Complexo e por vezes instável, relacionamento entre pais cristãos e seus filhos pode melhorar com dedicação e exemplo de vida. “Ensinar o filho no caminho em que deve andar significa também impor limites, valores e princípios”, afirma Super Nanny.
Da alegria do primeiro encontro, ainda na sala de parto, às mudanças emocionais e na rotina doméstica que a chegada de uma criança acarreta, tudo é novo e estimulante no início da relação entre pais e filhos. Amor, preocupação e insegurança se misturam na cabeça dos pais, sejam ou não de primeira viagem; é a hora de fazer sonhos e firmar ideais para o filho que acabou de chegar. É, a paternidade é uma deliciosa aventura que durará toda a vida. Porém, logo aquela coisinha fofinha vai crescer, aprender a dizer “não” e tentar fazer valer as suas vontades. É apenas o começo; a adolescência vai chegar, com os questionamentos e rebeldias típicos da idade. E o que dizer da juventude e da entrada na idade adulta, com tantos perigos – do atraente mundo das drogas ao risco da gravidez precoce, tudo é motivo para os pais perderem o sono.
Não existe faculdade que prepara para o exercício da paternidade. E, apesar da vasta literatura disponível, é na prática quase sempre penosa do dia a dia que papais e mamães vão se deparar com o desafio da criação de um ser humano. É preciso viver para aprender; e o processo vai muito além de suprir as necessidades básicas com habitação, alimentação, recreação e assistência médica; passa pela formação moral, psicológica e espiritual. Falta de tempo, pressões sociais, demandas pessoais e as exigências cada vez maiores da vida neste século 21, tudo parece conspirar silenciosamente para prejudicar a relação entre pais e filhos. E que não se pense que as coisas nem sempre foram assim. Os problemas entre as gerações vêm de longe, muito longe. A Bíblia está repleta de casos de pais que fracassaram no exercício da paternidade. Davi, Eli, Isaque – mesmo grandes homens de Deus que operaram maravilhas em nome do Senhor experimentaram o desgosto de ver os filhos seguirem por caminhos tortuosos. E se, segundo o salmista, os filhos são “heranças do Senhor” (Salmo 127.3), um dos grandes desafios que a pós-modernidade tem trazido aos pais é sobre o que fazer para que esse precioso legado não se perca.
No livro Arrume sua casa (Editora Betânia), o pastor Amauri Costa de Oliveira, da Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte (MG), analisa as dificuldades enfrentadas por Jacó na criação de seus muitos e problemáticos filhos. Dificuldades de relacionamento, crises emocionais e desvios morais são apresentados claramente, mostrando, ao final, como Deus agiu na história daquela família – embora alguns problemas jamais tenham sido resolvidos de fato. Milhares de anos depois, a história se repete. “Não podemos negligenciar as obrigações da paternidade achando que Deus vai remendar nossas falhas, pois não vai mesmo”, avisa Oliveira. Desajustes Omissão no exercício da autoridade e falta de exemplo são alguns itens que encabeçam a lista de potenciais problemas que virão mais cedo ou mais tarde nessa intrincada e fascinante relação. “A definição de papéis dentro da família está ficando cada vez mais negligenciada. Se os pais não souberem quem são na vida de seus filhos, não saberão como educá-los no caminho cristão.”
[b]INVESTIMENTO E RESULTADOS
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Amauri Oliveira reconhece que essa observação também vale em relação à família cristã. Muitos crentes, ele diz, dedicam tempo demais às atividades espirituais e eclesiásticas e deixam a família de lado. Experiente, o pastor aponta um erro muito comum: “É o de acreditar que levar os filhos para a igreja resolve todos os possíveis problemas”.
Mencionando o Novo Testamento, o pastor lembra os conselhos do apóstolo Paulo sobre a necessidade de o homem de Deus cuidar bem de sua própria casa antes de se dedicar aos assuntos do Reino do Senhor. “Deus não vai fazer o que é nossa obrigação. Levar os filhos para igreja é uma obrigação do pai cristão; viver o Evangelho em casa, ensinando os filhos no caminho em que devem andar, é outra coisa.”
Foram as escolhas que o professor de teologia Claudio Ernani Ebert fez em relação à criação dos três filhos que trouxeram bons frutos à sua família. Pastor da Comunidade do Amor – Igreja Evangélica Livre, em Curitiba (PR), e com pós-graduação em terapia familiar, Ebert sempre soube que o caminho da educação passa tanto pelo amor como pela imposição de limites: “Eu e minha mulher compreendemos que não podíamos ser apenas amigos dos nossos filhos, mas pais presentes e ativos em seu desenvolvimento”. Pai de três filhos, hoje adultos, Ebert aprendeu que cada um era diferente do outro. Por isso, desde que eram pequenos, adotou como rotina a realização semanal de atividades individuais, com o objetivo de aproximar-se deles. “Chamo a isso de discipulado dinâmico”, diz. “A palavra que sempre me vinha à mente era investimento. Se investisse nos meus filhos, colheria resultados”.
A experiência de engajar pais e mães na função parental para potencializar o crescimento de filhos mais saudáveis e felizes se tornou um seminário para pais chamado “Projeto Filhos Felizes”, elaborado pela mulher do pastor, Clarice, visando ao fortalecimento e à saúde integral da família. Os temas abordados incluem acolhimento, construção de identidade, ensino e orientação quanto a valores morais e éticos, além de questões como limites, disciplina e autonomia. “Não há receita fácil para o sucesso na educação e desenvolvimento dos filhos”, admite Claudio Ebert.
[b]“RECONHECER ERROS”
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Quando as coisas não andam tão bem, entretanto, muitos pais entram em desespero. Nos dias de hoje, há muita ajuda disponível às famílias cristãs, seja na forma de livros, programas de aconselhamento ou eventos direcionados para pais e filhos. Contudo, às vezes, a situação extrapola e é preciso algo mais, digamos, radical. Foi a reiterada desobediência do filho Matheus, então com apenas cinco anos, que levou o casal Anderson e Elisangela Campos a inscrever a família, que vive em São Paulo, no Super Nanny, exibido nos sábados pelo SBT. A atração é similar ao programa original, exibido pela tevê britânica, e desde sua estreia, em abril de 2006, a versão brasileira do reality show já passou por mais de cem lares brasileiros. A falta de limites de Matheus era evidente. Ele gritava, fazia birra, atirava objetos ao chão e vivia às turras com as irmãs mais velhas. Com a casa fora de controle e à beira de um ataque de nervos, o casal enxergou na educadora Cris Poli uma esperança para mudar as coisas.
Sorteada para participar do programa, a família Campos teve de passar pelo constrangimento de expor sua situação em público. “O mais doloroso foi reconhecer os próprios erros. Vimos que, apesar do amor e carinho dispensado aos nossos filhos, estávamos na direção errada”, confessa Elizangela. Como mãe, ela enfrentou o mesmo drama de tantas outras mulheres – o de deixar as crianças sem limites para compensar a culpa pela ausência e depois sofrer com as consequências dos verdadeiros reizinhos que se criam nesse tipo de ambiente. A partir das orientações de Cris Poli, ela e o marido perceberam que era possível organizar a casa de modo que todos ficassem unidos e felizes. “A grande lição foi descobrir que éramos capazes de mudar tudo”, conta, satisfeita. Com as ferramentas certas nas mãos, os pais de Matheus foram diligentes em seguir as orientações da especialista. “O mais importante é ser firme, perseverante e não desistir. A educação é o bem maior que podemos deixar aos nossos filhos.”
Aos 67 anos de idade, a professora Cris Poli é argentina, mas vive no Brasil há 35 anos. Nem todos sabem, mas ela é evangélica e congrega na Igreja Cristã da Flórida, no bairro paulistano do Brooklin. Com larga experiência profissional e familiar – tem três filhos e cinco netos –, Cris sabe que uma das maiores dificuldades dos pais contemporâneos é quanto à transmissão de valores aos filhos. “O que vejo hoje nos pais em geral, inclusive os evangélicos, é muita incerteza com relação ao que realmente querem para os filhos. Não sabem como agir, e isso os deixa muito confusos”. Depois de ajudar tantas famílias com problemas, a apresentadora diz que muita confusão nos lares é gerada pela permissividade oriunda da falta de tempo de pais e mães que trabalham fora e passam pouco tempo com as crianças. “Para não entrar em conflito e não terem de ouvir choros, eles deixam os filhos fazerem o que querem, até o momento que não aguentam mais”, explica. Como cristã, a super nanny brasileira sintetiza no texto de Provérbios 22.6 o que considera o ponto de vista de Deus sobre educação. “Ensinar o filho no caminho em que deve andar significa também impor limites, valores e princípios”. Todo discurso, afinal de contas, só se legitima pela ação prática coerente. “As crianças, inicialmente, aprendem pela imitação”, garante o psicólogo Ageu Heringer Lisboa, membro do Conselho Consultivo do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC). “Desde pequenos, os filhos incorporam atitudes, hábitos, expressões verbais e emocionais e a visão de mundo daqueles que os criam.”
Ageu Lisboa lembra que sempre existirão tensões entre os dois lados, já que os filhos, no decorrer do crescimento, caminham para a liberdade e a autonomia. De acordo com o psicólogo, os que desfrutam de um ambiente emocional cooperativo e respeitoso se sentirão mais amados, desenvolverão melhor a autoestima e a alegria de viver. “Mesmo assim”, pondera, “aqueles que convivem com situações familiares adversas, como pais agressivos ou separados, não estão condenados ao fracasso existencial. Apenas terão de enfrentar mais obstáculos e encontrar outros recursos de crescimento”. Nesse aspecto, garante o terapeuta, o papel de comunidades como a igreja pode ser decisivo. “Junto a pessoas confiáveis e que proporcionam encorajamento, essas pessoas podem ter um apoio vital.”
[b]FRUSTRAÇÃO x REALIZAÇÕES
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Os equívocos cometidos com os filhos podem ser também refletir o que os pais vivenciaram na própria infância. “Existe uma propensão para que as experiências vividas se repitam na passagem de uma geração para outra”, salienta o mestre em filosofia e doutor em psiquiatria Uriel Eckert. “As deformações no processo educativo recebido pelos pais podem, com muita frequência, ser reiterados nas suas atitudes com os filhos”. Eckert recomenda então coragem e fé para mudar aquilo que é nocivo e doentio. Uma possibilidade, segundo ele, é contar com pessoas do mesmo grupo social, que se motivam na busca da superação. “Acima de tudo, faz muito bem saber que o Deus da Bíblia está comprometido com toda boa nova, envolvido em todo processo de desenvolvimento e transformação rumo à liberdade e à plena realização de cada pessoa”. Fazer uma introspecção sincera também ajuda a reconhecer decepções que podem gerar filhos inseguros. “Pais frustrados em seus ideais pessoais, profissionais e conjugais tendem a projetar nos filhos expectativas de realização. Isso cria um clima desfavorável ao desenvolvimento espontâneo dos filhos, já que são alvos de desejos que não lhes são próprios”, adverte.
“Há pais mais preocupados com o desempenho dos filhos do que com suas necessidades emocionais de segurança, amor e afeto”, constata Dagmar Grzybowski, profissional especializada em terapia familiar sistêmica. Ela divide com o marido, Carlos, a autoria do livro Pais santos, filhos nem tanto, lançado este ano pela Editora Ultimato. A história do rei Davi é o enfoque da obra, que mostra um homem piedoso e bem sucedido como monarca e líder militar de seu povo mas que, dentro de casa, fracassou reiteradamente. “Grande parte dos pais crentes não dedica tempo para falar aos filhos sobre sua própria fé, continua. Para Dagmar, a vivência cristã tem que ser integrada com a educação de uma forma natural. “É o exemplo dos pais que tem maior influência na adesão dos filhos aos ensinamentos apresentados”. Assim, educação cristã na igreja, como na escola dominical infantil, é apenas uma ferramenta de reforço daquilo que se aprende em casa. “Se os pais não têm temor do Senhor, se não amam a Deus acima de todas as coisas, vai ser muito difícil ensinar uma fé que não praticam”, alerta.
Com formação em aconselhamento familiar e mestrado em educação, a professora Meibel Guedes destaca outra característica que jamais pode ser esquecida – a de que as crianças de hoje são muito diferentes das que viveram em décadas passadas. “Os alunos de hoje estão vivendo em uma sociedade audiovisual, informatizada, e amadurecem mais cedo, principalmente pela influência da mídia. A realidade em sala de aula tem mostrado alunos que, devido à falta de limites e de orientação dos pais e ao uso exagerado da tecnologia, têm dificuldade de prestar atenção, ouvir e respeitar colegas e professores.”
[b]DEUS NO CONTROLE
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Orientação especializada é uma das melhores soluções para casais cristãos que buscam a excelência na paternidade. O administrador de empresas Carlos Moura Lima e sua mulher, a editora Caline, viviam sentiam inseguros quanto à educação dos filhos. Ouviam conselhos de todos os lados e acabaram deixando as coisas acontecerem por si mesmas. “Achamos que assim não teríamos trabalho criando nossos filhos”, conta Carlos. Foi só quando a filha, Caroline, então com 4 anos, mudou totalmente de comportamento com a chegada do irmãozinho Carlos Eduardo, que as coisas começaram a desandar. A menina se mostrava fria, arredia e indiferente aos sentimentos das outras pessoas. Perdido, os pais não suspeitavam que as atitudes da garota eram próprias de uma personalidade ainda em formação. Nessa época, um curso ministrado na Igreja Batista Memorial de São Paulo, onde congregam, foi de fundamental importância para eles. “Ouvindo as orientações daqueles irmãos, entendi que era nosso papel interferir na personalidade de nossa filha, conduzindo-a a agir corretamente e a respeitar os outros”, conta o pai.
O casal Sérgio e Magali Leoto é pioneiro nesse tipo de ministério, com mais de 30 anos de experiência em atendimento familiar cristão. “Nosso trabalho é ajudar as pessoas a se entenderem bem dentro de casa”, comenta o pastor Sérgio. Para atender à crescente demanda representada por famílias em crise, diversas atividades do gênero têm surgido no meio evangélico. É o caso da Oficina de Famílias e do curso Educação de Filhos à Maneira de Deus, com orientações práticas para um bom relacionamento entre pais e filhos. O conteúdo enfatiza a importância dos valores bíblicos na educação de crianças de 2 a 10 anos de idade. Direcionado aos pais, o programa tem duração de 16 semanas e está aberto também à comunidade. Rinaldo Prado, estudante de teologia e aconselhamento bíblico, e sua mulher, a pedagoga Rosi, são os líderes. Eles decidiram investir seu tempo neste trabalho após terem sido ajudados durante o curso na criação dos próprios filhos, Tales, de 15 anos, e Dante, de sete.
“Além de nós, contamos com outros 25 casais, que partilham do mesmo desejo de fortalecer famílias. Temos visto a eficácia da Palavra de Deus na vida dos pais e mudanças positivas na vida daqueles que se submetem com simplicidade”, revela Rinaldo. “Antes tínhamos apenas duas medidas de ação: deixar as coisas acontecerem ou disciplinar. Hoje, dispomos de alternativas e opções para alcançar nossos objetivos com nossos filhos”, continua Carlos Lima. O convívio na igreja ajudou a consolidar os princípios bíblicos na mente das crianças. Hoje, ele e Caline garantem estar experimentado um período de paz e estabilidade familiar: “Temos o Senhor no controle de tudo”, garante.
[b]“Carência grande”
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Cris Poli, a super nanny da TV brasileira, conversou com CRISTIANISMO HOJE:
[b]Por que a modernidade desgasta tanto a relação entre pais e filhos?
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O que vemos nos dias de hoje é consequência da falta de relacionamento, de diálogo, que deve começar cedo. A carência é muito grande, os pais não brincam com os filhos.
[b]Muito se critica, hoje, os pais que batem nos filhos. O uso da vara, previsto no texto de Provérbios 23.13, deve ser abandonado?
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A vara era orientada para a época do Antigo Testamento. Quando Jesus veio, trouxe mudança de valores e comportamento. Ele não fala da vara, e sim, de disciplina e limites. O método do “cantinho da disciplina” substitui a vara. Não vejo que a palmada seja aplicada com o intuito de educar e para demonstrar autoridade. Autoridade pode ser demonstrada de outro jeito, com atitude, firmeza e convicção do que se está fazendo, sem descontrole.
[b]A criança aceita os limites impostos pelos pais?
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Aceita, sim. O limite não é ruim; é um bom parâmetro. É preciso colocar limites desde cedo: hora para dormir, para acordar, disciplina. Claro que o filho vai testar para descobrir até onde pai e mãe vão exercer sua autoridade. Por isso, eles devem ter convicção do que querem para os filhos.
[b]LINHA DO TEMPO
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Anos 60
É comum ver famílias com quatro ou cinco filhos. A disciplina família, rígida, estende-se ao respeito à autoridade de pais e professores. A igreja estimula o modelo patriarcal. Transformações sociais nos Estados Unidos e na Europa, como o movimento hippie, começam a provocar efeitos também no Brasil.
Anos 70
Os papéis masculinos e femininos começama se confundir. No Ocidente, os padrões de autoridade paterna são fortemente questionados. A crise econômica provoca a desagregação de muitas família.
Anos 80
O ingresso de mulher no mercado de trabalho provoca reflexos na família; a educação das crianças passa a ser terceirizada e os pais passam a oferecer aos filhos compensações pela ausência. Jovens com mais informação e poder de compra rejeitam a tutela paterna. Novas correntes psicológicas estimulam o diálogo, ao invés da repreensão.
Anos 90
As famílias de classe média optam por apenas um ou, no máximo, dois filhos. O excesso de informação torna os adolescentes e jovens antenados, que exigem muito dos pais. Diante da grane oferta de prazeres e entretenimento, a família evangélica encontra dificuldades para manter os filhos na igreja.
Anos 2000
Aumenta a quantidade de pessoas que vivem sozinhas e a população idosa. O avanço da mulher na sociedade aumenta a sensação de insegurança masculina e corrói a figura paterna tradicional. A relativização dos comportamentos e a resistência aos modelos eclesiásticos tradicionais levam muitos jovens a abandonar a fé.
[b]Fonte: Cristianismo Hoje[/b]