Em um culto dominical matinal regular, antes das canções de louvor e um sermão sobre resiliência, a pastora de uma das maiores igrejas pentecostais de Sydney mencionou uma pessoa que costumava estar entre os fiéis ali.
A Igreja sempre fez parte de sua vida e ao longo da última década, seu lar espiritual era este santuário movimentado com uma cruz formada por lâmpadas brilhantes.
Mas ele não estava presente no domingo passado. Na sexta-feira, ele se tornou o mais novo primeiro-ministro da Austrália.
“Estou incrivelmente esperançosa, esperançosa pelo futuro de nossa geração”, disse Alison Bonhomme, pastora sênior da Horizon Church, refletindo sobre o tumulto político que levou Scott Morrison a se tornar o líder do país.
Aplausos se seguiram.
Morrison e sua fé representam uma ruptura com a tradição na Austrália, onde a política há muito é ferrenhamente laica. Ele é o primeiro premier a vir de um dos crescentes movimentos cristãos evangélicos do país, levando muitos especialistas e eleitores a se perguntarem como seu cristianismo poderia afetar várias questões, da política externa às políticas sociais.
“A questão é se Morrison escolherá tornar sua fé parte de sua personalidade política ou até que ponto o fará”, disse Hugh White, um professor de estudos estratégicos da Universidade Nacional da Austrália. “Até o momento, ele não parece estar esfregando isso na cara das pessoas.”
De muitas formas, Morrison difere muito dos políticos cristãos evangélicos dos Estados Unidos. Assim como eles, ele tem condenado o que considera um crescente desrespeito pelas crenças cristãs, assim como expressou oposição ao casamento de mesmo sexo. Mas Morrison com frequência opta pelo pragmatismo (ou cálculo político) em vez do fundamentalismo.
Por exemplo, quando ocorreu a votação para legalização do casamento de mesmo sexo na Austrália, após uma pesquisa mostrando apoio da maioria entre os australianos, ele se absteve.
“Ele não realizará campanha como guerreiro cultural ou como reformista social conservador”, disse Jill Sheppard, uma professora de política da Universidade Nacional da Austrália.
“Às vezes ele faz referência à sua igreja e suas crenças”, ela acrescentou. “Mas ele também não mostra muita disposição de combater os moderados de seu partido nessas questões.”
Mesmo assim, sua fé é um fio que costura quase todos os capítulos de sua vida.
Morrison, 50 anos, foi criado em um subúrbio litorâneo de Sydney, e sua família era ativa na Igreja da União da Austrália. Ele conheceu sua esposa, Jenny, na igreja quando tinha 12 anos.
Em seu primeiro discurso no Parlamento em 2008, ele descreveu o cristianismo como uma de suas principais razões para servir.
“Para mim, a fé é pessoal, mas as implicações são sociais, já que responsabilidade pessoal e social estão no coração da mensagem cristã”, disse Morrison em um discurso no qual também citou um trecho do Livro de Jeremias como resumo de suas crenças: “Eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor”.
“A Austrália não é um país laico”, ele acrescentou. “É um país livre. É uma nação onde você tem a liberdade de seguir qualquer fé que escolher.”
Morrison, um gigante brincalhão que com frequência se gaba de seu fanatismo por rúgbi, também agradeceu a Deus por reconhecer a determinação de sua esposa após a luta deles para terem filhos, após várias tentativas fracassadas por meio de fertilização in vitro.
“Após 14 anos de decepções amargas”, ele disse, “Deus lembrou da fé dela e nos abençoou com nossa filha milagrosa”. (Eles agora têm duas filhas.)
For uma década, Morrison e sua família fazem parte da congregação da Horizon Church, em um subúrbio de classe média ao sul de Sydney, onde sua esposa é voluntária e suas filhas estão envolvidas no ministério infantil.
Apesar do número de australianos que se identificam como cristãos ter caído nos últimos anos, as igrejas pentecostais, como a Horizon e a Hillsong, a megaigreja global, têm atraído uma grande quantidade de novos fiéis, tendo apelo especialmente junto aos jovens com um estilo de adoração contemporâneo.
Os pastores da Horizon disseram apreciar a maior visibilidade de seus valores.
“Acho que pessoas de fé por todo o país estão cheias de esperança com o fato de alguém de fé e princípios cristãos estar exercendo tamanho papel na vida pública”, disse Kristy Mills, a pastora executiva. “Acho que há uma grande esperança de que as tomadas de decisão sejam influenciadas por princípios piedosos.”
Mas Morrison ascendeu em um momento especialmente difícil, em que a Austrália está cada vez mais exasperada com a disfunção que tem perturbado repetidamente o governo.
Morrison é o mais recente político a se tornar primeiro-ministro após uma tumultuada perda de liderança, na qual o líder foi derrubado por rivais do partido, neste caso Malcolm Turnbull, um moderado derrubado pelos conservadores.
Nenhum primeiro-ministro australiano concluiu seu mandato em mais de uma década.
Morrison não era a primeira opção dos conservadores para substituição de Turnbull, que disse na segunda-feira que renunciaria do Parlamento nesta semana, segundo a TV “Australian Broadcasting Corporation”. O novo líder agora enfrenta o desafio colossal de tentar construir uma cultura de reconciliação. Uma eleição deverá ser realizada em maio do ano que vem.
Em seus comentários no domingo, ao anunciar seu novo Gabinete, ele rejeitou a ideia de mudar as regras partidárias para assegurar maior estabilidade.
“O que precisa mudar aqui e o que os australianos esperam de nós é uma mudança de cultura e comportamento”, ele disse.
O levante foi apenas outra manifestação da brutalidade que se infiltrou na política democrática de todo o mundo, disse Michael Fullilove, diretor executivo do Instituto Lowy, um centro de estudos não partidário. “As convenções que antes governavam o comportamento político foram quebradas”, ele disse.
A instabilidade política deixou aliados estrangeiros incomodados e minou a já baixa confiança de muitos eleitores, incluindo aqueles nos subúrbios de Sydney que Morrison representa no Parlamento.
Em entrevistas ao longo da semana passada, os moradores descreveram sua frustração com os recorrentes golpes de bastidores que, na visão deles, atrapalham a forma de governar.
“É pior do que um pátio escolar”, disse Jeanine Potter, uma professora que é eleitora de Morrison há cerca de quatro anos. “É assustador pensarmos que nosso dinheiro está pagando para que eles tentem governar um país.”
O eleitorado de Morrison cobre uma península nos subúrbios do sul de Sydney, que em grande parte apoiou candidatos do Partido Liberal ao longo dos últimos 25 anos. Seus apoiadores apontam para suas raízes de classe operária (seu pai foi comandante da polícia) e a casa relativamente modesta de sua família.
Seus críticos, no distrito e além, questionam tanto sua aptidão para exercer o mais alto cargo quanto sua capacidade de conciliar suas fé com algumas de suas posições, como as linhas-duras a respeito da imigração. Como ministro da imigração e da proteção de fronteira de 2013 a 2014, ele trabalhou agressivamente para impedir a chegada à Austrália das embarcações de requerentes de asilo.
Após o naufrágio de uma dessas embarcações perto da Ilha Christmas, ele enfrentou uma enxurrada de críticas quando disse que acreditava ser despropositado o governo australiano pagar para transportar os parentes das vítimas para os funerais. Ele posteriormente expressou arrependimento por fazer os comentários de “modo tão insensível”, mas não alterou sua posição.
Repetindo as posições dos cristãos conservadores nos Estados Unidos, com frequência amplificadas pelos veículos de mídia conservadores na Austrália, ele é especialmente vigoroso em criticar a forma como acredita que os cristãos são frequentemente alvo de discriminação e zombaria.
Ele defende uma aumento das proteções legais à liberdade religiosa. “Sempre começa de modo inocente e sempre é dito que é apenas uma piada, da mesma forma que ocorre com muitas discriminações”, disse Morrison em uma entrevista no ano passado para a “Fairfax Media”, amplamente divulgada. “E sempre vou condenar isso.”
Se ele tornará essas questões da guerra cultural uma parte importante de seu mandato ainda não se sabe.
Martyn Iles, diretor administrativo do Lobby Cristão Australiano, disse que considera Morrison tranquilizador, pois ele entende o papel e o valor do cristianismo na vida pública australiana.
“Ele não se acha a pessoa maior e mais poderosa”, disse Iles. “Ele sabe que responde a Deus.”
Fonte: The News York Times – Tradutor: George El Khouri Andolfato