O STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou hoje que estados e municípios proíbam a realização de missas e cultos presenciais durante a pandemia de covid-19 por meio de decreto. Com o voto final do presidente Luiz Fux, o placar do julgamento acabou em 9 a 2 contra a liberação dos templos.
A maioria da Corte usou como base argumentativa a atual situação crítica do Brasil na pandemia e decidiu que os decretos locais não impedem liberdade de culto, apenas restringem as aglomerações que se formam nos templos. Só Dias Toffoli e Kassio Marques Nunes votaram a favor da liberação.
A ação, promovida pelo PSD e por uma associação de pastores, contestava a proibição de atividades religiosas presenciais em São Paulo e foi rejeitada pelo próprio Mendes em ordem liminar na última segunda (5). Veja como votaram os ministros:
- Contra a liberação dos cultos: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux; Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski
- A favor da liberação: Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques.
Porém, neste momento, os efeitos da decisão do Supremo são limitados. O ministro Nunes Marques citou reportagem do jornal O Globo mostrando que a maioria das capitais e estados do Brasil, 19 e 22, respectivamente, já permite reuniões presenciais mesmo durante a pandemia de coronavírus. Ou seja, a decisão de hoje terá impacto apenas em sete capitais e cinco estados. Um deles, porém, é São Paulo, o mais populoso do país.
No voto que formou maioria, Cármen Lúcia reforçou que o “motivo sanitário” que veta as reuniões não é descriminatória contra as religiões e que os fiéis podem professar sua fé temporariamente fora dos templos.
“A fé não se mede pela presença, não se confunde com banco de igreja”, afirmou a ministra.
“Tenho compreensão de que não se discute nesta ação liberdade de crença. Não se põe em questão naquele decreto a liberdade de crença nem a garantia dos cultos, apenas os limites temporários do exercício dos ritos coletivos que levam não apenas as pessoas a se reunirem nas igrejas e locais de cultos, mas que levam as pessoas a transitar a se reunir”, disse a ministra Cármen Lúcia.
O debate aconteceu no momento em que o país atravessa o pior momento de toda a pandemia, com recorde negativo no número de mortes nesta semana, quando o país ultrapassou pela primeira vez 4.000 óbitos em 24h. Só hoje, foram confirmados 4.249 óbitos em 24 h.
“Há consenso científico de que a transmissão da covid se dá sobretudo por gotículas transmitidas pela respiração ou pela fala quando as pessoas estão próximas. O distanciamento social e o uso de máscaras são unanimamente reconhecidos como medidas protetivas que salvam vidas e protegem a saúde. Trata-se, portanto, de ciência e não de ideologia. De medicina e não de metafísica. Ciência e medicina são, nesse caso particular, a salvação”, disse o ministro
Luís Roberto Barroso.
Em sua exposição, Fachin afirmou que o Estado “deve abster-se de invocar razões religiosas para justificar decisões públicas”. Rosa Weber foi no mesmo tom. A ministra comparou as atividades religiosas a outros serviços também restritos em meio à pandemia para argumentar que não vê inconstitucionalidade no fechamento de igrejas.
Moraes também citou o número de mortos pela covid-19 no Brasil e cobrou “empatia” por parte dos que pregam a reabertura das igrejas.
“Onde está a empatia de todos neste momento? […] Estamos com 4.000 mortos por dia e parece que algumas pessoas não conseguem entender o momento gravíssimo dessa pandemia. Ausência de leitos, insumos, oxigênio, as pessoas morrendo sufocadas. Mortes dolorosas e cruéis em vários estados da federação. Pessoas morrendo inclusive no estado mais rico da federação, estado de São Paulo, aguardando vagas na UTI [unidade de terapia intensiva]”, disse Alexandre de Moraes, ministro do STF.
Nunes Marques, indicado à Corte no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi o primeiro a votar nesta tarde. Além dele, só Dias Toffoli, que não explicou sua decisão, votou pela liberação dos cultos até então.
Em sua defesa, Nunes Marques atribuiu o aumento da transmissão do coronavírus a festas e bares e argumentou que as restrições devem ser proporcionais ao risco e que a liberdade religiosa é prevista constitucionalmente.
“Sabemos onde essa doença está sendo diariamente transmitida, em festas, baladas e bares estão frequentemente lotados. As imagens estão ai para todos verem, sem distanciamento e sem máscara nenhuma. Não são nos cultos e nas missas que a pandemia ganhou força, disse Kassio Nunes Marques.
Segundo ele, o funcionamento dos templos religiosos é garantido pelo Artigo 5 da Constituição Federal. “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”, declarou.
Seu voto já era esperado. No sábado (3), véspera da Páscoa, ele concedeu uma liminar permitindo cultos e missas mesmo contra decretos locais. Na decisão, ele estabeleceu as seguintes sugestões para funcionamento dos templos: 25% de lotação, distanciamento entre assentos, distanciamento de 1,5 m entre pessoas, janelas abertas, obrigatoriedade de máscaras, disponibilização de álcool em gel e medição de temperatura.
Relator, Gilmar Mendes votou ontem. Em um voto de 2h, ele sustentou que a restrição aos locais não interfere na liberdade religiosa, fez reiterada defesa a medidas de distanciamento, citando exemplos internacionais, e criticou duras críticas ao advogado-geral da União, André Mendonça, e ao procurador-geral da República, Augusto Aras, chamando a postura contrária de “negacionismo”.
“A restrição temporária de frequentar eventos religiosos públicos traduz ou promove dissimuladamente alguma religião? A interdição de templos e edifícios acarretam coercitiva condução de indivíduos para esta ou aquela visão religiosa? A resposta me parece a de ser definitivamente negativa”, disse Gilmar Mendes.
No voto, ele ainda debochou de Mendonça e Aras, cotados para serem indicados ao STF em julho. Ambos defenderam a abertura de templos religiosos mesmo com leis locais para mantê-los fechados.
Mendonça e Aras são cotados para serem indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ocupar uma vaga no Supremo em julho, quando o ministro Marco Aurélio se aposentará.
Em sua manifestação, Mendonça disse que medidas restritivas, como o toque de recolher, são “próprias de Estados autoritários” e fez diversas referências bíblicas, como todos os outros advogados que defenderam a reabertura dos templos.
Fonte: UOL