O divórcio no Brasil vai mudar. O plenário do Senado aprovou ontem, em último turno, a chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do divórcio direto. Casal não terá mais de aguardar prazo para se divorciar. O senador evangélico Marcelo Crivella (PRB-RJ), disse que a votação foi precipitada e que a PEC vai banalizar o divórcio.

Essa alteração no texto constitucional acaba com os prazos atualmente necessários entre o fim da convivência do casal e o divórcio e ainda tira da Constituição a figura da separação formal.

Hoje a regra é a seguinte: o divórcio pode ser pedido após um ano da separação formal (judicial ou no cartório) ou após dois anos da separação de fato (quando o casal deixa de viver junto).

A partir da publicação dessa emenda constitucional, o pedido de divórcio poderá ser imediato, feito assim que o casal decidir pelo término do casamento.

Como a proposta já foi aprovada pela Câmara, agora só falta ser promulgada e publicada para passar a valer -como é PEC, não será necessário passar pela análise do presidente da República.

Bastante polêmica, a matéria já foi chamada de “PEC do desamor”, pelos que argumentam que ela facilita indevidamente o fim do casamento, e de “PEC do amor”, pelos que entendem que a proposta vai encurtar o trâmite do divórcio e facilitar o início de novas relações.

“Milhares de pessoas se separam e se divorciam por ano no Brasil, é um benefício. Vai economizar custos processuais, honorários advocatícios e sofrimento”, afirmou um dos principais articuladores da proposta, o deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA).

“O Estado não tem que ficar determinando quando a intimidade das pessoas vai acabar”, defendeu o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) -entidade idealizadora da proposta.

Polêmica

Radicalmente contra a proposta, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), da bancada evangélica, disse que a votação foi precipitada e que a PEC vai banalizar o divórcio.

“Nos países em que [o divórcio direto] foi adotado, há pessoas que casam e descasam em semanas.”

Crivella disse que fará um recurso à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), pois haveria, segundo ele, menos votos a favor do que o mínimo para a aprovação.

O presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), contesta o recurso e diz que a proposta será publicada.

A lei acaba com os prazos de pedido de divórcio, mas este em si não foi diretamente alterado.

Ou seja: nele, continuam inclusas as discussões sobre filhos, patrimônio e pensão alimentícia.

Continuará sendo necessário contratar um advogado para cuidar do caso.

Lobby da igreja tentou barrar PEC do divórcio

Durante sua tramitação, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do divórcio direto, como ficou conhecida, levantou polêmica, principalmente nos setores ligados a instituições religiosas.

Há um ano, pouco depois de a PEC ter chegado ao Senado, vinda de uma aprovação rápida na Câmara, a proposta ficou na mira de parlamentares ligados à Igreja Católica, chegando a “estacionar” durante um mês em razão desse lobby.

No fim do ano passado, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) classificou a proposta como “promoção do divórcio”. “Fomenta a irresponsabilidade, promove a facilidade e não deixa espaço à ponderação”, defendeu o Conselho Episcopal de Pastoral em 2009.

A CNBB mantém a linha de defender que não haja o divórcio. Mas, frente ao que considera a banalização do casamento, a entidade se posiciona a favor da manutenção de um “prazo de reflexão”, mesmo que de seis meses, para que o processo do divórcio possa ser iniciado.

No posicionamento de 2009, em que expressa sua “preocupação em favor da família”, a CNBB defende a reflexão antes do divórcio.

“Ninguém ignora que a vida conjugal tem os seus momentos: alegria, felicidade e dificuldades. Todavia, as dificuldades tornam o amor mais adulto, mais maduro e consciente. A ponderação e o aconselhamento são fundamentais diante desta decisão difícil”, diz nota de dezembro da entidade.

Os defensores da PEC rejeitam o carimbo de contrários à família. “Quem se opõe à proposta diz que esse é o divórcio instantâneo, o fim da família. É um discurso moralista. O divórcio da forma como a PEC propõe imprime mais responsabilidade às pessoas: elas terão que ter mais responsabilidade com o destino das suas relações”, afirma Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).

Para professora, fim do “culpado” cria insegurança

Para Regina Beatriz Tavares da Silva, professora de direito na FGV-SP, o texto cria insegurança jurídica por excluir a figura do culpado pelo fim da união.
Folha – Qual a sua avaliação?

Regina Beatriz Tavares da Silva- Serei sempre contrária ao texto da PEC. É tão pobre que fica sujeito a interpretações judiciais. Isso cria insegurança jurídica.

Por quê?

O texto diz que o casamento se dissolve pelo divórcio. Como fica a figura da culpa no processo? Hoje, quem é culpado perde o direito a pensão. Uma mulher que sustenta a família e apanha do marido, por exemplo. Uma das interpretações possíveis é que ele pode pedir pensão.

Outro: a mulher trai o marido. Ele se divorcia e ela vai à Justiça pedir pensão. São interpretações possíveis que a norma vai gerar.

Intervenção do Estado é reduzida, afirma advogado

Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), diz que a PEC reduz a intervenção do Estado na vida particular.

Folha – O que significa a aprovação da PEC?

Rodrigo da Cunha Pereira – Maior liberdade de as pessoas requererem o divórcio quando bem entenderem. Ao mesmo tempo, maior responsabilidade. Quem será responsável por isso não será mais o Estado, mas a própria pessoa.

Quais as consequências?

Acabam a separação prévia e a discussão de culpa. O Estado não tem de saber por que as pessoas querem se separar nem de buscar culpado; isso estimula briga.

E quem é separado hoje?

Continua separado, a lei não pode retroagir. Mas já poderá entrar com o divorcio, sem esperar os prazos.

Fonte: Folha de São Paulo

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