Estudo quer identificar os problemas de saúde das classes populares que levam a busca pelas igrejas evangélicas, em especial as pentecostais e neo-pentecostais, além de tentar compreender como essas instituições podem auxiliar na resolução destes.

Esses são os objetivos de um estudo de pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, que avaliam a relação entre pobreza, religiosidade popular e saúde.

Para a análise, os estudiosos escolheram a região da Leopoldina, na Zona Norte do Rio de Janeiro, que apresenta um grande número de favelas e conjuntos habitacionais de baixa renda, onde predominam a miséria e pobreza.

Segundo os pesquisadores, atualmente, pode-se constatar a existência de diversas atividades e práticas de apoio social em nossa sociedade e o uso da religião como uma dessas formas de auxílio vem sendo enfatizada, devido à procura crescente das classes populares nessa direção. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o número percentual de igrejas evangélicas no país aumentou mais que o dobro do percentual da população brasileira nas últimas três décadas.

“Diante dos limites dos serviços públicos de saúde em lidar com a demanda crescente de adoecimento profundo da população, a busca pelas religiões evangélicas pode ser entendida como uma estratégia para enfrentar os problemas cotidianos, principalmente no que se refere às condições de saúde”, cometam os estudiosos Victor Valla, Maria Beatriz Guimarães e Alda Lacerda (da Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz). A pesquisadora Carla Moura também participa do estudo.

O estudo teve como base entrevistas com diversos pastores e conversas com fiéis que participam dos cultos religiosos. A socióloga Maria Beatriz explica que os entrevistados mostraram um quadro de grande sofrimento. “Em um ciclo vicioso de pobreza, isolamento e adoecimento, cresce a demanda de atenção médica por agravos psicossociais”, afirma. “Diversas foram as queixas de ansiedade, angústia, depressão, tristeza, medos, dores generalizadas, o que é denominado por Valla, de ‘sofrimento difuso’. Além disso, a crescente violência nessas áreas só contribui para piorar a situação, tornando a ocorrência do sofrimento uma endemia”.

A pesquisadora ainda elucida que o atendimento disponível, hoje, na rede de saúde pública não consegue fornecer o tratamento que esses indivíduos necessitam. “Os pacientes se consultam em hospitais e postos de saúde, mas os profissionais que os atendem, em geral, não consideram o sofrimento realmente um problema, devido a um distanciamento entre as duas realidades”, diz. “É fato que muitos profissionais nos serviços públicos de saúde não conseguem oferecer um cuidado integral aos doentes ou uma assistência adequada. A conduta muitas vezes se restringe apenas a receita de medicamentos para aliviar os sintomas dos pacientes, o que leva a uma medicalização dos problemas da vida social”.

A religião, então, estaria se tornando uma alternativa para esses indivíduos enfermos, que precisam trabalhar os fatores subjetivos que influenciam seu adoecimento, suas emoções. “Não podemos menosprezar o efeito terapêutico que a participação nos cultos propicia aos freqüentadores, seja porque cuida dos fiéis por meio do apoio social/emocional oferecido pelas palavras de conforto e estímulo, sem culpabilizá-los por suas atitudes, ou por propiciar um ambiente acolhedor, no qual os sujeitos são ouvidos em suas queixas e problemas, ou ainda pela formação de uma rede social, em que se divulga a oferta de trabalhos e empregos”, destacam os pesquisadores. Além disso, a figura dos pastores nas igrejas evangélicas estudadas se mostrou muito importante, pois esses também são moradores locais e compartilham os perigos e as incertezas que afligem a região.

Ao freqüentar esses espaços, alguns abertos 24 horas, as classes populares, em busca de alívio, encontrariam um sistema de apoio integral nessas redes de solidariedade, além de um sentido para vida em um contexto de pobreza e precariedade – o que não quer dizer que os problemas sejam resolvidos. “Essas redes de apoio social que se formam a partir das igrejas, em que todos se ajudam mutuamente, propiciam aos sujeitos um sentimento de pertencimento e os ajudam a enfrentar melhor as adversidades do cotidiano”, aponta Maria Beatriz. Os pesquisadores ainda ressaltam que não cabe um julgamento de antemão sobre os caminhos escolhidos pelas classes populares, mas considerar e analisar a razão das escolhas desses caminhos.

Fonte: Jornal O Serrano

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