Novos indícios arqueológicos colocam em dúvida a interpretação convencional de que os essênios, integrantes de uma seita judaica, seriam os autores dos Pergaminhos do Mar Morto.
Os textos, que descrevem práticas religiosas e doutrinas do Israel antigo, foram escritos presumivelmente na época de Jesus Cristo e descobertos em 1947, em excelente estado de conservação, em cavernas próximas de um antigo assentamento chamado Qumran.
As escavações sempre reforçaram a hipótese de que o local abrigava um mosteiro onde os essênios viviam reclusos. Agora, dois arqueólogos israelenses que vêm trabalhando no sítio há mais de dez anos afirmam que Qumran nada teve a ver com os essênios, nem com um mosteiro, nem tampouco com os pergaminhos. Segundo eles, ali funcionava uma olaria.
Yizhak Magen e Yuval Peleg, arqueólogos do Departamento de Antiguidades de Israel, recolheram em suas escavações fornos de olaria, vasilhas inteiras, rejeitos de produção e milhares de fragmentos de argila. Reservatórios de água abandonados continham grandes depósitos de argila de olaria.
De acordo com os arqueólogos israelenses, o primoroso sistema de fornecimento de água em Qumran parece ter sido projetado para transportar água misturada com argila para um local cuja finalidade seria abastecer a indústria de cerâmica. Em nenhum outro sítio da região foi encontrado um sistema de fornecimento de água semelhante .
Pólo ceramista
Os arqueólogos concluíram que, quando os romanos, ao reprimir uma grande revolta judaica, destruíram Qumran em 68 d.C., o assentamento era um centro da indústria de cerâmica há pelo menos um século.
Antes disso, há indícios de que o sítio tinha sido um posto avançado de um complexo de fortalezas ao longo da fronteira oriental de Israel.
“A associação feita entre Qumran, as cavernas e os pergaminhos é, portanto, uma hipótese carente de base arqueológica factual”, diz Magen em artigo publicado na última edição da Biblical Archaeology Review. Não é a primeira vez que a ligação dos pergaminhos com os essênios é questionada. Outros pesquisadores já haviam sugerido que Qumran foi uma mansão fortificada de um nobre, uma comunidade agrícola ou um entreposto comercial.
Norman Golb, professor de línguas e civilizações do Oriente Médio na Universidade de Chicago – um crítico de longa data do elo essênio -, diz que está impressionado com as novas descobertas e com a hipótese da fábrica de cerâmica. “Não existe nenhum evidência de que tenha sido um mosteiro. Passamos a não considerá-lo um local de orientação religiosa”, diz Golb, autor de Quem Escreveu os Manuscritos do Mar Morto? (publicado no País pela Editora Imago).
Criação coletiva
Durante anos, Golb vem argumentando que a multiplicidade de idéias e práticas religiosas judaicas registradas nos pergaminhos tornam improvável que sejam trabalho de uma única seita. Ele observa que poucos dos textos tratam de tradições específicas dos essênios – e nenhum pergaminho advoga o celibato, que era praticado pela seita.
“Os pergaminhos encontrados nas cavernas foram escritos provavelmente por muitos grupos diferentes e retirados de bibliotecas de Jerusalém por refugiados da guerra romana”, diz Golb. Fugindo para o leste, eles podem muito bem ter depositado os pergaminhos nas cavernas nas proximidades de Qumran para salvá-los. Pergaminhos parecidos foram encontrados em Massada, ao sul de Qumran, local da resistência suicida contra os romanos.
A nova pesquisa parece apoiar esse ponto de vista. De acordo com Magen, os jarros nos quais a maioria dos pergaminhos estavam guardados provavelmente tinha vindo da fábrica de cerâmica. Se assim for, isso talvez acabe sendo a única conexão estabelecida entre o assentamento de Qumran e os pergaminhos.
Fonte: Estadão