Abusado sexualmente por um padre católico durante seis anos, o ex-seminarista Marco Marchese afirma que o Vaticano é omisso e não faz absolutamente nada pelas vítimas dos religiosos pedófilos.

“Não existe nem um pedido de desculpas. A única coisa que a Igreja Católica faz por aqueles que sofrem nas mãos dos sacerdotes pedófilos é pagar”, disse à BBC Brasil Marchese, de 25 anos, que criou uma associação para defender vítimas de pedofilia na Itália.

“Mesmo assim, só faz isso quando a Justiça determina a indenização. Se a vítima não recorre aos tribunais, não recebe nada.” Marchese foi violentado por Don Bruno Puleo dos 12 aos 18 anos num seminário de Agrigento, no sul do país. O padre dizia que eles tinham uma relação única, que o que faziam não era pecado e que não era necessário confessar.

Quando se deu conta da gravidade do que estava acontecendo, denunciou o padre ao bispo local, monsenhor Carmelo Ferraro. “Disse que ele estava doente. Pedi ao bispo tomar uma atitude para evitar que ele também fizesse mal a outras crianças”, lembra. “Mas ele não fez nada e desisti da vida religiosa.” A violência sofrida durante toda a adolescência trouxe graves problemas de saúde, inúmeras horas de análise e uma tentativa de suicídio.

Três anos depois de abandonar o seminário e ao constatar que o padre continuava no mesmo lugar, tendo contato com vários meninos e, possivelmente, fazendo o mesmo, Marchese criou coragem para denunciá-lo judicialmente.

“O pedófilo que abusa de uma criança é doente e fará isso sempre até que acabe barrado por alguém”, afirmou.

“Os abusos são consumados em silêncio, sem testemunhas. Em muitos casos, as vítimas só encontram forças para falar quando se tornam adultas. Muitos não têm coragem para denunciar por medo de serem desacreditados.” No processo, Don Puleo foi considerado culpado por ter abusado sexualmente não apenas de Marchese, mas também de outras seis crianças, e condenado a dois anos e seis meses de prisão. O pior para o jovem foi a resposta do bispo Ferraro, que entrou com um processo contra ele – com pedido de ressarcimento de 200 mil euros – pelos danos que a denúncia de violência sexual teria causado à imagem da Igreja de Agrigento.

“Denunciar um religioso pedófilo na Itália é muito mais difícil do que nos Estados Unidos, porque o Vaticano está aqui ao lado e a pressão é muito grande”, diz o jovem formado em Psicologia.

“Cada cidadezinha tem a sua Igreja, e o padre é uma pessoa muito importante na vida local. É muito difícil para uma mãe ou um pai italiano aceitar que um sacerdote faça mal a seu próprio filho. Antes de acreditar, prefere não pensar, não falar no assunto.” Marchese diz que muitas vítimas chegam à sua associação apenas para falar sobre o assunto. A grande maioria não têm coragem de denunciar, tem vergonha e apenas quer ser ouvida. O ex-seminarista defende, no entanto, que as crianças quebrem o silêncio e denunciem mesmo que seja anos depois.

“Pedofilia é crime e deve ser tratada como crime”, afirmou. “Os adultos devem ter consciência de que seus filhos podem ser vítimas, precisam conversar mais, e a Igreja Católica precisa assumir sua responsabilidade.” Segundo Marchese, quando a Justiça comprova que o padre é pedófilo, ele é condenado. O problema é o que vem depois. Ao confessar a culpa, o sacerdote tem a pena reduzida e cumpre apenas poucos meses de prisão. Depois, retoma as atividades normais em meio a crianças e adolescentes.

“Como diz o Vaticano, a pedofilia é sim um problema de toda a sociedade. Mas o mais grave de tudo isso é como a Igreja Católica lida com seus casos de pedófilos”, afirma.

“São raros os casos daqueles condenados a abandonar o ministério. A maioria muda apenas de paróquia. Muitos são reincidentes nos abusos sexuais.”

Fonte: BBC Brasil

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