O bispo de Barra, na Bahia, Luiz Flávio Cappio, iniciou nesta terça-feira uma nova greve de fome em protesto contra as obras de transposição do rio São Francisco, acusando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “enganar” a população ao descumprir a promessa de discutir publicamente o projeto.

Cappio havia realizado uma greve de fome de 11 dias em 2005 pelo mesmo motivo.

Enquanto o governo afirma que a transposição ajudará milhões de pessoas no Nordeste, o bispo e outros críticos afirmam que a obra beneficiará economicamente apenas alguns poucos grandes produtores rurais.

Com seu protesto anterior, Cappio conseguiu que o governo adiasse o início do projeto, estimado em mais de 2 bilhões de dólares, para que a iniciativa fosse debatida.

Mas, em entrevista à Rede Record na noite desta terça-feira, Lula afirmou que não irá se intimidar com a greve de fome do bispo e lamentou a retomada do protesto.

“Eu lamento, lamento porque a primeira vez que ele esteve comigo dois anos atrás o que ele reivindicava era que nós fizéssemos a revitalização do rio São Francisco … Nunca houve a quantidade de investimentos que o governo federal está fazendo para recuperar o rio São Francisco”, disse Lula à emissora.

“O bispo me coloca numa situação complicada, porque eu tenho que escolher entre ele, que está fazendo uma greve de fome premeditada, e 12 milhões de nordestinos … que precisam da água para sobreviver. E não tenha dúvida que eu ficarei com os pobres deste país.”

Neste ano, o governo incluiu a transposição do São Francisco no seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e enviou o Exército para iniciar a obra, sem responder a uma carta enviada por Cappio em fevereiro a Lula.

“Para que eu interrompa o jejum é mediante essas duas exigências: primeiro, o arquivamento do projeto, e segundo, a retirada do Exército”, disse o bispo por telefone à Reuters.

Cappio, no passado companheiro de lutas do PT, enviou na terça-feira uma nova carta em termos duros ao presidente.

“Até agora não obtivemos resposta”, disse o prelado. “Minha vida inteira foi na luta do PT. A vida inteira vesti a camisa do presidente, só que infelizmente, desde que ele chegou lá (ao poder), se esqueceu dos que estão do lado de cá”, completou.

Ele afirmou que não poderia aceitar que o rio, responsável pela subsistência de milhões de pessoas, fosse desviado “para transformar a água em benefício de alguns, em detrimento da vida de muitos”.

Em sua nova carta, Cappio lembra as promessas do governo de debater o projeto, o que segundo ele não ocorreu. “O sr. não cumpriu sua palavra. O sr. não honrou nosso compromisso. Enganou a mim e à sociedade brasileira”, escreveu. “Portanto, retomo meu jejum e oração. E só será suspenso com a retirada do Exército das obras e o arquivamento definitivo.”

O bispo, como outros críticos do projeto, afirma que há outras propostas para levar água ao resto do Nordeste.

Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, disse que o bispo “está querendo fazer uma reflexão mais profunda para que a sociedade brasileira possa pensar na sua relação com os bens naturais”.

Em nota divulgada na noite de terça-feira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou que “o Estado tem a responsabilidade de garantir à população o acesso à água de boa qualidade” e que “é preciso cuidar da revitalização do Rio São Francisco e do respeito ao direito à terra dos povos da região”.

A nota, que defende “um amplo diálogo sobre o tema”, informa ainda que o projeto de transposição do São Francisco “traz consigo muitas implicações, não havendo unanimidade nem mesmo na Igreja, o que julgamos perfeitamente compreensível”.

Cappio diz que vai “até o fim” com a greve de fome

O bispo de Barra (610 km de Salvador, BA), dom Luiz Flávio Cappio, 60, disse estar disposto a manter o jejum até a morte, “se for preciso”. Segundo ele, “o rio e o povo merecem”.

Em entrevista à Folha, por telefone, Cappio afirmou que “ninguém” concorda com seu protesto, por querê-lo vivo, mas diz que não recuará nem a pedido das instâncias superiores da igreja. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

FOLHA – Qual o limite do protesto?
LUIZ FLÁVIO CAPPIO – Até o fim.

Até a morte?
Claro, se for preciso. O rio e o povo merecem.

O sr. consultou as instâncias superiores da igreja?
Consultei, sim, conversei, mas, na minha opinião, a gente é senhor da própria vida. Deus nos deu a vida para que ela seja doada. Ninguém está de acordo comigo, porque ninguém quer ver o irmão ser sacrificado, mas, se for preciso, eu estou aqui para essa prova.

Mesmo que as instâncias superiores proíbam, o sr. está disposto a manter a greve?
Estou, sim, vou levar adiante. Comuniquei a nunciatura apostólica, que representa o santo padre, comuniquei a CNBB, meu arcebispo, todos. E todos me aconselham: “frei Luiz, não faça isso”, porque têm muito amor e me querem vivo. Mas respeitam meu gesto.

Há espaço para negociação com o governo?
Não. Agora não vai ter barganha. Agora é uma posição definida.

Fonte: Reuters e Folha Online

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