pertence a terra e a sua plenitude, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24.1). Deus é o Criador de tudo e ocupa todos os espaços. É por isto que, na compreensão luterana, a Igreja, a Economia e a Política são consideradas ordens da Criação de Deus. Deus efetiva a sua vontade por meio da Igreja, da Economia e da Política, e cada pessoa é chamada a atuar com os dons dados por Deus nestes três âmbitos da vida. Dessa forma, a vivência evangélica pessoal, familiar e comunitária terá como efeito a promoção da paz, da justiça e do amor na sociedade.
  5. No sentido bíblico, a paz não se caracteriza somente pela ausência de guerras e conflitos. Paz acontece quando há bem-estar espiritual, físico, social, político e econômico. Infelizmente, a sociedade brasileira não se destaca pela vivência dessa paz. Não há paz na economia, não há paz na política e não há efetivação constante da justiça. Parece que estamos na mesma situação descrita pelo profeta Isaías: “Não conhecem o caminho da paz, nem há justiça nos seus passos” (Isaías 59.8). A partir do que se justifica esta percepção tão negativa?
  6. A Economia deve garantir a produção e a distribuição justa dos meios de conservação e preservação da vida. Entretanto, percebemos muita concentração de bens e renda, exploração de mão de obra, desequilíbrio nas relações, esgotamento e degradação dos bens naturais. A cada ano aumenta o fosso que separa a parcela mais rica e a parcela mais pobre da população. Um grupo seleto de pessoas bilionárias concentra a maior parte da riqueza nacional e global. A voz profética continua atual: “Ai dos que ajuntam casas e mais casas, reúnem para si campos e mais campos, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!” (Isaías 5.8).
  7. Nós confessamos que Deus fez tudo o que existe. Aos olhos de Deus, toda a Criação é muito boa (Gênesis 1.31). Deus nos deu habilidades, capacidade criativa e responsabilidades. Como imagem e semelhança de Deus, deveríamos cuidar da Criação da mesma forma que Deus cuidaria (Gênesis 1.27; 2.15). O desmatamento, a poluição, o consumo excessivo e o uso desenfreado de agrotóxicos, evidenciam justamente o contrário. A liberação de agrotóxicos, já proibidos em outros países, traz consequências nocivas para a saúde humana e para a vida de outros seres criados por Deus. Os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho chocaram pela destruição e violência. Sustentamos que agências reguladoras e órgãos ambientais devem exercer fiscalização rigorosa, sem conivência com interesses econômicos. Reiteramos a necessidade urgente de reduzir emissões dos gases que causam o efeito estufa. Reivindicamos ações de saneamento para diminuir os efeitos do esgoto. Precisamos desenvolver, em nossas casas e em nossas comunidades, ações de cuidado com o planeta. Se não agirmos, as gerações futuras sofrerão muito mais as consequências da nossa capacidade destrutiva e do descaso com o meio ambiente.
  8. Entendemos que a função da Política é organizar a vida em sociedade e promover a justiça. Nossa democracia se fragiliza quando, em lugar do bem comum e da justiça social, prevalecem interesses pessoais e de grupos econômicos. Há dificuldade em consolidar políticas públicas que garantam a universalização do acesso à educação e saúde, assegurem o cuidado com o meio ambiente, o acesso a alimento saudável, o direito a uma aposentadoria digna. A prática da corrupção, que não é exclusividade da política, impregna o sistema político. Não havendo punição adequada, a corrupção acaba sendo vista como prática que “vale a pena”. Pessoas desempregadas, trabalhadoras e empresárias, comprometidas com princípios éticos do bem comum, são as que mais sofrem com o desvirtuamento político. Percebemos que também o sistema judiciário precisa ser aprimorado e funcionar imparcialmente, de acordo com o direito e as normas constitucionais.
  9. Nos preocupa de forma especial o assunto da previdência social. Quem trabalha tem direito a aposentar-se de forma digna. Reconhecemos que é necessário reformar o sistema previdenciário para garantir sua sustentabilidade, mas defendemos que sejam observadas as diferentes análises da situação da previdência, que sejam cobradas as dívidas astronômicas e que a distribuição dos benefícios seja justa. A proposta de reforma previdenciária diminui benefícios, mas não mexe em privilégios de certas classes. Ela também não considera as diferenças entre profissões e as expectativas de vida regionais. É imprescindível mais transparência sobre a aplicação dos recursos para sustentar a previdência social. Precisamos nos unir para além das diferenças partidárias e de interesses privados, buscando o bem comum e amparando especialmente as pessoas mais necessitadas.
  10. Os índices de violência no Brasil são assustadores. Com cerca de 60 mil homicídios por ano, nossos números se assemelham a regiões em situação de guerra. Os homicídios afetam especialmente pessoas jovens e negras. São assustadoras e extremamente graves as situações de pedofilia e abuso de crianças. A taxa de feminicídios (assassinato de meninas e mulheres) no Brasil é a quinta maior do mundo. Cresce a violência contra povos indígenas e a violência baseada em discriminação por orientação sexual. Sofremos também com a intensa sensação de insegurança, tanto nas cidades, como nas localidades rurais. Atividades pessoais e comunitárias muitas vezes são limitadas pelo medo. Os governos têm falhado sucessivamente no combate ao narcotráfico e à criminalidade. Armas são fabricadas para matar. A posse de armas não soluciona o problema da segurança pública, que é uma obrigação do Estado. Além de enfrentar as consequências da violência, é preciso perguntar pelas suas causas e se engajar em ações que sustentam a vida. Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, chamou de bem-aventuradas (felizes) as pessoas que promovem a paz (Mateus 5.9). Esta paz pressupõe a prática da não violência. A fé e a esperança cristã nos comprometem a buscar um mundo com menos armas, com mais paz e mais vida (Isaías 2.4).
  11. A IECLB defende a liberdade de expressão, mas ela não pode ser confundida com mentira, calúnia, ódio, discriminação e apologia à violência. As polarizações se manifestam no cenário político e geram tensões nas relações sociais. Repudiamos e condenamos discursos e práticas de ódio, de violência, de racismo, de homofobia. Muitas vezes, perfis falsos e robôs estão na origem de mensagens que alimentam discórdia, intolerância e violência. Falsidades são repetidas tantas vezes até que sejam tomadas por verdades. A expressão fake newssuavizou as consequências terríveis da mentira. Não podemos esquecer que o diabo é o pai da mentira (João 8.44) e que o compromisso cristão é com a verdade e a justiça (Efésios 6.14). O oitavo mandamento ordena não falar mentiras. Para cumpri-lo, de acordo com Martim Lutero, é necessário dizer a verdade e contradizer a mentira onde for necessário.
  12. Ao apontar para os graves problemas da nossa sociedade é necessário falar do pecado humano, que está na origem de tantos males que experimentamos, também na Igreja. Por isto, o anúncio do Evangelho requer o chamado ao arrependimento: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Cada pessoa precisa ser confrontada com as palavras de Jesus: “arrependam-se e creiam no evangelho”. Arrepender-se significa reconhecer que uma maneira de pensar e de agir está incorreta e que uma mudança, uma conversão, é necessária. Confiamos que “mediante o arrependimento, Deus afoga em nós o pecado e, através do perdão, nos faz ressurgir para uma nova vida de fé e amor” (Nossa Fé – Nossa Vida).
  13. Pela ação do Espírito Santo, o Evangelho transforma vidas e habilita a produzir bons frutos. Por isto não podemos deixar de mencionar alguns sinais que percebemos na IECLB. Há práticas diaconais e parcerias com movimentos sociais engajados na busca pelo bem comum. Há grupos que se reúnem em torno de causas ambientais e programas que incentivam a agroecologia. Há preocupação com a justiça de gênero e reflexão ponderada sobre a sexualidade humana. Há pessoas que se reúnem para promover a cultura da paz e empreendedoras e empreendedores que se guiam por princípios éticos. Afirmamos a integridade da vida e a defesa dos direitos humanos fundamentais para todas as pessoas. Assumimos a visão de ser Igreja reconhecida pelo cuidado com a Criação de Deus. Temos compromisso com a educação integral que capacita para o agir socialmente responsável. Em toda a IECLB, pessoas se reúnem em culto e, a partir da comunhão com Deus e com outras pessoas, se dispõem a servir. Mas estamos fazendo tudo aquilo que está ao nosso alcance? Podemos fazer mais?
  14. Como pessoas cristãs de confissão luterana, reconhecemos que o Estado é laico e que a sociedade brasileira deve ser regida pela Constituição Federal. Mas, a partir do Evangelho, temos um chamado para ser sal e luz em nosso país, seguindo os passos de Jesus. Não importa o tamanho e o número de nossas comunidades, nós podemos e precisamos fazer a diferença!
Reunião do Conselho da IECLB, em março (Foto: IECLB/Divulgação)

MENSAGEM DO CONSELHO PERMANENTE DA CNBB

“Serás libertado pelo direito e pela justiça” (cf. Is 1,27)

Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunidos em Brasília-DF nos dias 26 a 28 de março de 2019, assistidos pela graça de Deus, acompanhados pela oração da Igreja e fortalecidos pelo apoio das comunidades eclesiais, esforçamo-nos por cumprir nossa missão profética de pastores no anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo e na denúncia de acontecimentos e situações que se opõem ao Reino de Deus.

A missão da Igreja, que nasce do Evangelho e se alimenta da Eucaristia, orienta-se também pela Doutrina Social da Igreja. Esta missão é perene e visa ao bem dos filhos e filhas de Deus, especialmente, dos mais pobres e vulneráveis, como nos exorta o próprio Cristo: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Por isso, nosso olhar se volta constantemente para a realidade do país, preocupados com propostas e encaminhamentos políticos que ameacem a vida e a dignidade dos pequenos e pobres.

Dentre nossas atuais preocupações, destaca-se a reforma da Previdência – PEC 06/2019 – apresentada pelo Governo para debate e aprovação no Congresso Nacional. Reafirmamos que “o sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidade…), particularmente as mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores ético-sociais e solidários” (Nota da CNBB, março/2017).

Reconhecemos que o sistema da Previdência precisa ser avaliado e, se necessário, adequado à Seguridade Social. Alertamos, no entanto, que as mudanças contidas na PEC 06/2019 sacrificam os mais pobres, penalizam as mulheres e os trabalhadores rurais, punem as pessoas com deficiência e geram desânimo quanto à seguridade social, sobretudo, nos desempregados e nas gerações mais jovens. O discurso de que a reforma corta privilégios precisa deixar claro quais são esses privilégios, quem os possui e qual é a quota de sacrifício dos privilegiados, bem como a forma de combater a sonegação e de cobrar os devedores da Previdência Social. A conta da transição do atual regime para o regime de capitalização, proposto pela reforma, não pode ser paga pelos pobres. Consideramos grave o fato de a PEC 06/2019 transferir da Constituição para leis complementares regras previdenciárias como idades de concessão, carências, formas de cálculo de valores e reajustes, promovendo desconstruções da Constituição Cidadã (1988).

Fazemos um apelo ao Congresso Nacional que favoreça o debate público sobre esta proposta de reforma da Previdência que incide na vida de todos os brasileiros. Conclamamos as comunidades eclesiais e as organizações da sociedade civil a participarem ativamente desse debate para que, no diálogo, defendam os direitos constitucionais que garantem a cidadania para todos.

Ao se manifestar sobre estas e outras questões que dizem respeito à realidade político-social do Brasil, a Igreja o faz na defesa dos pobres e excluídos. Trata-se de um apelo da espiritualidade cristã, da ética social e do compromisso de toda a sociedade com a construção do bem comum e com a defesa do Estado Democrático de Direito.

O tempo quaresmal, vivido na prática da oração, do jejum e da caridade, nos leva para a Páscoa que garante a vitória, em Jesus, sobre os sofrimentos e aflições. Anima-nos a esperança que vem de Cristo e de sua cruz, como ensina o papa Francisco: “O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal” (Evangelii Gaudium, 85).

Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda por todos os brasileiros e brasileiras!

Cardeal Sergio da Rocha

Arcebispo de Brasília

Presidente da CNBB

Dom Murilo S. R. Krieger

Arcebispo de São Salvador

Vice-Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília

Secretário-Geral da CNBB

Fonte: Brasil 247, Extra Classe e Folha de S. Paulo

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