A decisão do papa Bento 16 (foto) de promover a velha missa latina é a realização de um sonho para os tradicionalistas católicos romanos e uma dor de cabeça para os padres que deverão celebrá-la.

Com seu decreto de sábado, o papa tenta acabar com 40 anos de “guerra de culturas” entre a grande maioria da Igreja, que tem 1,1 bilhão de fiéis, e uma pequena minoria que nunca aceitou as reformas de modernização do Segundo Concílio do Vaticano.

Sua solução foi permitir que os tradicionalistas, que por muito tempo ficaram afastados, peçam para os padres locais realizarem a liturgia de 16 séculos e protestarem ao Vaticano se houver recusa.

Sua carta aos bispos explicando a medida provocou alguns problemas práticos. Poucos padres sabem celebrar a missa antiga e muitos mantiveram o modelo atual neste domingo.

Muitos clérigos também estão preocupados com a teimosia dos tradicionalistas, que passaram décadas criticando a fórmula e que agora deverão demonstrar força na promoção da missa latina.

“Onde houver um grupo que quer isso, será realmente um problema para o padre”, disse o padre Tom Reese S.J., do Woodstock Theological Center, na Universidade Georgetown, em Washington. “Ele será pressionado a fazer isso.”

O cardeal Jean-Pierre Ricard, chefe da Conferência dos Bispos da França, disse que a proposta de fazer a transição usando os dois rituais pode não ser algo fácil. “Vai haver um pouco de confusão”, disse ele a jornalistas em Paris.

Mistério

Antes do Segundo Concílio do Vaticano (1962-1965), a missa católica era um ritual elaborado, feito em latim por um padre com as costas para a congregação. O encontro reduziu a formalidade e colocou o padre de frente para os fiéis, no idioma local.

Tradicionalistas rejeitaram o novo estilo, com hinos cantados e música de violão. Muitos sentiam falta do sentido de mistério e temor do rito em latim e do centenário canto gregoriano que acompanhava a missa.

Alguns foram além, denunciando as reformas, incluindo o respeito por judeus e a cooperação com outras fés. Líderes do maior grupo, a Fraternidade São Pio X (SSPX), de 600 mil membros, foram excomungados em 1988 por desafiarem o Vaticano.

Mas a SSPX e tradicionalistas leais a Bento 16 elogiaram o decreto. Mas o bispo da SSPX Bernard Fellay esquentou o clima ao afirmar que Roma deve encerrar sua excomunhão antes mesmo de começar a debater as disputas de doutrina que afastaram o grupo.

Muitos bispos estão preocupados por acharem que o decreto reativa os debates fervorosos entre modernizadores e tradicionalistas que aconteceram depois do concílio, mesmo depois que o papa deixou claro que a nova missa continua sendo a regra e que o rito latino é uma exceção permitida.

Outro argumento de Bento 16 –de que promover a antiga missa não significa reverter as reformas– também parece ter sido recebido com ceticismo na Igreja.

O bispo Luca Brandolini, italiano especialista em liturgia, disse depois do decreto que estava de luto e contendo lágrimas.

“A reforma pela qual tanta gente trabalhou, com grande sacrifício e inspirada somente pelo desejo de renovar a Igreja, foi agora cancelada”, disse ele ao jornal La Repubblica, de Roma.

“O Santo Padre afirma no documento que seu desejo, é claro, é ajudar a promover a união”, disse o padre Keith Pecklers, professor de liturgia na Universidade Pontifícia Gregoriana, de Roma.

“Uma preocupação por parte de muitos bispos é que ao chegar a esta minoria muito pequena que deseja este rito… irá na verdade trazer desunião na Igreja.”

O cardeal Karl Lehmann, principal bispo da Alemanha, disse que a maioria dos católicos do país gosta da nova missa, mas disse: “Espero que possamos levar os cabeças quentes dos dois lados para o meio.”

Fonte: Reuters

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