Culto na Câmara de Vereadores no Rio de Janeiro
Culto na Câmara de Vereadores no Rio de Janeiro

Diversas repartições públicas usam suas salas para a realização de cerimônias religiosas. Cultos e missas ocorrem com dia e horário marcados em pelo menos 10 órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário. A Constituição Federal destaca que é garantido o direito à expressão religiosa, mas deixa claro que estruturas públicas não devem ser empregadas na realização desses eventos.

Durante uma semana, uma equipe do jornal Correio Braziliense, mapeou órgãos que mantêm ou cederam espaço para ritos religiosos. Instituições como a Câmara Legislativa, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a Terracap, a Secretaria de Educação e as administrações regionais são alguns exemplos. Na esfera federal, a Câmara dos Deputados, o Senado e o Ministério da Defesa recebem cerimônias.

Em 16 de janeiro, a reportagem participou de uma cerimônia na Câmara Legislativa. A casa cedeu o apoio do serviço de sonorização por quatro horas (das 18h às 22h) a uma reunião de pastores evangélicos. Há oito anos, a Câmara autorizou em seu regimento interno a cessão de um espaço para a realização de cultos evangélicos semanais.

Especialistas em direito constitucional afirmam que a prática fere a Constituição. Em novembro de 2017, a Justiça Federal do Rio de Janeiro condenou o ex-diretor do Arquivo Nacional José Ricardo Marques por ele ter promovido cultos evangélicos semanais no auditório principal da instituição.

Algumas cerimônias realizadas na capital federal seguem o mesmo padrão das que foram alvo do MPF no Rio. Na Câmara Legislativa, por exemplo, cultos evangélicos ocorrem às segundas-feiras, às 12h, na Sala de Comissões. Na Câmara dos Deputados, as reuniões são às quartas-feiras, às 8h30, no auditório Freitas Nobre — subsolo do Anexo 4. No Ministério da Defesa, o encontro é também às quartas-feiras, às 12h30, na sala 148. Lá, os militares participam do culto fardados. O colégio Setor Leste, na 611/612 Sul, realiza, aos fins de semana, cultos no auditório.

Para o pesquisador da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Henrique Blair de Oliveira, especialista em direito constitucional, o Estado não deve em hipótese alguma abrigar nenhum tipo de expressão religiosa. “Isso não quer dizer que os servidores de um determinado órgão não têm o direito de expressar sua religiosidade. Eles podem usar um crucifixo, no caso dos católicos, ou guias, comuns aos adeptos da umbanda e do candomblé”, explica.

Blair destaca que é preciso observar se as cerimônias são restritas a uma religião específica e se acarretam custos ao órgão, como para ornamentação, disponibilização de água e café, além do uso dos equipamentos públicos (energia elétrica, aparatos de áudio e vídeo etc). “Só temos a garantia de expressão religiosa quando o Estado é laico. Se o Estado adota uma religião, ela se torna obrigatória. O que vemos acontecer é o uso das instalações por religiões majoritárias”, conclui.

Erick Wilson Pereira, advogado especialista em direito constitucional, defende a criação de regras, como portarias, resoluções e regimento interno, para a realização de ritos religiosos em órgãos públicos. “É preciso regular o uso, como quais dias, horários, quem pode usar, entre outros detalhes. Não pode ceder apenas a uma religião, não pode desviar a finalidade do espaço do órgão”, avalia. Ele acredita que a realização sistemática de cerimônias religiosas pode ser punida como improbidade administrativa.

De acordo com denúncia do Ministério Público Federal, José Ricardo Marques, nomeado em fevereiro de 2016, determinou que os encontros evangélicos ocorressem no auditório principal da instituição. Na ação, o MPF afirma que a conduta causou perda patrimonial e desvio de recursos públicos, além de atentar contra os princípios da legalidade, imparcialidade, honestidade e lealdade às instituições. Os cultos só cessaram em julho de 2017. Pela sentença, José Ricardo terá que ressarcir os custos com os eventos, no valor de R$ 24 mil, e pagar multa de R$ 36 mil.

O que diz a lei

A Constituição Federal de 1988 garante a expressão religiosa, mas proíbe que o Estado mantenha relações com religiões. Esse é o princípio do Estado laico. No Artigo 5, a lei destaca: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Já no artigo 19, o texto determina que: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Fonte: Correio Braziliense

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