Pastor caminha em frente a sua igreja destruída pelos fulanis, na Nigéria (Foto: Portas Abertas)
Pastor caminha em frente a sua igreja destruída pelos fulanis, na Nigéria (Foto: Portas Abertas)

A violência continua a se espalhar por todo o país, sequestros, assassinatos, ataques a igrejas, confrontos e agora até ameaças de morte contra o presidente Muhammadu Buhari. Na entrevista à Agência Fides, o bispo católico auxiliar de Minna, Dom Luka Sylvester Gopep, traça um panorama da situação dramática vivida na Nigéria.

“A situação na Nigéria como um todo é muito complicada”, afirmou o bispo da diocese localizada no Cinturão Médio (Middel Belt), região da Nigéria que marca a fronteira entre o norte e o sul do país.

Uma situação caracterizada por uma violência crescente que atinge frequentemente as comunidades cristãs. O senhor poderia descrever a origem dessa violência?

O atual estado de violência na Nigéria começou com um movimento fundamentalista islâmico nascido em Maiduguri, capital do Estado de Borno, chamado Boko Haram que significa literalmente ‘a educação ocidental é uma abominação’. Seu principal ensinamento era o de colocar a vida social e o desenvolvimento da população na Nigéria sob a estrita autoridade e orientação da lei islâmica Sharia. O Boko Haram inicialmente atacou instituições governamentais, mas depois começou a atacar cristãos também fora do Estado de Borno. A diocese de Minna, que convivia pacificamente com seitas e grupos islâmicos no Estado do Níger, sofreu um ataque mortal em 2011. Naquele fatídico dia de Natal, 25 de dezembro de 2011, elementos do grupo terrorista Boko Haram atacaram a igreja. de Santa Teresa, Madalla. Mais de 60 pessoas foram mortas e muitas outras ficaram feridas e mutiladas permanentemente. Em seguida, as atividades homicidas do grupo se espalharam para outras comunidades no centro-norte da Nigéria, incluindo Abuja FCT. Foi então que eles foram além das igrejas cristãs e atacaram mesquitas e comunidades muçulmanas, bem como instituições e grupos sociopolíticos.

Mas agora não é só o Boko Haram que semeaia a morte e o terror…

Exatamente. Agora as coisas ficaram ainda mais complicadas porque não nos encontramos mais apenas diante dos terroristas do Boko Haram, mas de grupos de bandidos, pastores fulani armados que atacam comunidades para roubar rebanhos de gado, matar pessoas e estuprar mulheres e também gangues de sequestradores envolvidos em sequestros para a finalidade de extorsão financeira e material. Em suma, a situação atual na Nigéria ultrapassou a violência e dos confrontos de fundo religioso. É muito mais e muito complexo. Por exemplo, os sequestros não dizem respeito apenas aos cristãos, porque os muçulmanos e os tradicionalistas africanos também são vítimas de sequestros. Um por todos, o sequestro em massa de passageiros do trem Abuja-Kaduna em 28 de março. Entre os sequestrados estavam cristãos e muçulmanos.

Como está a situação na Diocese de Minna?

Na minha diocese existem 16 paróquias que são constantemente submetidas a fortes ataques de bandos de sequestradores. Os bandidos chegam também em plena luz do dia, capturam famílias inteiras, deixam apenas as crianças e levam os adultos embora. Em seguida, eles entram em contato com os parentes dos sequestrados para pedir o resgate. Em alguns casos, alguns dos sequestrados são mortos enquanto outros ficam mutilados devido à ferocidade sofrida nas mãos dos sequestradores. Durante o período em que os bandidos levam as pessoas, seus filhos são deixados sozinhos em suas casas e comunidades. Como Igreja, assumimos a tarefa e a responsabilidade de cuidar dessas crianças, fornecendo-lhes alimentação, assistência médica e psicológica.

Se o resgate for pago, os sequestrados são libertados. Mas se nada for pago, os sequestradores matam suas vítimas. Por exemplo, dois padres da Arquidiocese de Kaduna foram mortos por seus sequestradores.

Entre nossas mulheres e jovens sequestradas, algumas foram dadas em casamento aos sequestradores, algumas estupradas e outras vendidas a outras gangues para escravidão sexual. Algumas de nossas comunidades foram saqueadas por incessantes ataques dos bandidos. A situação criou campos de refugiados em diversas partes da diocese da qual sou bispo auxiliar. A Igreja da Diocese de Minna assumiu a tarefa de prestar assistência humanitária e intervenções de emergência ao nosso povo, independentemente da sua filiação religiosa.

Como é possível que os grupos criminosos não possam ser detidos?

Infelizmente, os governos, a nível nacional e estadual na Nigéria, continuaram a apoiar verbalmente a luta contra a insegurança. Continuam querendo nos fazer acreditar que nossos líderes estão combatendo a insegurança e a insurreição. Mas ainda estamos esperando o momento em que alguém será preso e acusado em tribunal por favorecimento à insegurança ou ao banditismo na Nigéria. É realmente chocante que, apesar do fato de vivermos em uma era tecnologicamente avançada, o governo da Nigéria não tenha conseguido implantar nenhum tipo de equipamento tecnológico para ajudar a encontrar os rebeldes e bandidos que estão aterrorizando praticamente todos os cantos da Nigéria. É ridículo que a maioria das vítimas do ataque ao trem ainda esteja em cativeiro depois de mais de quatro meses. Recentemente, seus captores até realizaram um ataque ao Centro Correcional da Nigéria, Kuje, para libertar alguns de seus companheiros rebeldes na prisão. Ninguém foi preso, ninguém foi chamado para responder e ninguém se demitiu por descumprimento de seu dever. Às vezes ouvimos que o governo sabe onde os bandidos estão escondidos. Se isso for verdade, por que nada foi feito para prendê-los ou dar xeque-mate em suas atividades mortais? Todos os nigerianos, exceto aqueles no governo, estão se perguntando o que nossos governos estão fazendo. Alguns até se perguntaram em alta voz se talvez alguns funcionários do governo não sejam parte dos problemas de sequestro e insegurança que nos assolam. Ninguém pode culpar os nigerianos por pensar assim, porque se alguns no governo nada sabem das situações trágicas, por que não intensificaram a luta contra a violência e prenderam os criminosos? Todos sabemos que o principal dever do governo é proteger as pessoas que o elegeram. Se nosso governo sozinho não pode garantir a segurança dos nigerianos, por que não pedir ajuda a outros países? Um paradoxo quando consideramos que nosso exército está engajado em operações de manutenção da paz e assistência em vários países. A Nigéria é boa em ajudar os países vizinhos a restaurar a estabilidade. Por que não é capaz de fazer isso em seu próprio território nacional? Estas são as perguntas que fazemos ao governo que não são respondidas.

A Nigéria é um Estado federal. Existem diferenças na abordagem do problema entre as instituições federais e as dos Estados individualmente?

Os esforços do governo federal se concentraram no uso do exército nigeriano e da força policial federal nigeriana. A taxa de sucesso tem sido mínima e, em alguns casos, suspeitamos que haja militares e policiais que estejam em conluio com os bandidos enquanto alguns são simpáticos a eles. O desempenho abaixo da média das agências federais de segurança levou alguns Estados a criar instalações como a Amotekun no oeste da Nigéria. Esses grupos de vigilantes dependentes do Estado, também chamados de Civilian JTF nas partes do norte da Nigéria, tiveram um tremendo sucesso no combate a criminosos. O maior desafio que eles têm é que estão mal equipados para combater os bandidos que possuem armas de fogo superiores. Sabemos que os grupos de vigilantes são compostos por moradores que tentam proteger a si mesmos e a seus entes queridos.

Em algumas ocasiões, testemunhamos forças de segurança federais trabalhando contra grupos locais de vigilantes. Por exemplo, há casos de suspeitos de terrorismo ou bandidos que foram presos por grupos de vigilantes e entregues à Polícia Federal para julgamento, mas desapareceram sem deixar rastro. Tais ocasiões estremeceram as relações de cooperação entre a polícia e os grupos de vigilantes. Estamos agora testemunhando o fenômeno da chamada ‘justiça da selva’ que ocorre quando grupos de vigilantes locais prendem bandidos, não os entregam às autoridades locais, mas realizam execuções extrajudiciais.

Há tempos a Igreja adverte que esta situação é insustentável e que a Nigéria corre o risco de implodir. Houve algum tipo de resposta a todos esses apelos?

Como a crise atual estava em seus estágios iniciais, nós, os bispos católicos da Nigéria, sinalizamos os perigos iminentes para os governos em todos os níveis na Nigéria. Por meio de nossos comunicados anuais, dos encontros com lideranças políticas e partes interessadas, enviando delegações ao governo em diferentes momentos, continuamos alertando sobre as calamidades que se abatem sobre nosso país. Em resposta, os líderes nacionais e estaduais prometeram levar em consideração nossas advertências e sugestões, mas não cumpriram suas promessas. No final, nossos apelos caíram no vazio. Em 2020, quando a situação se tornou mais preocupante e cidadãos inocentes, incluindo sacerdotes, foram sendo assassinados continuamente, os bispos reuniram católicos e pessoas de boa vontade em toda a federação e fizemos um protesto pacífico contra os assassinatos incessantes em nossa terra. Sempre que os bispos fizeram declarações, eles continuaram a lembrar nossos governos que seu maior dever é a proteção das vidas e propriedades dos nigerianos. Insistimos não obstante a recusa de nossos apelos por parte de homens e mulheres em posições de liderança nos níveis federal e estadual de governo na Nigéria. Os bispos não podem ir além de sua missão pastoral como pastores do povo de Deus para entrar na arena política da Nigéria. Nunca nos cansaremos de cumprir nossos deveres como cidadãos de nosso país, a Nigéria, aconselhando o governo quando necessário e cumprindo nossas muitas responsabilidades cívicas. Na diocese de Minna, os bispos saem ao encontro das pessoas que sofrem e estão deslocadas de suas pátrias para consolá-las e ajudá-las.

Percebemos que muitas comunidades estão formando grupos locais de autodefesa sem recorrer às autoridades estaduais ou federais. Isso é consequência da incapacidade do governo de garantir a segurança dos cidadãos e, idealmente, é uma violação da lei. Quando as populações locais formam milícias de autodefesa, significa que o governo está perdendo a legitimidade e o controle do monopólio da força. Se isso continuar, o país está no caminho da desintegração. Mas as pessoas em diferentes comunidades são impotentes diante do aumento da violência e da destruição de vidas e propriedades em suas terras natais. Se nada for feito sobre esta situação, espero que os políticos, preocupados apenas com as próximas eleições, não tenham aldeias, vilas e cidades vazias para governar quando as eleições terminarem em 2023.

Folha Gospel com informações de Vatican News e Agência Fides

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