O procurador da República Mário Sérgio Ghannagé Barbosa, do Ministério Público Federal (MPF) em Joinville (SC), arquivou representação contra o pastor Silas Malafaia por críticas dirigidas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional realizadas por meio de rede social.
A reclamação contra o líder religioso se fundamenta em crimes que ele teria cometido, infringindo a Lei de Segurança Nacional (LSN). Para o procurador, “não existem indícios de que o representado, ainda que se trate de uma figura pública e exerça influência sobre diversos cidadãos, exerça essa mesma influência no âmbito do governo federal, ao ponto de representar uma ameaça à ordem social vigente ou aos chefes dos poderes da União”.
Neste contexto, argumenta Mário Ghannagé, depreende-se que as críticas publicadas por Malafaia em seu perfil pessoal no Twitter “limitam-se a isso mesmo, são meras críticas, incapazes de provocar afetação concreta aos bens protegidos pela Lei de Segurança Nacional, o que se reputa indispensável para a configuração dos delitos tipificados pela norma”.
Ele ainda afirmou que “a atipicidade dos fatos narrados constituem, meramente, a expressão de indignação do representado com as decisões do referido Tribunal, fato que, por si só, não constitui prática de crime”.
O procurador do MPF em Joinville ainda ressaltou que “o direito à liberdade de expressão e, consequentemente, de tecer críticas às posturas adotadas por autoridades públicas, encontra amparo na Constituição Federal de 1988, fato que não pode ser desconsiderado quando da análise dos delitos tipificados pela lei n° 7.170/1983” e, ainda que “não se pode chegar ao absurdo de criminalizar a simples manifestação de um posicionamento ou crítica sem que este efetivamente represente uma ameaça, visto que tal prática representaria verdadeira censura”.
“Permitir, em 2020, que o Ministério Público e o Judiciário sejam os fiscais da verdade, da correção de ideias e da produção de pensamento, é conferir a eles o verdadeiro papel de editores do Brasil. Significa, em outras palavras, retomar ao período da Idade Média, com uma troca singela de deuses e inquisidores”, disse ainda o procurador. “Limitar a expressão do pensamento é em última medida retirar a qualidade inerente que possibilitou o ser humano sair de 1500 e chegar nos anos 2000. É nos levar de volta a um período de Inquisição e obscurantismo, só que com novos mitos e deuses tiranos”.
Delito
A representação afirmava que o pastor carioca poderia ser punido por delito previsto no artigo 23, inciso II, da LSN, que criminaliza a conduta de “incitar a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”.
Conforme a representação, Malafaia teria praticado o delito ao publicar em seu perfil pessoal no Twitter: “Neste vídeo eu faço denúncias gravíssimas e mostro na lei que o STF está dando um golpe no Brasil. Bolsonaro tem que se posicionar convocando as Forças Armadas”.
Outro delito apontado pela representação, é tipificado pelo artigo 18 da LSN, que descreve a conduta de “tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos poderes da União ou dos estados.”
A representação narra que o pastor teria praticado esse delito ao escrever as seguintes postagens em seu perfil no Twitter: “Está instalado o estado policial. Acabou a liberdade de expressão! [em caixa alta] Com a operação de hoje, exclusivamente contra apoiadores de Bolsonaro, o ditador, tirano, ministro do PSDB, Alexandre de Moraes, confirma a perseguição política para derrubar Bolsonaro. Tinha que ser preso! [caixa alta]” e “O ministro ditador e tirano do PSDB! [caixa alta] Alexandre de Moraes rasgou a constituição, art. 129, inciso I, o sistema acusatório é restrito do MP, rasgou o art. 144, montou o seu próprio aparato de investigação sem a participação da PF. Não merece só perder o cargo. Cadeia!” [caixa alta].
Nessa postagem, conforme análise do MPF, bem como em outras, feitas pelo representado, “verifica-se que não houve violência ou grave ameaça na conduta praticada, que constitui elemento do tipo penal e, portanto, reputa-se indispensável para a configuração do delito tipificado no artigo 18 da Lei de Segurança Nacional” e, ainda, que “as declarações sejam, no mínimo, incisivas, também configuram mero exercício de direito à liberdade de expressão do indivíduo, não encontrando subsunção a norma penal”.
Calúnia e difamação
Por fim, a representação ainda acusava Malafaia de infringir o artigo 26 da LSN, que tipifica a conduta de “caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado, o da Câmara dos Deputados ou o do STF, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.”
O delito teria sido praticado ao Malafaia afirmar no Twitter: “Forças Armadas contra esse ditador da toga! [caixa alta] Artigo 142 da CF contra esse absurdo! O apoio da imprensa a essa safadeza de Alexandre de Moraes, querem derrubar Bolsonaro porque perderam bilhões, o silêncio de Davi Alcolumbre, Rodrigo Maia e o presidente da OAB. Vergonha total” [caixa alta].
FORÇAS ARMADAS CONTRA ESSE DITADOR DA TOGA ! Artigo 142 da CF contra esse absurdo ! O apoio da imprensa a essa safadeza de Alexandre de Moraes , querem derrubar Bolsonaro porque perderam bilhões , o silêncio de Davi Alcolumbre , Rodrigo Maia e o presidente da OAB. VERGONHA TOTAL!
— Silas Malafaia (@PastorMalafaia) June 16, 2020
Esse crime teria sido praticado, conforme a representação, porque o pastor ofendeu a reputação dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, “que consistiria na omissão, ou talvez um apoio velado, a uma suposta tentativa de golpe contra o presidente Jair Bolsonaro”.
Mas, para o procurador do MPF, só haverá crime do artigo 26 se for cometido em face de presidente da República, presidente do Senado, da Câmara dos Deputados ou STF. “Na época dos fatos, o ministro Alexandre de Moraes era ministro do Supremo, não ostentando a qualidade de presidente da Corte. Diante disso, não se há de falar em crime do artigo 26 da LSN”, resumiu Ghannagé.
“Por mais popular que seja o pastor Silas, seu tweet não passa disso, de um tweet, de uma crítica que tem seus destinatários e sua influência muito limitados. Em nenhum momento o estado brasileiro se viu sob risco de colapso por conta desse tweet. Soa deveras hiperbólico supor que um tweet do pastor Silas possa, isoladamente, provocar tamanho risco ao estado brasileiro. E não há nenhum indício que o representado tenha ido adiante em sua suposta tentativa de desconfigurar o estado brasileiro. Ele apenas escreveu um tweet em tom de crítica e desabafo”, analisou.
“Não se pode admitir uma interpretação esquizofrênica e hiperbólica da Lei de Segurança Nacional. Não se pode admitir que essa lei seja invocada para punir twitteiros, youtubers, blogueiros, jornalistas que, isoladamente, se colocam a criticar autoridades públicas”, afirmou ainda o procurador Mário Ghannagé.
Veja aqui a íntegra do documento
Fonte: Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público Federal em SC