Os sem-religião são o grupo que mais cresce no Brasil. Entre 1950 e 2000, aumentaram de pífio 0,5% para expressivos 7,4% da população, de acordo com os Censos do IBGE. Mas, ao contrário daquilo que os números podem levar a crer, os brasileiros não estão abandonando a fé.

Uma pesquisa recém-divulgada mostra que, do grupo de brasileiros sem religião, somente 0,5% não acredita em Deus. O restante se encaixa nessa categoria pelo fato de simplesmente não ter vínculo com nenhuma igreja, o que não significa ausência de fé.

O levantamento faz parte do livro Mudança de Religião no Brasil – Desvendando Sentidos e Motivações (Palavra & Prece Editora) e foi realizado pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), uma entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Igreja Católica. Foram ouvidas, em 2004, 2.870 pessoas de 50 cidades de todo o País.

Das pessoas entrevistadas pelo Ceris, 7,8% se declararam sem religião – número muito próximo dos 7,4% apontados pelo último Censo do IBGE. Esse grupo está dividido em cinco categorias. A menor é a dos ateus.

Religiosidade pessoal

A maior categoria (41,4%) é a dos sem-religião que cultivam uma religiosidade própria. São aquelas pessoas que, para ter fé, não dependem de igreja. “Eu não gosto de nada que me obrigue a fazer certas coisas”, explica a cabeleireira Luciana Alvarez, de 37 anos.

Ela se encaixa perfeitamente nesse perfil. Luciana lê os livros do espiritismo e ao mesmo tempo acredita que as pílulas do Frei Galvão, o religioso católico que está prestes a se tornar santo, podem fazer milagres. Mas não freqüenta centro espírita nem igreja – apesar de ter se casado de véu e grinalda no religioso. “Sou católica? Não, não sou. Sou espírita? Não, também não sou. Deus é um só. E é nele que eu acredito”, explica.

Entre os sem-religião, existem ainda duas categorias muito parecidas: a daqueles que não acreditam nas doutrinas (29,4%) e a daqueles que são críticos das doutrinas (15,1%). A diferença é que o segundo grupo avalia que as religiões são manipuladoras e deixam as pessoas alienadas.

Desinstitucionalização

“Esses números mostram uma tendência muito forte de desinstitucionalização”, afirma Joel Portella, padre, teólogo e professor aposentado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). “As pessoas mantêm uma relação com o sagrado, com Deus, mas não têm uma relação com determinada instituição.”

Já se conhecia, da pesquisa do Ceris, a informação de que quase um quarto dos brasileiros (23,5%) já mudou de religião alguma vez nada vida. O principal motivo para a mudança (não necessariamente o abandono) para 23,2% deles foi o fato de não concordar com os princípios e as doutrinas da religião anterior.

A Igreja Católica, por exemplo, é contra o aborto e o uso da camisinha. Algumas denominações evangélicas proíbem o consumo de bebidas alcoólicas. Muitas doutrinas não aceitam bem o fim do casamento – o que pode explicar o fato de mais da metade dos divorciados (52,2%), de acordo com a pesquisa, já ter mudado de igreja ou desistido de seguir uma religião.

“Muitas pessoas não gostam de regras, de ter que obedecer. Quando assumem uma religiosidade própria, elas se tornam donas do próprio nariz. A questão das exigências, muitas vezes detalhadas e que atrapalham a vida, é um fator importante para o abandono de uma religião”, explica Antônio Flávio Pierucci, especialista em Sociologia da Religião e professor da Universidade de São Paulo (USP).

“A religião se tornou uma questão de opção, de liberdade. As pessoas não são mais conduzidas pelo social, pela pressão da família”, acrescenta o padre Joel Portella.

De acordo com o levantamento, a maior parte dos sem-religião (80,1%) já teve uma religião no passado. A maioria, antes de abandonar sua doutrina, era católica (42,1%) e evangélica pentecostal (23,9%). Muitos trocaram de igreja mais de uma vez. Dos sem religião, 60,5% foram católicos em algum momento da vida.

Sem tempo

Por fim, a pesquisa do Ceris aponta a existência de um curioso quinto grupo de sem-religião: aqueles que não seguem nenhuma doutrina porque não têm tempo para freqüentar uma igreja. Representam 23,2% dos sem-religião. A soma das cinco categorias dá um pouco mais de 100% porque algumas pessoas entrevistadas se encaixaram em dois perfis.

São como aquelas pessoas que se dizem “católicos não praticantes”, por exemplo. A diferença é que, para esse grupo, o pertencimento a uma religião necessariamente inclui a freqüência em seus rituais.
“Esse perfil é curioso porque as pessoas, ao contrário dos demais sem-religião, valorizam a instituição. Definem-se pela ausência. Elas se desvinculam, mas não criticam. Gostariam de fazer parte dela. E dão a entender que farão parte quando tiverem tempo”, afirma a socióloga Sílvia Regina Alves Fernandes, coordenadora do levantamento do Ceris.

Pierucci, da USP, acrescenta que existem pessoas que deixam de freqüentar uma religião também por causa do dinheiro. “Uma pessoa que abandona uma instituição e fica sem religião se livra de gastar tempo e também se livra de gastar dinheiro com dízimos e contribuições. O processo é muito prático e racional.”

Fonte: Estadão

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