Documento publicado pelo papa, reafirmando a Igreja Católica como a única Igreja de Jesus Cristo, provoca reações de católicos, repulsa de protestantes e elogios de ortodoxos russos.
No princípio era o verbo. Para tirar dúvidas sobre a questão se Jesus Cristo “subsiste na” ou “é” a Igreja Católica, o Vaticano divulgou, na terça-feira (10/07), o documento Respostas a perguntas sobre alguns aspectos relativos à teoria da Igreja.
Poucos dias após a assinatura do documento papal que reabilita a missa em latim, o Vaticano reafirma seu curso conservador e retira o status de “Igreja” de todas as outras Igrejas que não sejam a Igreja Católica.
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana da Alemanha (EKD) e diversas organizações avaliam o documento como um contragolpe ao ecumenismo. No entanto, o presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, cardeal Karl Lehmann, defendeu a posição do Vaticano, explicando que o papel daria “espaço para que outras Igrejas fossem consideradas não só moralmente, mas também de forma teológica”.
Visão diferenciada
Em declaração, o cardeal Lehmann explica que o documento vem a tirar dúvidas lançadas, desde o Concílio Vaticano 2°, quando a afirmação de que “Jesus Cristo é (‘est’) a Igreja Católica” foi trocada pela formulação “Jesus Cristo subsiste (‘subsistit’) na Igreja Católica”.
Segundo o cardeal, esta decisão do Concílio levava em conta a existência de elementos eclesiais também em outras comunidades de fé. A afirmação de que Jesus Cristo também “subsistiria” em outras comunidades sempre foi rejeitada pelo Vaticano.
Lehmann explica que, após o Concílio Vaticano 2°, esta visão diferenciada foi freqüentemente esclarecida. Como, por exemplo, nas declarações da Congregação para a Doutrina da Fé Dominus Jesus (2000) ou nas notificações sobre o livro do teólogo Leonardo Boff Igreja: carisma e poder – Ensaios de Eclesiologia Militante.
Protetora contra os perigos
Como sucessora da Sacra Congregação da Inquisição Universal, a Congregação para a Doutrina da Fé tem por objetivo defender a doutrina católica, protegendo-a de eventuais perigos. Até sua eleição como papa Bento 16, a Congregação foi presidida pelo cardeal Joseph Ratzinger.
Para o presidente da EKD o bispo berlinense Wolfgang Huber, o novo documento do Vaticano é “uma versão não modificada das declarações ofensivas de Dominus Jesus“, que reafirmou a unicidade e prevalência da Igreja Católica.
A declaração da Congregação para a Doutrina da Fé de que a Igreja da Reforma – ou seja, que os protestantes não seriam “Igreja” no sentido próprio da palavra – provocou sérias críticas por parte tanto de protestantes como de organizações ecumênicas.
“Nós somos Igreja”
O movimento católico de reforma “Nós somos Igreja” comenta que o documento é um “novo tapa na cara dos ecumênicos”. Segundo o porta-voz Christian Weisner, isto seria uma afronta para todos os protestantes. “Devido a sua pretensão – teologicamente mais do que questionável – de única representante, a Igreja Católica deve se perguntar sobre a importância dos ecumênicos e da disposição de diálogo”, afirmou o porta-voz.
A bispa luterana de Hannover, Margot Kässmann, caracterizou o novo papel do Vaticano como um “silenciador para ecumênicos”. Um documento como este, nos dias de hoje, seria “fatal para o ecumenismo”, afirmou a bispa para a TV NDR, acrescentando que “Nós somos, segundo nossa compreensão, Igreja, com certeza”.
A secretária-geral da Jornada Evangélica Alemã, Ellen Ueberschär, explicou que o documento do Vaticano “não animou” as expectativas da 2ª Jornada Ecumênica, a ser realizada em Munique, em 2010. Segundo Ueberschär, os ecumênicos nas paróquias estariam muito mais adiantados do que as publicações do Vaticano querem fazem acreditar”.
“Um diálogo teológico honesto”
O Vaticano salientou que o texto não traz novas posições, mas que, simplesmente, reavivaria a já conhecida atitude de Roma. Elogios ao novo documento da Congregação para a Doutrina da Fé vieram da Igreja Ortodoxa Russa, que enalteceu o texto do Vaticano por seu posicionamento claro.
O documento mostraria “quão perto e, respectivamente, quão longe nós estamos uns dos outros”, afirmam os ortodoxos. O texto seria uma condição prévia para “um diálogo teológico honesto”. Assim como o Vaticano, o patriarcado moscovita também se baseia na “sucessão apostólica”, que agora o documento romano reafirma como sendo privilégio da Igreja Católica. (ca)
Fonte: DW World