Se o Estado Laico, por que os Feriados Religiosos?

O país comemora neste mês o feriado religioso denominado de “Dia da Padroeira do Brasil – Nossa Senhora Aparecida”, segundo a Lei Federal 6.802 de 30 de junho de 1980, que, “Declara Feriado Nacional o Dia 12 de outubro, Consagrado a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. (…) Art. 1º. É declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.(…)”.

Este é um dia sagrado para a Igreja Católica Apostólica Romana, que possui um histórico de quatrocentos anos de religião professada por maioria da população brasileira, devendo ser respeitado pelos crentes, bem como, descrentes, de todos os matizes de fé, o direito assegurado pela Constituição Federal do País dos religiosos católicos romanos referenciarem seus dogmas eclesiásticos, seus ritos, seus santos, seus dias de guarda etc.

Contudo, em função da data ser feriado nacional oficial, fica no ar a pergunta, por que quem não é católico romano é obrigado legalmente a consagrar este dia 12 de outubro?, e atualmente este percentual de brasileiros é altamente expressivo, fala-se em quase 40% da população pátria, entre os quais, budistas, candomblecistas, evangélicos, judeus, mulçumanos, praticantes de confissões orientais, de religiões de matriz africana, umbandistas etc, que também tem garantido constitucionalmente o direito de professarem seus dogmas espirituais, suas datas religiosas, suas crenças, bem como, cultuarem suas divindades etc, e ainda, ateus e agnósticos, que não professam qualquer tipo de fé.

Esta é a questão central, pois estes professantes das diversas tradições religiosas, num país que o Estatuto da Nação, assegura a Liberdade de Crença e Consciência, como contido no Art. 5º, VI – “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (…)”, e, VIII – “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (…)”.

E, ainda, estabelece o Princípio da Laicidade, com a Separação Igreja-Estado, inserido no Art. 19, “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (…)”, sendo que todos os cidadãos, mesmo os de outras confissões de fé, são obrigados pela lei federal a não abrir sua empresa, deixar de trabalhar, impedido de acessar serviços em órgãos públicos ou instituições privadas etc?, sob pena de descumprir uma norma federal, arcando com consequências legais, numa afronta ao Estado Laico brasileiro.

É sempre bom dizer que Estado Laico não é Estado Ateu, pois este proíbe a manifestação religiosa dos cidadãos, e aquele protege e resguarda o direito dos cidadãos professarem livremente sua fé, não tendo religião oficial, por isso, não pode obrigar, através de leis os cidadãos a cumprir ou deixar de cumprir preceitos espirituais atinentes a um determinado grupo religioso, independente de seu histórico, suas tradições, a quantidade de fieis praticantes, sua influência político-social, seu poderio financeiro etc.

Assim, é o Poder Legislativo, através do Congresso Nacional que tem a competência constitucional para alterar esta norma legal, e diversas outras datas religiosas que são feriados nacionais, podendo, inclusive, neste caso, ser este dia considerado como sagrado exclusivamente para os católicos romanos, deixando de ser feriado nacional, a exemplo de outros grupos religiosos que reverenciam suas datas sagradas, como o “Dia do Evangélico”, comemorado nacionalmente todos os anos no dia 30 de novembro.

Este também é um dos casos que fica demonstrado a indevida ingerência do Poder Público numa questão estritamente ligada a questão de fé de um segmento religioso, sendo consequentemente inconstitucional, pois fere o princípio Separação Igreja-Estado, entretanto, não é feriado oficial, como disposto na Lei Federal 12.328/10, ou, ainda, através do Poder Judiciário, sendo o Supremo Tribunal Federal provocado através de uma ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, eis que, a Lei 6.802/80 tem vigência anterior a Constituição Federal de 1988, visto que a Liberdade de Crença e Religião é um dos fundamentos da república brasileira.

Compartilhamos, por oportuno, entrevista concedida ao Portal Terra exatamente acerca desta temática, quando oficialmente o país também parou em função do feriado religioso da pascoa, que também, como outros é lei federal obrigatório em todo território nacional.

“Também chamada de Sexta da Paixão para os cristãos, a Sexta-Feira Santa marca a morte de Jesus Cristo e o seu sofrimento ao carregar a cruz e ser crucificado. A data é um feriado móvel no Brasil, assim como em outros países, porque segue o calendário da Páscoa.

(…) Mas por que essa e outras datas religiosas são feriados se o nosso País é um Estado laico? De acordo com o advogado especialista em direito religioso Gilberto Garcia, essa tradição ainda existe na sociedade brasileira devido a questões históricas e culturais. Na época do Brasil Colônia, quando o nosso país era dependente de Portugal, a religião oficial era o catolicismo.

No Brasil Império, em 1824 uma mudança na legislação permitiu a liberdade de crença, no entanto ela não poderia ser feita em espaços públicos. Foi somente em 1890, após a proclamação da República, que um decreto estabeleceu a liberdade de culto de todas as religiões, no entanto, manteve subvenção estatal aos sacerdotes da Igreja Católica.

Um ano depois, a Constituição de 1891 instituiu, finalmente, a separação entre a igreja e o Estado, estabelecendo que não existe nenhuma religião oficial. Embora isso tenha ocorrido há mais de 120 anos, Garcia afirma que a Igreja Católica foi oficial no Brasil por mais de 400 anos, o que causa reflexos tanto na definição de feriados, como na escolha de nomes religiosos para cidades, bem como na utilização de representações da crença em espaços públicos, como crucifixos em prefeituras, câmaras de vereadores e tribunais.(…).

Gilberto Garcia, autor do livro “O Novo Código Civil e as Igrejas”, lembra que, além da Sexta-Feira Santa existem outros feriados ligados à religião, como o dia de feriados religiosos estaduais e municipais, Corpus Christi e o Natal, além de feriados regionais, como a celebração do dia de São Jorge, [dia do Evangélico] em algumas localidades.

O especialista em direito religioso lembra que a Constituição de 1988 reforçou a importância do Estado laico, sem igreja oficial, e ainda o respeito a liberdade de crença. “A constituição permanece dizendo que é laico, mas a tradição vem sendo mantida”, afirma.

Ainda de acordo com Garcia, outras religiões possuem suas datas de celebração, como a comemoração do Yon Kippur pelos judeus, o mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã, [e o dia de Iemanjá, pelos praticantes de Matriz Africana] que não são feriados religiosos.

“Se a sociedade quisesse mudar essas datas, deixando de ser um feriado obrigatório para todas as religiões, isso deveria ser feito pelo Congresso Nacional ou pelo Supremo Tribunal Federal, mas não há espaço político para isso”, completa Gilberto Garcia.

Celebramos como Nação, em 05 de outubro, 25 anos de vigência da Constituição Federal mais longeva do século XX, como fiadora da estabilidade jurídica, política e social das instituições republicanas, com o verdadeiro estabelecimento do Estado Democrático de Direito no Brasil, sendo a questão dos feriados religiosos uma problemática a ser debatida, no campo legal, pelo Estado Laico brasileiro, eis que, em nosso país convivem harmonicamente os praticantes de todas as crenças e religiões.

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Gilberto Garcia
DIREITO NOSSO: Gilberto Garcia é Advogado, Professor Universitário, Mestre em Direito, Especialista em Direito Religioso. Presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB/Nacional (Instituto dos Advogados Brasileiros), Membro da Comissão Especial de Advogados Cristãos, OAB/RJ, Integrante da Comissão de Juristas Inter-religiosos pelo 'Diálogo e pela Paz', Instituída pela Arquidiocese Católica do Rio de Janeiro, e, Membro Titular da Academia Evangélica de Letras do Brasil - AELB. Autor dos Livros: “O Novo Código Civil e as Igrejas” e “O Direito Nosso de Cada Dia”, Editora Vida, e, “Novo Direito Associativo”, Editora Método/Grupo GEN, e Coautor nas Obras Coletivas: “In Solidum - Revista da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas da UNIG”, Ed. Gráfica Universitária/RJ; bem como, “Questões Controvertidas - Parte Geral Código Civil”, Grupo GEN, e, “Direito e Cristianismo”, Volumes 1 e 2, Editora Betel, e, “Aprendendo Uma Nova Realidade: 2020 - O Ano em que o Mundo Parou!”, “Os Reflexos da Covid-19 no Meio Cristão-Evangélico Brasileiro”, “O Que Pensam os Líderes Batistas?”, “O Esperançar em Um Pais Repleto de Pandemias”, “Princípios Batistas, Discurso Relativização, Coerência e Vivência”, e, “Igreja e Política - Um Hiato Dolorido”, "Antologia de Verão/2023", "Antologia de Outono/2023', Vital Publicações; e, ainda, “A Cidadania Religiosa num Estado Laico: a separação Igreja-Estado e o Exercício da fé”, IAB/Editora PoD, e, “Desafios do Exercício da Fé no Ordenamento Jurídico Nacional”, IAB/Editora Essenzia; além do DVD - “Implicações Tributárias das Igrejas”, CPAD/CGADB; Instagram:@prof.gilbertogarcia; Editor do Site: www.direitonosso.com.br
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