Chove em Miami Beach, e a cerimônia para lembrar o holocausto de mais de 60 anos atrás tem de ser transferida para a sinagoga, afinal, todos vão se molhar no palco armado em frente do monumento local que lembra a perseguição nazista, uma mão gigante cheia de cadáveres, de uma feiúra que contrasta com o art-deco do distrito.

Na porta do templo, um segurança de quipá na cabeça avisa que não se pode entrar. Diz que ninguém vai falar sobre as eleições presidenciais, que acontecem amanhã. Mas ele acaba falando no assunto em que todos falam nos EUA. “Aqui todo mundo vota em McCain, porque ele defende Israel. Você viu o nome do meio de Obama: Hussein. Isso é árabe”, diz Allon, que prefere não dar o sobrenome.

Miami Beach é o reduto do setor ortodoxo da comunidade judaica da Flórida, uma das maiores dos EUA. Calcula-se que eles representam cerca de 7% dos votos do Estado, que tem um histórico de disputas muito apertadas. Em 2000, a diferença foi de apenas 0,009% em favor de George Bush, e muitos aposentados judeus se equivocaram ao votar porque a cédula era muito complicada, principalmente em Palm Beach.

Estima-se que 80% da comunidade judaica votem em Obama (em 2004 apenas 22% apoiaram os republicanos, 19% em 2000, 16% em 1996 e 11% em 1992). De qualquer forma, se persegue um aumento do perfil mais conservador. Por isso, a campanha é acirrada dos dois partidos. Por um lado, a comediante televisiva Sarah Silverman (tem um seriado que passa no Brasil e já participou de episódios de Seinfield) lançou uma campanha para que os jovens judeus viajem para a Flórida para convencer seus parentes que desfrutam a aposentadoria no calor a votarem no democrata.

“Se Barack Obama não vencer, eu vou culpar os judeus”, diz ela no vídeo de campanha viral na Internet. Ela brinca também que se os avôs dizem que amam tanto seus netinhos, então que pelo menos os escutem. O sul da Flórida é um paraíso para os velhinhos do Norte. Eles povoam condomínios em localidades com nomes como Boca Raton, Delray Beach e Boynton Beach.

Neste último, a simpatizante democrata Pearl Saleh, 75, saiu de Chicago e adiantou sua viagem de veraneio para convencer suas amigas a votarem em Obama. “Tem muita gente com pensamento muito estreito. Escutam qualquer coisa e já se fecham para um candidato como o nosso.” Muitos são bombardeados pela propaganda de difamação.

A entidade Coalizão Judaica Republicana comprou horário nas TVs da Flórida e Ohio mostrando duas declarações da época das primárias democratas em 2007. Em um dos trechos, Obama aparece respondendo que irá negociar pessoalmente com líderes do Irã, Síria, Venezuela, Cuba e Coréia do Norte. No trecho seguinte, Hillary Clinton, que foi sua adversária dentro do partido, diz que a fala do rival mostrava sua visão “irresponsável e francamente ingênua” das relações internacionais do país. A peça publicitária termina com o locutor dizendo: “Hillary está certa.”

“Investimos US$ 1 milhão nessa campanha para mostrar que a política de Obama é perigosa para Israel. Os EUA precisam experiência”, afirma Matt Brooks, diretor da organização republicana. Outro anúncio mostra uma imagem de Mahmoud Ahmadinejad, presidente iraniano, com os dizeres: “Ele quer destruir Israel e Obama fala que vai se reunir com ele?você não fica preocupado?”

Como resposta, o rabino Steven Bob lançou um site chamado Rabinos por Obama, apoiado por 562 assinaturas de colegas, afirmando que votar no democrata é “kosher”, ou seja, tem a reverência do líder espiritual hebraico. Por seu lado, John McCain convocou o senador de origem judaica Joe Lieberman para conseguir votos na comunidade, se reunindo em cafés da manhã com avós e avôs em Fort Lauderdale. Lieberman esteve como vice na chapa democrata de 2000, ao lado de Al Gore, mas se bandeou para a campanha do republicano e se anuncia independente.

Já Obama escolheu como seu vice Joe Biden, um interlocutor respeitado pela comunidade judaica. Biden se apresentou como um “zadi” (avô) e criticou as campanhas contra Obama. “As acusações de que ele é muçulmano são ridículas”, disse. As famílias do pai e do padrasto do candidato democrata são muçulmanas, mas ao contrário do que afirma um dos e-mails difamatórios, Obama não estudou em colégio islâmico quando morou ainda criança na Indonésia (na verdade, freqüentou uma escola católica de Jacarta).

Perambulando pelas ruas cheias de palmeiras e brisas, Haile Soifer, 29, tenta convencer seus similares em Coconut Creek. “Obama nunca pôs em xeque o alinhamento norte-americano com Israel. Nós sofremos discriminação, então, temos que ser os principais advogados de Obama”, argumenta com um casal idoso. Os judeus do Estado formam 650 mil dentro do universo de 10 milhões de eleitores potenciais (nos EUA, o voto é facultativo).

O único levantamento de opinião dentro da comunidade na Flórida, feito pelo apartidário Comitê Judaico Norte-Americano, dava vitória com 57% a Obama, apesar de seu nome e das dúvidas quanto a sua política em relação ao Estado de Israel. Mas isso foi no início de outubro. Com tantas campanhas de republicanos e democratas, o resultado só vai ser descoberto nas apurações desta terça à noite.

Fonte: UOL

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