A fúria dos muçulmanos com as reflexões públicas do papa Bento 16 sobre o Islã, há um mês na Alemanha -quando ele citou um imperador bizantino do século 14 que chamou o Islã de “maligno e desumano”- diminuiu em outros lugares, mas as repercussões persistem no Iraque, trazendo uma nova ameaça a uma população cristã já em declínio.

As carcaças queimadas de cinco carros ainda se encontravam diante da Igreja da Virgem Maria lembretes de uma ataque a bomba que matou duas pessoas após uma recente missa dominical.

Na cidade de Mosul, no norte, um padre da Igreja Ortodoxa Síria foi seqüestrado na semana passada. Sua igreja atendeu às exigências dos captores e colocou cartazes condenando os recentes comentários feitos pelo papa sobre o Islã, mas ele foi morto mesmo assim. A polícia encontrou seu corpo decapitado na quarta-feira.

Vários grupos extremistas ameaçaram matar todos os cristãos a menos que o papa peça desculpas. Clérigos sunitas e xiitas se uniram na condenação, chamando os comentários de um insulto ao Islã e ao profeta Maomé. Em Bagdá, muitas igrejas cancelaram missas após receberem ameaças. Alguns não mais as realizaram.

“Após a declaração do papa, as pessoas começaram a sentir mais medo do que antes”, disse o padre Zayya Edward Khossaba, da Igreja da Virgem Maria. “Aumentaram as ações dos fanáticos contra os cristãos.”

O cristianismo se enraizou no Iraque perto do nascimento da religião, há cerca de 2 mil anos, tornando o Iraque lar de uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo. O país é rico em importância bíblica: muitos estudiosos acreditam que o Jardim do Éden, descrito no Gênese, ficava no Iraque; Abraão veio de Ur da Caldéia, uma cidade no Iraque; a cidade de Nínive, visitada pelo profeta Jonas após ser cuspido pela baleia, ficava no Iraque.

Tanto católicos caldeus quanto cristãos assírios, as maiores religiões cristãs do país, ainda rezam em aramaico, a língua nativa de Jesus.

Eles sempre foram uma minúscula aldeia em meio ao mar dos seguidores do islamismo. Mas sob Saddam Hussein, os cerca de um milhão de cristãos do Iraque co-existiam pacificamente com os muçulmanos, tanto os dominantes sunitas quanto a maioria xiita.

Mas desde sua derrubada, o status deles tem se tornado cada vez mais incerto, primeiro por causa de muitos muçulmanos iraquianos terem emoldurado a invasão liderada pelos americanos como uma cruzada moderna contra o Islã e, segundo, porque os cristãos tradicionalmente são donos das lojas de bebidas alcoólicas do país, anátema para muitos muçulmanos religiosos.

Ao longo dos últimos três anos e meio, os cristãos têm sido alvo de uma série constante de atentados a bomba contra igrejas, assassinatos, seqüestros e cartas com ameaças colocadas sob suas portas.

As estimativas do êxodo resultante de cristãos varia de dezenas de milhares a mais de 100 mil, com a maioria seguindo para a Síria, Jordânia e Turquia.

O número de cristãos que permanecem também é incerto. O último censo iraquiano, realizado em 1987, contou 1,4 milhão de cristãos, mais muitos partiram durante os anos 90, quando as sanções deixaram o país em dificuldades. Yonadam Kanna, o único membro cristão do Parlamento iraquiano, estimou a atual população cristã em cerca de 800 mil, ou cerca de 3% da população. Um bispo auxiliar católico caldeu, Andreos Abouna, disse recentemente a uma caridade britânica que restavam apenas 600 mil cristãos, segundo a “Catholic News Service”.

Na Igreja da Virgem Maria, Khossaba mostrou ao visitante os formulários de batismo para os paroquianos que estavam deixando o país e precisavam de prova de sua afiliação religiosa para obtenção de vistos. Em algumas semanas ele preenche cerca de 50 formulários, ele disse, em outras até mais.

A freqüência aos domingos caiu para cerca de quatro dezenas, ele disse; costumava ser em média de mais de 500, e nos domingos de Páscoa, antes do colapso do governo Hussein, de mais de 1.500. Nem todos os fiéis que deixaram de comparecer partiram, é claro; alguns simplesmente ficam em casa aos domingos por temerem pela sua segurança.

Muitos cristãos se mudaram de bairros e até mesmo cidades. Cerca de mil famílias cristãs de Mosul, Bagdá, Basra e outras partes, se refugiaram em Ain Kawa, uma pequena cidade nos arredores da cidade curda de Erbil, que se tornou um oásis para os cristãos, disse Yusuf Sabri, padre da Igreja Católica Caldéia de São José dali.

Um cristão com carro com placa de Bagdá, que pediu para não ser identificado, disse que tinha acabado de chegar a Ain Kawa para avaliar a possibilidade de se mudar para lá. Um panfleto foi deixado em sua casa exigindo que partisse em três dias. Ele era assinado pelo Exército de Muhammad, um grupo rebelde sunita.

“Eles me consideram um agente dos cruzados”, ele disse.

Asaad Aziz, um católico caldeu de 42 anos, é um dos que estão tentando deixar o país. Após a queda de Saddam Hussein, ele comprou uma loja de bebidas alcoólicas em um bairro de maioria xiita. Nove dias depois da abertura, a loja foi bombardeada. Aziz ficou hospitalizado por um mês.

Os funcionários reconstruíram a loja. Mas vários meses depois, um bilhete foi colocado sob a porta dizendo que Aziz tinha 48 horas para fechar.

“Caso contrário, você vai se arrepender”, dizia a mensagem.

Aziz fechou. Mas após uma passagem sem sucesso pela gráfica de um amigo, ele voltou ao negócio que conhecida, abrindo uma loja de bebidas em um bairro de maioria cristã. No mês passado, um homem crivou de balas a fachada de Aziz enquanto ele se encolhia nos fundos.

Ele contou outra história: a filha adolescente de outra família cristã que ele conhece foi recentemente seqüestrada. Os captores exigiram inicialmente um resgate, mas posteriormente disseram sarcasticamente que o papa era o único que poderia libertá-la. Ela acabou sendo morta.

“Quando o papa fez aquela declaração, ele destruiu qualquer esperança que tínhamos aqui”, disse Aziz, que proibiu suas filhas, uma no colégio e outra na faculdade, de voltarem à escola.

Ele recentemente foi até a embaixada turca para se informar sobre visto, mas teve seu pedido recusado. A esta altura, ele disse, eu irei para qualquer lugar.

“Nós não podemos praticar nossos rituais e não podemos levar comida para casa para nossas famílias”, ele disse. “É por isso que quero deixar o país.”

Mosul, perto do coração histórico do cristianismo no Iraque, também está se tornando cada vez mais perigosa. O padre assassinado recentemente, Boulos Iskander Behnam, é apenas o mais recente membro da comunidade cristã a ser seqüestrado e morto lá.

As condições são particularmente sombrias para os cristãos em Basra, a cidade no sul dominada pelas milícias radicais xiitas. As mulheres cristãs de lá costumam usar os lenços de cabeça muçulmanos para evitar assédio de fanáticos religiosos que tentam impor o rígido código islâmico para vestuário. Após a declaração do papa, uma multidão furiosa queimou uma foto dele.

*Wisam H. Habeeb e Khalid al Ansary, em Bagdá, e um funcionário iraquiano do “New York Times”, em Mosul, contribuíram com reportagem para este artigo.

Fonte: The New York Times

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