O Congresso chileno sancionou nesta quarta-feira (12) a Lei da Identidade de Gênero que permite a mudança de nome e sexo para os maiores de 14 anos, acabando com uma batalha legislativa de cinco anos entre a comunidade LGBTI e os conservadores.
A lei, considerada um marco pelos movimentos sociais, foi aprovada pela Câmara dos Deputados por 95 votos a favor e 46 contra, um resultado mais folgado do que o esperado, ao fim de um acalorado debate no Parlamento de Valparaíso. No início de setembro, o documento já havia recebido a autorização do Senado.
Quando entrar em vigor, os maiores de 18 anos poderão mudar de nome e sexo com um procedimento simples no Registro Civil, e os casados em um tribunal de família.
Os adolescentes entre 14 e 18 anos terão que recorrer a um tribunal de família na companhia de pelo menos um de seus representantes legais ou responsáveis. Se não contarem com isso, poderão solicitar a intervenção de um juiz para que determine se a solicitação pode prosseguir.
Crianças menores de 14 anos foram deixadas de fora do projeto final em função da oposição nas fileiras conservadoras e da falta do quórum mínimo necessário.
O Chile se soma a vizinhos como Argentina e Peru aprovando a lei. Na América Latina, Brasil, Paraguai e a maioria dos países centro-americanos não têm normas que regulem a mudança de registro.
O ministro da Justiça, Hernán Larraín, explicou que “para os menores de 14 anos apresentamos uma ideia de acompanhamento” e entre 14 e 18 “se resguarda a situação desses menores que já têm mais capacidade de discernimento, mais maturidade”.
A lei deve ser sancionada pelo presidente, o conservador Sebastián Piñera, embora ainda possa enfrentar alguns obstáculos, já que legisladores conservadores contrários ao projeto anunciaram que recorrerão ao Tribunal Constitucional (TC), ente com capacidade para impugnar artigos da lei.
“Estamos na presença de um evento histórico, que celebramos com muita emoção e alegria, porque vai melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas que adiaram sua dignidade e direitos apenas por preconceitos em relação à identidade de gênero”, reagiu o líder trans do Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh) Álvaro Troncoso.
Na mesma linha, a diretora jurídica da Fundação Iguais, Jimena Lizama, considerou a votação “um tremendo triunfo para os e as adolescentes”, mas “o Estado fica em dívida com a infância trans”.
No caminho oposto, o ex-candidato presidencial José Antonio Kast foi um dos mais ativos no rechaço à lei que considera um “fracasso para o Chile e para nossas crianças”.
Efeito Hollywood
Apresentado durante o primeiro governo de Piñera (2010-2014), o projeto recebeu a máxima urgência na reta final do executivo da socialista Michelle Bachelet após a repercussão mundial do filme chileno “Uma mulher fantástica”, interpretada pela atriz transgênero Daniela Vega.
A obra, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, mostra a discriminação e a violência que uma jovem transgênero sofre após a morte de seu parceiro, tornando visível no Chile a luta dessa comunidade.
Atualmente, a comunidade transgênero usa uma antiga lei de mudança de nome. Embora na maioria dos casos a mudança seja aceita pelos tribunais civis, ela requer a presença de um advogado, o que tem um custo econômico associado.
Além disso, é possível que a pessoa seja submetida a exames médicos e psiquiátricos, prolongando o processo por pelo menos um ano. Com a lei aprovada, o processo fica mais rápido e confidencial.
A partir de agora, o judiciário terá seis meses para regulamentar a lei e quatro meses para fazê-la entrar em vigor.
A norma faz parte de uma série de leis sociais promovidas durante o segundo governo de Bachelet (2014-2018) e que incluem a lei do aborto terapêutico e o Acordo da União Civil, que reconhece oficialmente casais do mesmo sexo, embora seja pouco provável que se vá aprovar a lei sobre a união oficial desses casais, que atualmente tramita no Parlamento.
Fonte: AFP