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Dois colaboradores próximos do papa Francisco acusaram os católicos ultraconservadores dos EUA de fazerem uma aliança de “ódio” com cristãos evangélicos em apoio ao presidente Donald Trump, alienando ainda mais um grupo que já caiu das graças do Vaticano.
A acusação, feita em uma publicação aprovada pelo Vaticano, destacou Stephen Bannon, o principal estrategista de Trump, como “defensor de uma geopolítica apocalíptica” que conteve as ações contra a mudança climática e explorou os temores de imigrantes e muçulmanos com pedidos de “muros e deportações purificadoras”.
O artigo adverte que os católicos conservadores americanos derivaram perigosamente para uma polarização política cada vez mais profunda nos EUA. Os autores declaram ainda que a visão de mundo dos evangélicos e dos católicos radicais dos EUA, que se baseia em uma interpretação literal da Bíblia, “não está muito longe” da dos jihadistas.
Não está claro se o artigo, que foi publicado em “La Civiltà Cattolica”, recebeu a bênção direta do papa, mas é extraordinário em uma revista que tem o selo de aprovação da Santa Sé. Aparentemente não houve uma repreensão do papa, que não se intimida ao disciplinar os dissidentes, e o editor da revista promoveu o artigo quase todos os dias desde que foi publicado, em julho.
O artigo e a reação a ele –houve muitas acusações de antiamericanismo, e um importante prelado americano comparou os autores a “idiotas úteis”– salientaram a distância cada vez maior entre Francisco e os católicos conservadores dos EUA.
Desde a eleição do papa Francisco, em 2013, os conservadores temiam que ele desse uma aprovação rápida a questões sociais que os animam, como o aborto e o casamento homossexual. Eles suportaram suas advertências para evitar discussões políticas, e assistiram com preocupação Francisco nomear pastores à sua imagem, enquanto punha de lado os líderes conservadores.
Não é segredo que Francisco, o primeiro papa latino-americano, muitas vezes criticou o capitalismo e tem uma visão complexa de seus antigos vizinhos ao norte.
Pouco depois de sua eleição, embaixadores do Vaticano informaram ao pontífice sobre diversas situações no mundo e sugeriram que ele fosse especialmente cuidadoso ao nomear bispos e cardeais nos EUA.
“Já sei disso”, interrompeu o papa, segundo uma autoridade graduada do Vaticano que conhece os detalhes da conversa e pediu que seu nome não fosse citado. “É de onde vem a oposição.”
O Vaticano não quis comentar essa conversa.
Leitores que apreciaram o artigo disseram que ele deixa claro que os conservadores que dirigiram a igreja nos EUA durante décadas estão fora de sintonia com a nova corrente dominante do catolicismo sob Francisco.
Massimo Faggioli, um professor de teologia histórica na Universidade Villanova e colaborador de revistas católicas liberais, disse que o artigo na “Civiltà Cattolica” seria “lembrado na história da igreja como um dos mais importantes para se compreender o Vaticano de Francisco e os EUA e o catolicismo americano”.
Segundo ele, e refletindo a tese do artigo, o catolicismo americano “se diferenciou da corrente dominante do catolicismo europeu e latino-americano”, e caiu “nas mãos da direita religiosa”.
Os autores do artigo afirmam que os evangélicos e católicos ultraconservadores dos EUA correm o risco de corromper a fé católica com uma ideologia destinada a injetar “influência religiosa na esfera política”. Eles sugerem que os chamados eleitores de valores estão usando as bandeiras da liberdade religiosa e da oposição ao aborto para tentar suplantar o secularismo com um “Estado do tipo teocrático”.
Mesmo antes que o artigo fosse publicado, muitos católicos apoiadores de Trump, que teve o voto dos brancos católicos, já temiam Francisco por sugerir durante a campanha que Trump “não era cristão” porque preferia construir muros, em vez de pontes.
A aparente abertura de Francisco sobre questões chaves, como conceder a comunhão aos católicos casados pela segunda vez fora da igreja, galvanizou a oposição, liderada pelo cardeal americano Raymond Burke, um crítico declarado de quem Francisco desdenhou várias vezes.
O ensaio, que os críticos rejeitaram como sendo totalmente ignorante da história profunda da religião na política americana, animou ambos os lados da divisão.
Em um artigo no site Breitbart intitulado “Assessores papais criticam cristãos americanos em arenga preconceituosa”, Thomas Williams, o correspondente do site em Roma e associado a Bannon, escreveu que em vez de atacar Trump e Bannon “eles acabaram atacando os próprios EUA”.
Benjamin Harnwell, um católico tradicionalista em Roma, fã de Bannon e confidente de Burke, disse que os autores do artigo estavam fazendo pouco mais que “provocar Steve Bannon”. Bannon, um ex-coroinha que certa vez articulou sua visão de mundo em uma conferência no Vaticano, escreveu em um breve e-mail que os associados do papa “me acenderam”.
O arcebispo Charles Chaput, da Filadélfia, um porta-estandarte do conservadorismo nos EUA, comparou os autores do artigo em seu boletim semanal com os “idiotas úteis” que apoiaram a revolução bolchevique na Rússia. Ele disse que o ensaio é “um exercício de emburrecimento e que apresenta inadequadamente a natureza da cooperação católica/evangélica sobre liberdade religiosa e outras questões importantes”.
Se as próprias ambições frustradas de Chaput servirem de guia, Francisco poderá discordar. O papa irritou os conservadores ao se recusar diversas vezes a elevar Chaput ao título de cardeal, uma exigência para o ingresso no conclave que escolhe o sucessor do papa.
“Fiquei um pouco desapontado”, disse em uma entrevista recente o cardeal Gerhard Müller, um conservador alemão nomeado pelo papa Bento 16 como principal guardião da doutrina da igreja. “A indicação dos cardeais não deve ser uma relação pessoal entre o papa e esses bispos”, disse ele, acrescentando que ficou intrigado sobre por que Francisco não os escolheu. “Não sei”, disse ele. “Política.”
Em julho, Francisco demitiu Müller.
As decisões pessoais na hierarquia católica são cruciais para o esforço de Francisco de tornar a igreja mais inclusiva, especialmente nos EUA.
Os católicos conservadores americanos, não habituados a não contar com os favores do papa, fumegaram em particular e manifestaram horror em público em diversos blogs católicos de direita. Eles acusam Francisco de destruir a igreja e diluir sua doutrina.
Os católicos liberais americanos, feridos por rachas sob os papas João Paulo 2º e Bento 16, são menos que simpáticos às queixas conservadoras e se sentiram reforçados por Francisco.
Eles estão felizes com a promoção pelo papa de figuras como o cardeal Blase Cupich, de Chicago, que iniciou um programa contra a violência das armas e se opôs às propostas republicanas sobre o sistema de saúde pública, alegando que elas tirariam a cobertura dos fracos e pobres.
Francisco o escolheu para liderar a diocese de Chicago em 2014, depois da aposentadoria do cardeal Francis George, um gigante do conservadorismo católico americano, e o elevou a cardeal no ano passado.
“Devemos falar de uma maneira que atraia as pessoas e crie uma sensação de união na sociedade”, disse Cupich em uma entrevista no Vaticano no dia de sua elevação.
Alguns católicos progressistas começaram a manifestar um ressentimento até então tácito pelo zelo de direita radical dos evangélicos, calvinistas e protestantes convertidos ao catolicismo, entre eles Newt Gingrich, o marido de Callista Gingrich, a nova embaixadora americana na Santa Sé.
“Estou cansado de ouvir convertidos nos dizerem que o papa não é católico”, escreveu na semana passada Michael Sean Winters no jornal “National Catholic Reporter”.
Essa profunda suspeita do fundamentalismo evangélico e o medo da politização corroer a hierarquia conservadora da Igreja Católica nos EUA foi exposta pelo artigo em “La Civiltà Cattolica”. Seus autores foram o reverendo Antonio Spadaro, editor da revista, que é um confidente do papa Francisco; e Marcelo Figueroa, um ministro presbiteriano argentino que é amigo e antigo colaborador do papa.
Em uma entrevista, Spadaro –cujos críticos chamaram de “a boca do papa”– disse que a reação ao ensaio foi “incrível”. Ele disse que recebeu palavras amáveis, mas também “muito ódio”.
Alguns críticos, afirmou, tentaram distorcer a discussão em um ataque à cooperação entre católicos e protestantes, algo que, segundo disse, ele mesmo promoveu. Essas críticas muitas vezes vêm de oponentes de Francisco “que estão tentando minimizar o papel de seu pontificado”, disse Spadaro.
Ele não explicou se teve a aprovação de Francisco ou se tinha falado com o papa depois da publicação do ensaio.
O principal ponto do artigo, segundo ele, é o argumento do papa de que a religião a serviço da política ou do poder é ideologia, e que a manipulação da ansiedade com finspolíticos corre o risco de tornar a igreja “uma seita dos puros”.
Spadaro citou como exemplo o site católico periférico Church Militant, que o ensaio descreveu como abertamente a favor do “ultraconservadorismo” político. (Um site relacionado respondeu sob o título “Editor maligno de La Civiltà Cattolica ataca o Church Militant”.)
Spadaro também disse que é importante explorar a “narrativa apocalíptica que inspira” Bannon, que digeriu as obras de autores de direita muitas vezes anticristãos, como Julius Evola, que afirmam que as pessoas se afastaram de uma verdade primordial e heroica.
Spadaro disse que ficou alarmado com a readoção de uma visão de mundo apocalíptica mística pelo catolicismo conservador.
“Estamos advertindo contra esse tipo de mistura, que é perigosa”, afirmou.
[b]Fonte: The New York Times por JASON HOROWITZ via Folha de São Paulo – tradução LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES[/b]