Os escândalos de paternidade que envolvem o presidente paraguaio, Fernando Lugo, reavivam os choques que o hoje ex-bispo teve com a hierarquia católica e com setores conservadores da igreja no país.

Lugo candidatou-se à presidência contra a vontade do Vaticano e só conseguiu ser dispensado da condição de sacerdote, por meio de uma decisão sem precedentes, depois de ter sido eleito.

A sua militância em movimentos populares e a fama de “bispo dos pobres” desagradava à ala da igreja não ligada à Teologia da Libertação, corrente de inspiração marxista que defende um papel ativo da igreja contra as desigualdades sociais. Essa corrente, influente na América Latina, foi combatida dentro da igreja pelo cardeal Josef Ratzinger, que em 2005 se tornou o papa Bento 16.

Nesta semana, um dos antigos adversários de presidente paraguaio decidiu voltar à carga. O bispo Rogelio Liviere afirmou que a então inexplicada aposentadoria de Lugo das funções de bispo de San Pedro, em 2004, se deveu a denúncias por escrito de mulheres que afirmavam ter tido filhos com o então sacerdote. O afastamento de Lugo, aos 53 anos, foi um acontecimento incomum, já que bispos normalmente se aposentam –tornam-se eméritos, na terminologia eclesial– aos 75 anos.

Mas a aposentadoria não liberava Lugo das obrigações com a igreja. Ele continuava sendo um sacerdote, obrigado ao celibato e à obediência às normas e à hierarquia católicas –e foi nesse período que foi concebido o filho que ele já reconheceu.

Em 20 de janeiro de 2007, depois que anunciou ser candidato à presidência, Lugo recebeu uma suspensão “a divinis”, um tipo de suspensão que lhe impedia de celebrar missas, assinada pelo cardeal Giovanni Battista Re, então prefeito da Congregação para os Bispos, do Vaticano.

Segundo a Nunciatura Apostólica do Paraguai –a embaixada do Vaticano no país– a suspensão, baseada no cânon 1.333 do Código de Direito Canônico, foi uma medida disciplinadora –uma sanção, não uma opção.

“O episcopado é um serviço aceito livremente para sempre”, informou na época o Vaticano.

Assim que foi eleito, no ano passado, o problema de direito interno da Igreja Católica passou a ter implicações políticas mais graves. A Constituição do Paraguai proíbe que ministros de qualquer religião assumam a Presidência –além disso, a manutenção do cargo na igreja significaria que o presidente deveria obediência irrestrita ao papa, chefe de Estado de outro país. Diante dessa situação, Bento 16 tomou uma decisão inédita: determinou a redução de Lugo ao estado de leigo.

Foi a primeira vez que essa medida foi aplicada a um bispo. A partir de então, Lugo passou a ser considerado um fiel comum, sem ligação com a estrutura da igreja. A medida, de natureza definitiva, só poderia ser revertida por meio de uma nova ordenação, como é permitido a qualquer católico.

Em todos os momentos, esteve aberta a Lugo a possibilidade de simplesmente desobedecer às ordens da igreja, mas isso poderia levar à excomunhão, o que significaria um golpe pessoal e político para o homem que, em 2006, ao anunciar que deixaria de ser sacerdote, afirmou: “Minha catedral a partir de agora será todo um país”.

Após o primeiro dos escândalos, quando Lugo reconheceu a paternidade do filho de Viviana Rosalith Carrillo Cañete, a Conferência Episcopal Paraguaia (CEP) pediu “perdão pelos pecados de seus membros”. A CEP, dividida entre setores próximos da visão progressista de Lugo e uma ala mais conservadora, censurou Liviere por, segundo a organização, dar entender que as faltas de Lugo houvessem sido encobertas pela igreja.

Fonte: Folha Online

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