Lula gritando (Foto Reprodução Montagem/FolhaGospel)
Lula gritando (Foto Reprodução Montagem/FolhaGospel)

Durante reunião com o grupo da saúde do governo de transição nessa quinta, 24, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que é preciso trabalhar para convencer a população sobre a eficácia das vacinas, que, de acordo com ele, foram afetadas por fake news. Lula disse que vai cobrar o apoio de lideranças evangélicas às campanhas de imunização no país e que pode responsabilizá-los por mortes.

“Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas?’ Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas”, disse o petista.

“Vamos ter de agora pegar muita gente que combateu a vacina que vai ter de pedir desculpa”, acrescentou Lula.

As declarações de Lula repercutiram negativamente entre lideranças religiosas. Pastores de diversas denominações criticaram o petista e o acusaram de perseguição religiosa após o segmento não apoiá-lo para o Palácio do Planalto.

Silas Malafaia, Sóstenes Cavalcante, Otoni de Paula e Marco Feliciano

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, divulgou um vídeo em suas redes sociais onde ataca o PT e diz que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.

“O PT não tem moral de cobrar nada sobre pandemia e nem sobre a Saúde, essa que é a verdade. (…) Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”, disse Malafaia no vídeo abaixo.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, que chegou a ser convidado para um encontro com Lula logo após a divulgação do resultado das eleições e não aceitou, foi mais uma das vozes críticas às declarações de Lula.

“Descondenado, a ampla maioria das igrejas não tem nenhum interesse em recebê-lo! Prove qual igreja evangélica que falou contra a vacina! Você só tem preconceito e ódio!”, publicou em sua conta no Twitter.

Pastor da Assembleia de Deus Ministério Madureira, uma das maiores denominações evangélicas do Brasil, o deputado reeleito Otoni de Paula (MDB-RJ) afirma que a fala de Lula indica que ele desconhece a realidade das igrejas.

“Ou Lula não conhece as igrejas ou age com revanchismo porque a maioria dos evangélicos caminhou com Bolsonaro. A Assembleia de Deus Ministério de Madureira, por exemplo, foi grande incentivadora da vacina, até porque era necessário que os membros estivessem vacinados para retornar aos cultos. Tanto que determinou, em uma de suas convenções, o incentivo e engajamento à vacinação. No mais, é estranho essa cobrança dos pastores e não de outros setores ou líderes da sociedade. É injusto o presidente eleito colocar essa pecha de negacionista na igreja”, criticou Otoni.

Fundador e líder da Catedral do Avivamento, igreja ligada à Assembleia de Deus, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) afirmou, em vídeo publicado em suas redes sociais, que “Lula se revelou” e classificou a postura do petista como “rancor de não ter tido nosso apoio na eleição”.

“Lula se revelou. É uma loucura. É a esquerda sendo esquerda, inventando histórias para culpar quem se mostra contra eles. Lula está ameaçando os evangélicos por rancor de não ter tido nosso apoio na eleição”, disse Feliciano, em mensagem ao presidente eleito.

ANAJURE emite nota pública

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) emitiu uma nota púbica onde “manifesta o seu repúdio à fala do presidente eleito Lula, que, ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira”.

Leia a íntegra da nota abaixo:

Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE –, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota Pública sobre a fala do presidente recém eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, acerca das igrejas evangélicas e da vacinação contra a Covid-19.

Na última quinta-feira (24), Lula esteve em reunião com representantes da saúde e tratou da necessidade de estimular a vacinação para os brasileiros. Na ocasião, considerando a resistência parcela da população à campanha vacinal, Lula sustentou a necessidade de convencimento do povo acerca da eficácia da vacina, afirmando que, para tanto, adotará medidas junto a lideranças evangélicas. Em suas palavras:

“A gente não pode, de forma precipitada, achar que a gente anunciar vacina, o povo vai tomar. Não. O povo tem que ser convencido outra vez da eficácia da vacina, e nós vamos ter agora que pegar muita gente que combateu a vacina, que vai ter que pedir desculpa. Eu, pelo menos, pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe deles o seguinte: ‘Qual é o comportamento de vocês nessa questão da vacina?’ Ou nós vamos responsabilizar vocês pelas mortes das pessoas.”

Nesse contexto de discussão, durante o período da pandemia do coronavírus, uma série de debates a respeito das vacinas para o combate à Covid-19 povoou o cenário público no Brasil e exterior. Enquanto muitos viram no imunizante uma via para um retorno gradual à nova normalidade, outros grupos manifestaram resistência à vacinação, seja por questionamentos à sua segurança e eficácia, ou oposição à sua compulsoriedade.

Cabe ressaltar que, conforme estabelece o art. 196 da Constituição Federal, compete ao poder público a promoção de políticas de saúde que visem à prevenção de doenças e redução de riscos epidemiológicos, como, por exemplo, as campanhas de vacinação, devendo o Estado resguardar o direito individual à objeção de consciência (art. 5º, VIII, CRFB/88).

Porém, a menção genérica às igrejas evangélicas traz alguns problemas, entre eles o de se atribuir a resistência à vacina a uma categoria social específica, como os evangélicos, pois isso acaba estigmatizando um grupo como sendo o responsável pelas mortes durante a pandemia. Tal discurso, inclusive, ignora a pluralidade de perspectivas e posicionamentos existente em meio aos religiosos dessa vertente e na sociedade em geral acerca da imunização.

Além disso, a ANAJURE acredita e defende que o diálogo entre o poder público e entidades religiosas pode se dar em melhores termos, se realizado sob a noção constitucional da colaboração de interesse público. Nesse sentido, se, por um lado, a laicidade prevista no texto constitucional, no art. 19, inciso I, traz a vedação aos entes federativos de estabelecimento, subvenção e formação de alianças com organizações religiosas e, de outro lado, proíbe o embaraço ao seu funcionamento, sendo ressalvada, todavia, a colaboração de interesse público.

Considerando tal contexto, vale mencionar que, durante o processo de imunização dos brasileiros na pandemia, a colaboração entre o poder público e organizações religiosas viabilizou, por exemplo, a utilização de templos religiosos como espaço para aplicação da vacina. Em alguns casos, inclusive, além da concessão do espaço, foram fornecidas refeições aos profissionais de saúde responsáveis pela imunização.

Portanto, o que se nota é uma colaboração de interesse público já instalada, de forma que um discurso, em tom de ameaça e voltado genericamente às igrejas evangélicas, não somente estigmatiza um grupo, como também ignora contribuições sociais dos evangélicos, demonstrando desconhecimento sobre a complexidade da pluralidade do segmento.

Ademais, quando se fala sobre o convencimento da população acerca da temática das vacinas, há indicativos de que o fornecimento de informações é mais eficaz:

Pesquisas sobre como melhorar as taxas entre pais hesitantes sugerem que conversas com um profissional de saúde de confiança da família são benéficas. Adicionalmente, questões práticas como assegurar que as vacinas e os cuidados de saúde sejam de fácil acesso é essencial. Muitas famílias que não aderem à vacinação não possuem aversão a elas, mas, simplesmente, têm dificuldade de conseguir consultas ou não são lembradas quando seus filhos devem ser vacinados[4].

Tal perspectiva, que aposta num consentimento informado, colide com discursos excludentes que, próximos da ameaça, terminam por se mostrar contraproducentes.

Assim, pelo exposto, a ANAJURE manifesta o seu repúdio à fala do presidente eleito Lula, que, ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira, afastando-se da via adequada para os debates acerca da vacinação com as entidades religiosas e o público em geral, qual seja, o do consentimento informado.

Brasília, DF. 25 de novembro de 2022

Edna V. Zilli
Presidente da ANAJURE

Fonte: UOL, O Globo, Anajure

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