Documentos vazados abrem as cortinas sobre o funcionamento interno da Igreja Católica.
Enquanto os católicos romanos do mundo se preparam para a adição de 22 membros ao Colégio dos Cardeais, o Vaticano se vê envolvido em um escândalo embaraçoso, no qual vários documentos vazados abrem as cortinas sobre o funcionamento interno da Igreja.
As disputas internas da Igreja, previsivelmente apelidadas de “Vatileaks” pela imprensa italiana, se tornaram públicas há três semanas, com a revelação pela televisão e jornais de cartas confidenciais escritas por uma importante autoridade do Vaticano, que denunciava suposta corrupção e malversação financeira na Cidade do Vaticano.
O sentimento geral entre os especialistas que seguem o Vaticano é que as cartas foram uma rajada de balas em uma batalha entre as autoridades que disputam poder em uma corte papal cujo líder ungido, eles dizem, está mais preocupado com questões teológicas do que com os assuntos cotidianos do Estado.
Todo jornalista que acompanha a Igreja descreve a atual controvérsia como parte de “uma disputa entre os cardeais na Cúria”, apesar do Vaticano negar, disse Paolo Rodari, que escreve sobre o Vaticano para dois jornais. Os e-mails, cartas e documentos que foram publicados “não sairiam a menos que tenham vindo de alguém lá de dentro”, ele acrescentou.
O Vaticano não negou a autenticidade das cartas, mas emitiu várias declarações dizendo que a imprensa exagerou demais o assunto.
As primeiras cartas publicadas datam do primeiro semestre do ano passado. Nelas, o arcebispo Carlo Maria Vigano, na época o vice-governador da Cidade do Vaticano, lamentava que perderia o cargo após fazer inimigos em seu esforço de combater o excesso de gastos e o clientelismo na concessão de contratos. Ele implorava ao seu chefe, o secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, e ao papa para mantê-lo. Em vez disso, Vigano foi nomeado núncio apostólico, ou embaixador, nos Estados Unidos.
Cartas e documentos de outras autoridades do Vaticano vieram em seguida, incluindo algumas sugerindo que o Vaticano não estava cumprindo adequadamente a legislação internacional para prevenir a lavagem de dinheiro.
Um documento anônimo publicado em um jornal nacional, na semana passada, citava relatos de que um cardeal siciliano tinha falado vagamente sobre uma trama para matar o papa Bento 16 antes do final de 2012.
O porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, chamou os relatos de “delirantes e incompreensíveis”.
A divulgação pública dos problemas da Igreja ocorre em um momento inoportuno para o Vaticano, enquanto ele se prepara para expandir o Colégio dos Cardeais, que ocorrerá em uma cerimônia na Basílica de São Pedro.
É um momento incomumente festivo, e de fato centenas de peregrinos vieram de Nova York para estarem presentes quando o arcebispo Timothy M. Dolan se tornar um príncipe da Igreja. Desta vez, entretanto, alguns colunistas que escrevem sobre o Vaticano destacaram que um número acima da média de novos cardeais é italiano ou tem laços com a Cúria, deixando implícito o quanto isso influenciará a eleição do próximo papa.
Transparência total nunca foi uma opção de estratégia de relações públicas do Vaticano (até hoje, seus arquivos divulgam apenas pronunciamentos ancestrais de forma cuidadosamente dosada). Mas a julgar pelas numerosas declarações emitidas, a divulgação das cartas colocou não caracteristicamente os órgãos internos da Santa Sé em modo de crise.
Em um editorial de primeira página nesta semana sobre Bento 16 no “L’Osservatore Romano”, o jornal do Vaticano, o editor-chefe, Giovanni Maria Vian, descreveu o papa como se mantendo firme “diante de lobos”, em meio a “comportamento irresponsável e indigno” encorajado pelo “clamor da mídia”.
Lombardi também atacou a mídia e pediu às autoridades da Igreja para “terem nervos fortes, porque ninguém pode se surpreender diante de nada”, comparando o embaraço causado pelas cartas à mortificação que envolveu o governo americano no escândalo do WikiLeaks.
A Igreja deve permanecer firme e não se deixar “ser engolida pelo vórtice de confusão, que é o que pessoas mal intencionadas desejam”, ele disse em uma declaração nesta semana. Nós devemos “fazer uso da razão, algo que nem todos os veículos da mídia costumam fazer”.
Apesar de haver um amplo consenso entre os especialistas em Vaticano de que este e os homens da Igreja não estão imunes às falhas da natureza humana, as complexidades da política do Vaticano deixam o objetivo final das cartas vazadas menos claro.
Alguns acreditam que as cartas visam manchar Bertone, acusado pelos críticos de ser um péssimo administrador até mesmo ao tentar expandir sua influência na corte papal.
Outros dizem que o objetivo é simplesmente expor a corrupção dentro das instituições financeiras do Vaticano, apesar de nos últimos anos a Santa Sé, a sede da Igreja Católica Romana na Cidade do Vaticano, ter feito esforços ostensivos para ser mais transparente em suas relações econômicas (mais cortina de fumaça, dizem os céticos).
“A tampa foi removida desta panela porque estava encobrindo um grande número de vermes e era hora de serem expostos à luz do dia”, disse Marco Lillo, um jornalista investigativo do jornal “Il Fatto Quotidiano”, que publicou vários documentos.
As cartas surgiram, ele explicou, depois que transgressões relatadas dentro da Cúria passaram impunes.
“Em um mundo fechado”, disse Lillo, “a única forma de tornar os erros públicos é expô-los à opinião pública”.
E em uma Igreja que já foi abalada pelo reconhecimento de vasto abuso sexual de menores por parte do clero, a noção de que aquilo que acontece dentro dos muros do Vaticano permanece dentro do Vaticano “não mais se aplica”, ele disse. Mas também há aqueles que acreditam que os ataques visam o papa, que está sendo acusado de desprezar a administração (e maquinações) da Igreja, dando preferência a cimentar suas fundações teológicas e doutrinárias.
De fato, o papa, que completará 85 anos em abril, se referiu indiretamente ao clima contencioso na Cúria em várias ocasiões, pedindo às autoridades que prestem mais atenção aos assuntos espirituais do que aos temporais.
Falando para seminaristas em Roma na quarta-feira, o papa disse que nos últimos dias houve “muita conversa sobre a Igreja de Roma, com muitas coisas sendo ditas”, relatou o Serviço de Informação do Vaticano. “Vamos torcer para que as pessoas também falem sobre nossa fé.”
[b]Fonte: The New York Times[/b]