No Iraque, a perseguição aos cristãos continua. Assassinatos e um êxodo em massa contradizem a promessa do primeiro-ministro Nouri Al-Maliki de segurança para todos. As igrejas estão tentando ajudar os refugiados, e talvez alguns irão para a Alemanha – se o governo concordar com um plano.

A longa viagem de Mosul para Bagdá atravessa uma terra de ninguém deixada no Iraque central por cinco anos de guerra. Para Rami Kamil, 43, sua esposa e filhos, a viagem era uma fuga da perspectiva crescente de morte em Mosul.

Na última terça, às 6h da manhã, a família começou a viagem em seu pequeno Hyundai verde. Eles esconderam as jóias e o dinheiro sob uma montanha de toalhas e lençóis, os dotes das duas filhas. A pequena cruz que antes ficava pendurada no espelho fora removida há algum tempo. Atrair atenção com símbolos cristãos em postos de policiamento no Iraque não é uma boa idéia.

Kamil e sua família entenderam que não podiam mais continuar em Mosul quando seu quarto vizinho, o joalheiro cristão, foi morto. Atacantes desconhecidos atiraram contra a sua loja, enquanto seu filho, paralisado de medo, olhava pela janela.

Agora, Kamil está sentado no jardim de seu primo em Bagdá, cansado demais para terminar uma frase e inseguro do que fazer em seguida. “Sou professor de matemática. Atualmente, quem precisa de um cristão que ensina matemática?”, pergunta.

Desde a invasão americana do Iraque em março de 2003, os cristãos em Mosul passaram a temer por suas vidas. Igrejas foram incendiadas; padres, médicos, engenheiros e empresários foram assassinados. Em março, assistentes encontraram o corpo do arcebispo Paulos Faraj Rahho em um subúrbio da cidade. Uma nova série de matanças, que começou no final de setembro, já levou 18 vidas.

Para impedir os cristãos de fugir, seus perseguidores montam postos de vistoria falsos ao longo das estradas que saem da cidade. Freqüentemente são roubados, espancados e até assassinados. No bairro de Sadik, homens mascarados recentemente detiveram um sujeito com seu filho. Quando viram um nome cristão em sua carteira de identidade, eles o mataram na mesma hora. Quando o menino disse que o homem era seu pai, atiraram nele também.

Os membros da igreja que ainda não fugiram encontram panfletos em seus apartamentos com uma “Advertência a todos os cristãos”. “Se vocês não partirem, serão massacrados em três dias”, diz.

Não são ameaças vazias. No início de outubro, 15 jovens mascarados entraram na casa de uma família cristã que morava na margem leste do Tigre, em Mosul. Primeiro, eles pegaram o telefone celular da família e depois um dos invasores mascarados apontou uma arma contra a cabeça do filho de oito anos. Os atacantes gritaram que todos tinham que abandonar a casa e deixar seus pertences para trás. Eles tinham grande quantidade de explosivos. Apesar d os vizinhos alertarem a polícia, esta não chegou a tempo de salvar a casa, que explodiu na frente de seus olhos.

Promessas vãs, de Bagdá a Berlim

Cerca de metade dos 20.000 cristãos de Mosul deixaram a cidade desde setembro, de acordo com os dados oficiais divulgados pelo Ministério de Deslocamento e Imigração em Bagdá. Desde a invasão americana em 2003, mais de um terço da população cristã, que chegou a ser de 800.000 pessoas, fugiu do país.

A perseguição constante dos cristãos contradiz a promessa do primeiro-ministro Nouri al-Maliki, que assegurou a chanceler alemã Ângela Merkel, durante uma visita à Alemanha em junho, que os cristãos estavam seguros em seu país. Na época, suas garantias levaram o governo alemão a suspender temporariamente o processo de aceitação de um contingente de refugiados de minorias religiosas do Iraque.

As duas maiores denominações cristãs alemães estão especialmente iradas com a reversão alemã. As igrejas pediram ajuda repetidamente à chanceler Merkel e ao ministro do interior Wolfgang Schäuble, em nome dos iraquianos perseguidos. Eles enviaram representantes para a região diversas vezes neste ano, que -depois de voltarem da Síria, Jordânia e Norte do Iraque- concluíram que é urgentemente necessário ajudar os cristãos iraquianos

O novo presidente da Conferência de Bispos Católicos da Alemanha, Robert Zollitsch, e seus colegas protestantes, como o bispo Johannes Friedrich de Munique, querem que Merkel e os ministros do interior estaduais mudem suas políticas de forma a reduzir a quantidade de burocracia que os refugiados devem ultrapassar para serem aceitos na Alemanha. “Os fatos são conhecidos”, reclama Thomas Prieto Peral, da Igreja Luterana Evangélica da Bavária.

Entretanto, até mesmo os refugiados que já entraram Alemanha podem enfrentar obstáculos. Na cidade de Essen no Oeste, a 3.000 km de Mosul, mora uma família chamada Jalal, que deixou sua casa no Tigre no verão de 2007. Homens armados invadiram a casa dos Jalal, repreenderam-nos por serem cristãos e mataram a mãe na frente de seus sete filhos.

Os membros sobreviventes da família tiveram a sorte de chegar a Damasco, onde a embaixada alemã, como exceção, ajudou-os a entrar na Alemanha. Apesar da solidariedade das autoridades em Essen e da assistência enérgica da organização de ajuda católica Caritas, os Jalal tiveram que passar por um processo humilhante.

Naseem, de 15 anos, e sua avó passaram quatro horas em um interrogatório rígido com “o avaliador do caso” do Escritório Federal Alemão de Imigração e Refugiados na cidade de Bielefeld, no Noroeste. Foram tiradas digitais do adolescente que foi fotografado e questionado com uma hostilidade declarada. No final, a avó e o neto foram oficialmente reconhecidos como refugiados.

É precisamente esse tipo de tratamento que as igrejas querem impedir. Elas propuseram uma solução com um procedimento de aceitação mais simples, que no final desse residência permanente. Mas antes de aprovar o plano, os políticos alemães insistem que os cristãos iraquianos não devem ter perspectivas em outros países que aceitem refugiados do Iraque, como a Síria ou a Jordânia. A volta ao Iraque também deve ficar fora de questão.

Entretanto, nenhum acordo foi alcançado. A rígida postura dos Estados alemães sobre refugiados estão apenas gradualmente começando a se suavizar. Desde a última primavera, as autoridades na Baixa Saxônia vinham estudando um plano para receber cerca de 1.000 refugiados em centros em Friedland e Unna-Massen, para “entrada inicial e cursos de integração”. Os centros de imigração ficaram vazios. Agora, após as eleições parlamentares na Bavária, Joachim Herrmann, ministro do interior do Estado, mostrou disposição de conversar com os representantes da igreja.

Uma “situação que ameaça a vida”

Um cristão importante que concordou com Maliki na oposição do êxodo cristão do Iraque agora parece ter mudado de idéia: o cardeal de Emmanuel II Delli, patriarca da Igreja Católica de Chaldean no Iraque. Recentemente, ele visitou o sínodo dos bispos em Roma. Ele também, aparentemente, está planejando uma viagem a Berlim. Ele disse ao papa alemão, Bento 16, o que pretende dizer a chanceler Merkel: os últimos pogroms em Mosul são “evidência de uma situação que ameaça a vida dos cristãos no Iraque”.

A perseguição afeta uma comunidade de quase 2.000 anos com raízes na Mesopotâmia. Essa comunidade tem sido consistentemente leal ao Estado iraquiano, fundado em 1921 sob um mandato britânico. Os cristãos serviram aos reis iraquianos como ministros e banqueiros; eles serviram aos rebeldes dos anos 60 como médicos e professores militares; eles serviram ao ex-ditador Saddam Hussein como burocratas do governo e pilotos de helicóptero. Ninguém teve que pedir-lhes ajuda duas vezes, em 2003, quando chegou a hora de construir um novo Iraque. Entretanto, como os cristãos sempre estiveram entre os mais educados e afluentes cidadãos iraquianos e foram cortejados por Saddam, também são alvos de ressentimento.

A luta constante por poder, recursos e territórios que começou com a invasão americana agora ameaça esmagar a decrescente comunidade cristã. Em Bagdá, milhares de cristãos tiveram que fugir das gangues terroristas da Al Qaeda (sunitas). Eles fugiram da cidade de Basra no Sul, que é primariamente xiita, em resposta à pressão de gangues criminosas e fanáticos religiosos. E agora, a animosidade com os cristãos irrompeu no Norte, de maioria curda, para onde dezenas de milhares tinham fugido do Sul anteriormente.

Há uma guerra silenciosa nas províncias do Norte, que são étnica e religiosamente misturadas. Os curdos dizem dominar a cidade de Kirkuk e grande parte das províncias de Tamim e Niveneh. Árabes muçulmanos, muitos deles estabelecidos na região por Saddam Hussein, se opõem aos curdos. Os cristãos ficam no meio, junto com as minorias Yazidi e Shabak.

As eleições aos parlamentos provincianos do Iraque estão marcadas para a próxima primavera. No entanto, no final de setembro, o parlamento de Bagdá revogou uma lei garantindo às minorias um número fixo de assentos. O ataque de gangues começou quando cristãos em Mosul protestaram contra a medida do governo. Entretanto, ninguém sabe com certeza o que motivou os ataques.

Quando Rami Kamil chegou à capital depois de ter fugido de Mosul, na última terça-feira, sua já baixa confiança no governo tinha desaparecido. Poucos dias antes, o primeiro-ministro Maliki tinha prometido enviar mais policiais ao Norte, para proteger os cristãos. Kamil, contudo, não viu evidência da polícia na estrada de Mosul. “Tudo o que eu vi foram colunas de refugiados em direção Leste ou Sul”, disse ele.

Fonte: Der Spiegel

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