Nem a Arquidiocese escapa. O caso do monsenhor flagrado com uma mala de euros expõe novamente a contabilidade paralela de algumas instituições religiosas

Um simpático senhor de 77 anos, que embarcaria no Rio de Janeiro rumo a Portugal, no domingo 5, foi detido já dentro da aeronave por agentes federais em uma operação que lembrava a prisão de tesoureiros de partidos políticos – como a do finado Paulo César Farias ou de Delúbio Soares. Aquele homem era, de fato, um tesoureiro.

Trata-se do monsenhor Abílio Ferreira da Nova (foto), padre da Arquidiocese do Rio e pároco da Igreja Nossa Senhora de Copacabana. O crime: evasão de divisas. Ele escondia o equivalente a R$ 116 mil em cédulas de euros na mala. Pela legislação brasileira, valores acima de R$ 10 mil precisam ser declarados.

O monsenhor responderá processo em liberdade, mas, se for condenado, poderá ficar três anos na prisão, sem direito a fiança. A Arquidiocese do Rio não quis comentar o episódio, mas informou que deverá afastar o religioso das finanças da igreja. Detalhe: o antecessor do padre Abílio, Edvino Steckel, foi afastado por suspeitas de irregularidades na utilização dos dízimos arrecadados.

“Meu único pecado foi não ter declarado o dinheiro”, disse o monsenhor Abílio, afirmando que a soma iria para seus parentes pobres de Portugal. É crime tentar sair do País com uma pequena fortuna de forma não oficial. A ironia é que o monsenhor foi colocado no cargo há pouco mais de um ano justamente para limpar as manchas deixadas por seu antecessor, o padre Edvino Steckel, acusado de ter gasto em torno de R$ 14 milhões em despesas não justificadas ou desnecessárias.

A Polícia Federal chegou ao religioso por meio de uma ligação anônima para o Disque-Denúncia na qual detalhes como nome completo e voo foram fornecidos. Da Nova responderá por evasão de divisas, crime com pena de dois a seis anos de prisão. Já padre Steckel, protagonista do escândalo anterior, não tem nenhuma dívida com a Justiça e está apenas afastado da diocese. Ele teria comprado um apartamento de R$ 2,2 milhões para servir de residência a dom Eusébio Scheid, no Rio, quando este se tornasse ex-arcebispo. “Uma coisa são os problemas de gestão de recursos da Igreja. Outra, é um padre viajando com dinheiro que, até prova em contrário, era dele”, afirma o teólogo Névio Fiorin, da ONG Iser Assessoria.

No Brasil, a fé é uma gigantesca indústria. Oficialmente, as doações declaradas pelas igrejas evangélicas e católica no Brasil somam R$ 1,7 bilhão por mês, segundo pesquisa do Instituto Análise em 70 cidades brasileiras. O valor é equivalente ao faturamento mensal de todas as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus.

A cifra, evidentemente, é muito maior que isso se considerarmos que o País tem mais de 5,5 mil municípios e que grande parte dos donativos – a maioria, talvez – nunca é publicamente contabilizada. Qualquer semelhança com o caixa 2 de partidos políticos não é mera coincidência.

O episódio da última semana com o monsenhor Abílio mostra que a evasão de divisas é uma prática ecumênica. Nos últimos anos, uma sequência de escândalos financeiros entre líderes religiosos abalou a imagem difundida em templos e catedrais de que a fé e corrupção trilhavam caminhos opostos.

Os casos mais recentes, e de maior destaque nos noticiários policiais, surgiram de igrejas evangélicas como a Universal do Reino de Deus, do bispo e empresário Edir Macedo – acusado de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro –, e a Renascer em Cristo, do casal Sonia e Estevam Hernandes, presos ao tentar entrar nos Estados Unidos com dinheiro não declarado escondido dentro de Bíblias.

[b]Fonte: IstoÉ Dinheiro e IstoÉ Independente
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