Por essa polêmica frei Caneca, o religioso pernambucano morto depois da Confederação do Equador e que deu nome à rua da região central de São Paulo, não esperava.

“Será que ele era gay?”, pergunta o empresário Douglas Drumond, militante do movimento GLS. Mas a discussão que tem provocado discórdia não ronda a sexualidade do herói revolucionário do século 19, mas da própria rua que, dois séculos depois, leva o nome dele, longe daquele Pernambuco conhecido como Leão do Norte.

Bastou Drumond, presidente da associação GLS Casarão Brasil, levar um projeto à Câmara Municipal para tornar a rua a primeira oficialmente gay da cidade, para que moradores descontentes com idéia se mobilizassem para barrar o andamento da proposta.

Na última quinta, a Samorcc (Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César) enviou uma convocatória aos prédios da rua para que os condôminos compareçam a uma assembléia programada para depois de amanhã na casa paroquial da igreja local para discutir e votar o assunto.

Presidente afastada e advogada do grupo, Célia Marcondes Smith, que já fez campanha contra as boates gays Ultralounge e SoGo nos Jardins, diz ser contra a transformação da rua em reduto gay.

“Por que na Frei Caneca, gente? Tem um padre ali, tem uma igreja. Vai passear em qualquer canto do bairro”, diz.

Sobre a posição contrária ao projeto, Smith explica: “Acho complicado e bastante corajoso até. A rua Frei Caneca é residencial e tem uma igreja tradicional, que está fazendo cem anos. Espero que a Frei Caneca seja uma rua para todos. As ruas são públicas, são para todos. Não podem ser um gueto.”

“Esse movimento que eles estão iniciando já era esperado. Iniciamos uma pesquisa e um abaixo-assinado das pessoas que são favoráveis a que rua se torne gay”, afirma Drumond.

“Muita gente ali é gay e tem muitos comerciantes que não são gays mas são favoráveis porque os clientes são gays”, completa o militante, que cita o apoio do açougue que fica na esquina da Frei Caneca com a Peixoto Gomide.

O projeto que pretende implantar na rua prevê o alargamento das calçadas, a instalação de equipamentos urbanos e a mudança na iluminação, com alusão à bandeira do arco-íris.

“Aqui é a única rua onde posso andar de mãos dadas com meu namorado e ninguém me xingar”, diz a travesti Andréia.

“Moro na rua há 40 anos e nunca teve essa história de gay. Isso é invenção recente”, afirma a aposentada Maria Zélia.

Boa parte das grandes cidades do mundo já tem ruas ou bairro gays, como o Chelsea, em Nova York, a Old Compton Street, em Londres, ou Chueca e a Calle Hortaleza, em Madri.

“São Paulo já tem 59 ruas temáticas. Essa seria apenas mais uma”, justifica Drumond.

Shopping

“Gay Caneca”. “Frei Boneca”. “Frei Traveca”. São com essas variações que os freqüentadores da Frei Caneca chamam a rua e o shopping ali construído.

A administração do centro comercial, que segundo os próprios gays impulsionou a freqüência GLS na região, disse em nota ser contrário à oficialização da rua temática.

“O shopping Frei Caneca, desde o início de sua operação, se posiciona como um empreendimento voltado à comunidade em geral, sem qualquer tipo de discriminação social, racial, religiosa, política ou de orientação sexual. A administração é totalmente contrária a qualquer forma de rotulação, discriminação, segregação ou criação de guetos”, diz a nota.

Com quatro condomínios residenciais (que somam 712 apartamentos) e um comercial em construção, a Frei Caneca –corredor de 1,5 km de extensão que liga a rua Caio Prado, no centro, à avenida Paulista– vive boom imobiliário provocado pelo público gay.

História

Segundo o historiador americano James Green, autor do livro “Além do Carnaval”, sobre a história da homossexualidade masculina no Brasil, não há nada de novo no fato de gays morarem no centro de São Paulo. Isso ocorre pelo menos desde o final do século 19. Àquela época, eles freqüentavam a região do vale do Anhangabaú; depois, foram migrando para a praça da República e para a Vieira de Carvalho, onde vivem até hoje.

Fonte: Folha Online

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